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Artes

Fanzines ressignificam jornais e revistas para tirar a arte do pedestal

Oficina no Espaço Urbana ensinou a usar colagem e composições como como forma de expressão e transformação social.

Kimberly Teodoro | 10/07/2019 08:59
A oficina de fanzines, usando a colagem e as composições como como forma de expressão e transformação social (Foto: Kísie Ainoã)
A oficina de fanzines, usando a colagem e as composições como como forma de expressão e transformação social (Foto: Kísie Ainoã)

O conteúdo de jornais e revistas ganham novos sentidos nas mãos de Roger “BeatJesus”, residente da Ouvidor 63, a maior ocupação cultural da América Latina. Nesta terça-feira, o artista aproveitou a passagem por Campo Grande para fazer do Espaço Urbana uma oficina de fanzines, usando a colagem e as composições como como forma de expressão e transformação social.

Fanzine ou “Zine”, junção do termo “fanatic magazine”, que originalmente era uma produção feita por fãs de um determinado assunto, mas que ganhou um mundo como um formato de publicação independente usado para passar mensagens de forma barata e original. As páginas não têm regra, são liberdade para o artista que quer se expressar, seja com colagens, poesia, músicas, desenhos e o que mais vier à mente.

No processo criativo, o segmento do material pouco importa. Podem ser revistas de moda, curiosidade, cultura, negócios. Tudo é ressignificado com a ajuda de uma tesoura e uma folha de tamanho A4. É a criatividade e intenção de quem faz os recortes que realmente conta. “A pessoa vai olhar as figuras e palavras e escolher aquilo que chama mais a atenção dela e o que condiz com a mensagem que ela quer passar”, explica Roger.

Oficina aconteceu no Espaço Urbana (Foto: Kísie Ainoã)
Oficina aconteceu no Espaço Urbana (Foto: Kísie Ainoã)
Designer de moda, Talita usou o espaço para trabalhar temas dentro da própria área (Foto: Paulo Francis)
Designer de moda, Talita usou o espaço para trabalhar temas dentro da própria área (Foto: Paulo Francis)

Para o artista, o momento em que vivemos com a tecnologia tão inserida no cotidiano “já pensando na pós-modernidade, a única forma de conseguirmos uma real mudança, a única arma que temos é cultura, arte e educação. Se as pessoas não aprenderam a sair do modelo quadrado que nos é ensinados, viveremos mais 100 anos presos”. A produção de Fanzines foi a maneira encontrada por ele de “sair da caixa”.

Participando da oficina, a designer de moda Talita Queiroz confessa que até já teve acesso ao trabalho de artistas de Campo Grande, mas é a primeira vez que se interessa em passar pela experiência de produção de uma fanzine. “Já abre um monte de ideias, principalmente de como eu poderia trazer isso para a minha área. Já abre a mente para novas formas de criar e pensar”.

Conteúdo de revistas e jornais ganham novo sentido na produção de zines (Foto: Kísie Ainoâ)
Conteúdo de revistas e jornais ganham novo sentido na produção de zines (Foto: Kísie Ainoâ)
Formato "pocket" precisa apenas de uma folha A4 para transmitir as mensagens (Foto: Kísie Ainoã)
Formato "pocket" precisa apenas de uma folha A4 para transmitir as mensagens (Foto: Kísie Ainoã)
No espaço, Roger deu as orientações, mas a principal ferramenta foi a liberdade para se expressar (Foto: Paulo Francis)
No espaço, Roger deu as orientações, mas a principal ferramenta foi a liberdade para se expressar (Foto: Paulo Francis)
Produzida a baixo custo, a publicação independente leva mensagens que a grande mídia não mostra (Foto: Paulo Francis)
Produzida a baixo custo, a publicação independente leva mensagens que a grande mídia não mostra (Foto: Paulo Francis)

O acesso que Roger tinha ao computador era durante uma hora do dia em que conseguia passar na lanhouse, tempo que utilizava para elaborar fanzines antes mesmo de saber que as colagens em papel A4 tinham esse nome. “Eu ia correndo na lanhouse, já com a ideia definida das imagens que eu tinha que pegar e qual o tamanho, imprimia e voltava para casa para montar as páginas”. No começo, ele conta que o propósito era fazer a divulgação de eventos, com informações como o nome das bandas, local e horário das apresentações.

