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Comportamento

Aos 87 anos, vendedor de sorvete dá conselhos sobre a felicidade para quem passa

Figura conhecida na Praça do Rádio, a presença de Julian é certa todos os dias das 11h às 17h30 há cerca de 10 anos.

Kimberly Teodoro | 13/01/2019 08:16
Reservado, Julian não costuma puxar assunto, mas não nega uma boa conversa para quem estiver disposto a ouvir seus conselhos (Foto: Kísie Ainoã)
Reservado, Julian não costuma puxar assunto, mas não nega uma boa conversa para quem estiver disposto a ouvir seus conselhos (Foto: Kísie Ainoã)

“Se você quer ser feliz, precisa de duas coisas. Você sabe quais são?” A pergunta feita pelo vendedor de sorvetes na Praça do Rádio vem cheia de experiências colecionadas em 87 anos de vida, recém completados agora em janeiro. E as lições são compartilhadas facilmente, basta parar para tomar o picolé vendido a R$ 1, perto do ponto de ônibus na Avenida Afonso Pena.

Faça chuva ou faça sol, o descendente de paraguaios está ao lado do ponto de ônibus, sob a sombra da figueira das 11h às 17h30, todos os dias. Virou figura conhecida na região onde trabalha há quase 10 anos. Reservado, ele costuma não puxar muito papo com quem passa, mas não nega conselhos e troca de experiência com quem resolve parar para uma conversa.

Na cabeça, um boné para se proteger do sol, acompanhado de um óculos de sol cheio de estilo para se proteger do calor e sol forte, um pouco destoante da camisa, calça e sapatos fechados, mais sociais. Nascido e criado na fronteira, Amado Julian Maldonado conta que veio para Campo Grande em 1956. “No trem que ia de Ponta Porã até São Paulo, na época os donos das empresas iam até o Paraguai e voltavam com um trem cheio de gente contratada para trabalhar aqui. Quando eu vim, foi para trabalhar como topografo no mato que era por essas bandas”, conta.

Para Julian, o segredo da felicidade está em cuidar da mente e do corpo (Foto: Kísie Ainoã)
Para Julian, o segredo da felicidade está em cuidar da mente e do corpo (Foto: Kísie Ainoã)

O trabalho difícil e rotina isolada, deram a Julian uma das lições que ele considera mais importante e não se acanha em repetir: “O segredo é não contar a sua vida para as pessoas, se você quiser ser feliz. Aprendi isso quando trabalhava no mato, íamos em grupo, mas a maior parte era feito cada um no seu canto. Me acostumei a não conversar muito com as pessoas”, afirma.

O conselho de Julian não é sobre isolamento ou evitar o convívio social, ele não costuma destratar ninguém e nem recusar uma boa conversa, mas avisa que é melhor apenas ouvir. “As pessoas hoje têm uma vida muito complicada, cheia de problemas e não querem saber da sua felicidade. Por isso, escuta se alguém vier falar alguma coisa, mas da sua vida e dos seus problemas, você não precisa contar, nem as coisas boas e nem as ruins”, diz e finaliza com já conhecido bordão “se você quiser ser feliz, é claro”, se não quiser, pode ficar a vontade para ignorar a advertência.

Depois de 4 anos como topografo, Julian juntou dinheiro o suficiente para comprar um caminhão e trocar a vida no mato pela estrada. Uma profissão igualmente solitária, mas bem menos sofrida. “No mato, passávamos muita fome, ficávamos muito tempo longe da cidade. Levávamos nossa comida, mas quando acabava não podíamos largar o serviço e ir comprar mais, então tínhamos que nos virar caçando os animais. Já comi muito tatu e capivara nesse tempo, mas foi só o suficiente para comprar uma casa e um caminhão para trabalhar”, conta.

Mesmo não precisando, Julian se recusa a aceitar a aposentadoria e continua vendendo sorvetes na praça (Foto: Kísie Ainoã)
Mesmo não precisando, Julian se recusa a aceitar a aposentadoria e continua vendendo sorvetes na praça (Foto: Kísie Ainoã)

Juntar dinheiro é outra das lições de Julian, desconfiado, ele se lembra dos tempos em que não exista poupança e as pessoas guardavam o dinheiro embaixo do colchão, deixando os bancos “a míngua”. “Quando abri minha primeira poupança, depositei só R$ 1 e esqueci que estava lá, no fim de um ano, esse R$ 1 virou R$ 4, então eu vi que era bom negócio e até hoje coloco dinheiro lá”, diz.

Para ele, é preciso pensar na velhice enquanto ainda se é jovem, para não ficar largado ou passar necessidade quando não puder mais trabalhar. Julian se recusa a ficar parado e se aposentar, mas conta depositar entre R$ 30 e R$ 50 todos os meses no banco desde que era caminhoneiro, um dinheiro que parecendo pouco, mas necessário. E até a idade chegar pesando os ossos, é proibido mexer.

Julian conta que se casou aos 25 anos e ao lado da esposa criou os 5 filhos, diz também já ter tantos netos e bisnetos espalhados pelo mundo que já perdeu a conta. Hoje, viúvo, ele mora com uma das filhas e mesmo não precisando, por sabedoria ou teimosia, contraria a vontade da família e faz questão de continuar trabalhando.

Quando questionado sobre a saúde e disposição para trabalhar aos 87 anos, ele revela ser o primeiro dos dois grande segredos da felicidade: O primeiro é cuidar bem da mente, coisa que ele faz levando uma vida sem excessos, “As pessoas hoje bebem e fumam, passam a noite na farra, mas eu nunca fiz isso. A cabeça também precisa de descanso, se você trabalha um dia inteiro, chega em casa cansado e um amigo aparece te convidando para festa, você normalmente vai, mas aquilo te faz mal. Você tem que saber dizer não para as pessoas e colocar sua cabeça em primeiro lugar. Outro jeito de fazer isso é evitar confronto, se a pessoa diz uma coisa que você não concorda ou não gosta, você tem que entender que isso é com ela, que ela diz essas coisas porque no coração dela ela é assim, então você se pergunta, ‘eu sou esse tipo de pessoa?’ e deixa pra lá”, aconselha.

O segundo grande segredo é cuidar do corpo e da alimentação, todos os dias antes de ir trabalhar, Julian faz o próprio almoço, com pouco óleo e tempero e não costuma exagerar nem nas coisas favoritas. “Se você toma muito café, precisa ficar um tempo sem tomar. Se come muita carne vermelha, tem que comer frango por um tempo. Gosta de doce? Pode comer, mas também tem que ficar um pouco sem. Quem gosta de beber e fumar sabe que está se maltratando e que depois o corpo vai cobrar, quando você regra as coisas o corpo não ‘vicia’ em nada”, explica.

Antes de finalizar a conversa, a pergunta é a mesma, “Você quer ser feliz?” e se a resposta for “Sim”, Julian resume os ensinamentos: “Ser feliz no futuro depende das escolhas que você faz agora e principalmente, depende de cuidar da própria vida e não se meter no que só é da conta dos outros”.

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