Após perder filho para o suicídio, pai luta para sobreviver no silêncio
Para enfrentar a perda, ele encontrou no grupo de apoio ao luto acolhimento e força para lidar com a saudade

Lidar com o luto pela morte de um filho é uma das experiências mais devastadoras que alguém pode viver. Há dois anos, Raul Ferreira Ratier passou por essa dor ao perder o filho, Raul Júnior, de 19 anos, que cometeu suicídio dentro da casa onde moravam. Desde então, ele enfrenta um cotidiano marcado pela saudade, silêncio e tentativa de reconstrução.
Foi só após descobrir o grupo de apoio ao luto da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) que Raul passou a encontrar algum alívio.
“Falei no grupo que me sinto perdido, como se tivesse caído de um caminhão no meio de uma cidade desconhecida. Não sei pra onde vou. Só sigo. Perder um parente é triste, mas perder um filho é a pior dor do mundo”, desabafa.
Os encontros, realizados aos sábados, reúnem pessoas que enfrentam a perda de familiares, em especial vítimas de suicídio. Assim com Raul, muitos encontram no grupo espaço para falar sem medo, sem julgamento, e respirar mesmo diante da dor.
“Enterrei tudo de mim naquele dia”
A lembrança do dia 21 de novembro de 2023 ainda vive com clareza na memória de Raul. Ele havia saído para comprar o almoço, acreditando que o filho seguiria para o estágio após tomar banho. O que parecia uma rotina comum, no entanto, transformou-se em uma tragédia.
“Achei que o dia da morte da minha mãe tinha sido o mais triste da minha vida. Mas esse foi pior. Quando deixei meu filho no cemitério, não foi uma parte de mim que ficou ali. Foi tudo. Eu acabei ali.”
A cena que encontrou ao voltar para casa ainda o assombra. Desde então, a rotina no lar mudou completamente. Cada canto guarda uma lembrança. A porta do quarto do filho permanece fechada, e os poucos objetos que restaram, roupas penduradas, retratos, perfumes, mantêm a presença do jovem viva.
“Não sei se ele volta aqui, mas se voltar vai ver que está tudo do mesmo jeito. Eu não saio daqui. Não vou deixar meu filho sozinho.”
A ausência de sinais e as perguntas sem resposta
Raul diz que não havia notado sinais que apontassem para o sofrimento do filho. Sorridente, carinhoso e afetuoso, Júnior aparentava estar bem. Foi apenas depois da perda que soube, por outro filho, de tentativas anteriores de suicídio.
“Ninguém me falou nada. Levei ele uma vez ao psiquiatra, mas não entendi o que estava acontecendo. Ele parecia feliz, me fazia brincadeiras.”
A escolha por cursar História, o sonho de ser professor, as conversas sobre futuro e paternidade, tudo virou silêncio. Hoje, Raul passa os dias sozinho, assistindo futebol ou olhando pela janela para a cadeira onde o filho costumava se sentar.
“Às vezes bate um vento no portão e eu acho que é ele. Tem hora que dá vontade de gritar o nome dele até ele responder. Eu choro. Sou da época que as pessoas falavam que homem não chora, e eu agora virei um chorão. E não tenho vergonha disso. Fico pensando que eu podia ter prestado mais atenção”
Acolhimento no grupo de apoio
Edilson dos Reis, teólogo e capelão do Hospital Universitário da UFMS, atua há mais de 20 anos no acolhimento de pessoas enlutadas. Ele explica que o grupo de apoio recebe todos que enfrentam perdas, mas tem atenção especial aos chamados "sobreviventes do suicídio", familiares e amigos de pessoas que tiraram a própria vida e que, muitas vezes, não encontram espaço seguro para falar sobre a dor que sentem.
“Pessoas que estão passando por luto, inclusive pela perda de animais domésticos, também são bem-vindas. Ali é um espaço onde quem está enfrentando a dor da ausência pode falar abertamente sobre suas angústias e sofrimentos. É nesse processo que muitos compreendem, inclusive, que não têm culpa pela perda de alguém querido.”
O grupo não está vinculado a nenhuma religião e também não aborda aspectos psicológicos ou psiquiátricos. O foco é a escuta mútua e o acolhimento.
“Ou seja, são pessoas iguais, com suas narrativas, suas histórias e depoimentos, que se consolam umas às outras. Esse é um espaço sem julgamentos, onde quem está em luto encontra liberdade para falar e ser acolhido.”
Os encontros são gratuitos, abertos à comunidade e ocorrem todos os sábados, das 14h às 16h30, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, bloco 6, ao lado da Biblioteca Central. Para participar, é necessário fazer inscrição prévia.
Procure ajuda
Se você ou alguém próximo está passando por um momento difícil, saiba que não está sozinho. O Grupo Amor Vida (GAV) oferece apoio emocional gratuito pelo telefone 0800 750 5554, das 7h às 23h, todos os dias, inclusive fins de semana e feriados.
Você também pode buscar ajuda nos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), escolas-clínicas de Psicologia, no Núcleo de Saúde Mental ou pelos telefones: CVV (Centro de Valorização da Vida): 141 ou 188 (ligação gratuita) ou Emergência: 190 (Polícia Militar) e 193 (Corpo de Bombeiros).
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