A ideia sempre foi transmitir uma mensagem, usando os recursos que tinha no momento que a necessidade se fazia presente. A “propaganda original” evoluiu para informativos do grupo de debate que frequentava a casa de Roger. Com forte ligação com o meio cristão, o artista explica que na igreja da qual fazia parte sempre houveram assuntos velados, como sexo, misticismo e o próprio diabo, figura muito explorada em algumas religiões sem muita compreensão. “Resolvemos nos reunir e estudar por nós mesmos os assuntos para os quais eles não nos davam respostas”.

Quando deu por si, o grupo tinha cerca de 70 pessoas, entre gente nova e aqueles que perderam alguma das reuniões, nem todas sabiam exatamente o que estava acontecendo. Foi aí que os “panfletos” passaram a ganhar um conteúdo mais elaborado, com pautas, recados e até com informações sobre bandas.

A relação de Roger com a religião passou por uma fase de conflito e o levou à outras realidades.Foi da vivência nas ruas, em contato com outros artistas e pessoas em diferentes situações sociais que o lado artista de Roger encontrou um propósito. Antes, ele comunicava informações de uma maneira visualmente agradável, mas conhecer outras realidades da comunidade do Jardim ngela, periferia de São Paulo.

Hoje Roger vive apenas do trabalho com as fanzines, levando oficinas à instituições e escolas (Foto: Kísie Ainoã)
Hoje Roger vive apenas do trabalho com as fanzines, levando oficinas à instituições e escolas (Foto: Kísie Ainoã)

“Na igreja, às vezes eles tinham uma visão mais elitizada, muito americanizada das coisas e as pessoas com quem eu andava na escola ou encontrava na rua já gostavam de Rap, tinham uma linguagem diferente e quando eu convidava eles para irem à igreja, eles iam por respeito a mim, mas não voltavam por não se sentirem representados”.

Hoje o artista ainda é um homem de fé, mas seu trabalho não é carregado de religiosidade e nem fala da igreja o tempo todo. São temas que Roger encontra na rua, nas escolas e na comunidade onde vive, abordando mensagens de cunho social, com críticas ao sistema, ao capitalismo, à mídia tradicional e as divisões de classes com oportunidades dispares. Tudo visualmente pensado e usando uma linguagem que até uma criança de 12 anos pode é capaz de compreender. “Você não precisa falar de Deus, Jesus e Espírito Santo. Se você falar de amor, respeito ao próximo, você já está falando”

Atualmente toda a fonte de renda de Roger vem da venda de fanzines ou do escambo, muitas vezes oferecendo oficinas de fanzines em instituições e empresas, que nem sempre têm dinheiro para pagar pelas aulas, mas podem oferecer o material que o artista precisava para trabalhar.

Além de escolas e instituições, Roger também realiza oficinas no Presídio Franco da Rocha, onde trabalha com os detentos do regime semi-aberto, por ali o propósito é a ressocialização. O “segredo” de transitar entre tantos ambientes é falar a linguagem que cada um entende.

Como resultado, o que ele afirma mais ter presenciado é a autonomia. “Criança, adulto ou idoso de pegar uma folha em branco, mesmo sem saber desenhar ou achar que não é bom com as artes, e receber orientação e liberdade para trabalhar no próprio material e encontrar a própria voz através daquela colagem. Isso é transformação social. São pessoas que ouviram ‘nãos’ a vida toda, que sempre estiveram presos, mas que ao sentar aqui na mesa, conseguirem se expressar”.

Acompanhe o trabalho de Roger pelo Instagram @rogerbeatjesus, clicando aqui.

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