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Comportamento

Com prêmio da ONU e vontade em ajudar, Zélia continua voluntária aos 88 anos

Ela já trabalha voluntariamente há 18 anos na Associação dos Moradores do bairro

Thaís Pimenta | 19/10/2018 08:07
Sala da AMAPE do "Cantinho Feliz" tem o nome de Zélia por conta de seu trabalho voluntário. (Foto:Henrique Kawaminami)
Sala da AMAPE do "Cantinho Feliz" tem o nome de Zélia por conta de seu trabalho voluntário. (Foto:Henrique Kawaminami)

Escondida no bairro Maria Aparecida Pedrossian, na Associação de Moradores (AMAPE), dona Zélia Pereira, trabalha voluntariamente, aos 88 anos, com o grupo apelidado carinhosamente por ela de “minhas meninas”, que na verdade compõe o grupo da terceira idade do bairro do "Cantinho Feliz". Pontual, correta e sábia, Zélia não mostra, em sua humildade, o peso da bagagem que carrega. Aos olhares despercebidos, é apenas mais uma simpática senhora, porém mal sabem que ela foi a primeira a se formar no curso de Terapia Ocupacional da USP, inclusive o primeiro de toda a América Latina, e que por conta disso ganhou um prêmio da Organização das Nações Unidas (ONU) na época.

Tudo isso aconteceu por volta do ano de 1959, quando Zélia tinha 29 anos. Era funcionária do Instituto de Reabilitação do Hospital das Clinicas em São Paulo. ''Eu entrei em julho, e em janeiro saiu o primeiro curso de Terapia Ocupacional da América do Sul. A USP (Universidade de São Paulo) abriu o curso para nós, funcionários, e foi um curso maravilhoso. Todos os professores do curso de medicina nos ajudaram a partir do segundo ano na parte de biblioteca, como nossos professores, e a parte humana também foi nos dadas, ossos, músculos, articulações'', conta ela.

Zélia na formatura. (Foto:Henrique Kawaminami)
Zélia na formatura. (Foto:Henrique Kawaminami)

Só que, no passado, Terapia Ocupacional (TO) envolvia muito da psicologia e hoje ela explica que a fisioterapia esmagou as duas áreas, isso porque ela contempla todos os pontos da TO. ''Antes da Terapia e da Fisioterapia só existia massagista, acredita?'', questiona ela.

A primeira da turma, com média 9,8, foi congratulada pela ONU (Organização das Nações Unidas) com um prêmio. ''Na hora eu nem sabia que ia ser premiada então foi uma surpresa e uma honra que eu carrego até hoje''.

Formada em magistério, ficou por oito anos a frente de um projeto do Instituto de Reabilitação com o Hospital das Clínicas trabalhando como chefe do setor de reabilitação. ''Nosso trabalho com cada paciente levava cerca de dois anos. Tratava e criava ferramentas para que eles pudessem viver de forma independente. Acessório para conseguir tomar banho sozinho, para poder escovar os dentes, todo esse tipo de coisa''.

Neste posto ela ficou por oito anos, até que, com salário desvalorizado, decidiu sair. ''E foi a melhor coisa que eu fiz porque pude cuidar dos meus filhos do jeito que eu bem quis. Hoje eles são pessoas boas, isso pra mim é o que valeu'', conta ela, que já mora em Campo Grande há muitos anos.

Hoje ela usa uma bengala para se locomover e anda a passos lentos, mas não para jamais. (Foto:Henrique Kawaminami)
Hoje ela usa uma bengala para se locomover e anda a passos lentos, mas não para jamais. (Foto:Henrique Kawaminami)

Mas dona Zélia não é admirável apenas pelo currículo de peso. Com uma história de vida difícil, filha de pai analfabeto e mãe que sabia ler muito pouco, nasceu na roça, em São Roque, interior de São Paulo, numa família com 8 filhos. ''Nossos pais nos ensinam a ter respeito e trabalhar com a verdade, acho que por isso que hoje sou assim''.

Com 30 dias de vida, um tumor na bacia e a falta de possibilidade dos pais de a levarem ao médico fez com que ela fosse tratada numa farmácia que, por falta de conhecimento, carregou marcas da falta de tratamento ideal pela vida toda. ''Fui andar só aos 5 anos, eu me rastejava por conta disso. Mas a vida toda eu senti dor na bacia por conta disso, me causou um problema grave'', explica ela, que talvez tenha partido para a área de Terapia Ocupacional por seu histórico.

Viu os pais falecerem, enterrou seu marido e sua netinha, e mesmo assim, consciente, ela diz que a vida acontece do jeito que tem que acontecer. Com osteoporose desde os 51 anos, um implante na bacia, e dificuldade de locomoção, ela é exemplo para muita gente que, totalmente saudável, escolhe apenas estar vivo e não viver.

Já deu palestras nas mais diversas universidades de Campo Grande contando sua história, inclusive foi homenageada pela primeira turma de TO da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) com o nome Zélia Pereira. Na sala do ''Cantinho Feliz'', da AMAPE, onde é voluntária há 18 anos, também foi homenageada.

Ali, todas as terças, é a responsável pelo curso de Capoterapia e pelo artesanato. Sai de sua casa cedo, antes das sete horas, para chegar pontualmente nas aulas. ''O que me motiva a vir aqui toda a semana é a doação. Eu costumo dizer que recebo muito mais do que dou, e é isso que me alegra, que me faz sair de casa para vir. Só é velho quem tem alma de velho, e a minha alma é jovem'', finaliza.

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Ela mostra os trabalhos do grupo de artesanato. (Foto:Henrique Kawaminami)
Ela mostra os trabalhos do grupo de artesanato. (Foto:Henrique Kawaminami)
Matéria do Estadão de quando ganhou o prêmio da ONU. (Foto:Henrique Kawaminami)
Matéria do Estadão de quando ganhou o prêmio da ONU. (Foto:Henrique Kawaminami)
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