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Comportamento

Contra vontade da família, avó resiste no volante aos 83 anos e renova carteira

Neste ano, o Lado B decidiu por em pauta a velhice para mostrar exemplos de quem continua a ver alegria no passar dos anos

Paula Maciulevicius | 31/01/2017 06:05
O prazo final para deixar o volante "expirou" em 2016, mesmo ano em que dona Manife renovou a habilitação, feliz da vida. (Foto: André Bittar)
O prazo final para deixar o volante "expirou" em 2016, mesmo ano em que dona Manife renovou a habilitação, feliz da vida. (Foto: André Bittar)

Entre a comida árabe e o crochê, a senhorinha de óculos sentada à cadeira de balanço desafia a família e o próprio tempo. Mãe, avó e já bisavó, dona Manife Bittar renovou a carteira de habilitação ano passado, aos 83 anos, quando o acordo entre filhos e netos era para que ela deixasse o volante.

Nascida em Franca, interior de São Paulo, o talento para a cozinha veio da mãe. Filha de sírios, Manife já morou em Mato Grosso, Goiás e até no Acre antes de chegar a Campo Grande, em dezembro de 1974.

A fala mansa e a carinha de vó remetem a uma fragilidade que Manife não tem. Pode ser sensível, chorar a perda do marido e de uma filha, mas não se deixa abater pelo que a vida lhe tirou. Olha muito mais para o que ficou. Neste ano, o Lado B decidiu por em pauta a velhice, terceira idade ou o nome que quem já passou dos 60 prefere se classificar, para mostrar exemplos de quem continua a ver alegria no passar dos anos.

Em casa, na cadeira de balanço, senhorinha fala da vida e o quão é abençoada por envelhecer. (Foto: André Bittar)
Em casa, na cadeira de balanço, senhorinha fala da vida e o quão é abençoada por envelhecer. (Foto: André Bittar)

Mãe de seis filhos, avó de 11 e bisavó de quase três - um terceiro está a caminho -, Manife, vê nos herdeiros uma preocupação quanto a ela no trânsito. Há uma campanha, em pleno desenvolvimento, liderada pela filha mais velha e uma das netas. Não pela senhorinha, que é uma condutora educada, mas pelos outros e os buracos.

"Eu gosto de dirigir e ultimamente, tenho dirigido pouco. Ando mais por aqui mesmo", explica Manife. Uma das idas e vindas de carro é para levar a filha caçula ao dentista e psicólogo, por quem ela continua tão ativa. Já adulta, a caçula precisa de cuidados e atenção da mãe. 

O prazo final para que dona Manife deixasse as chaves do carro expirou ano passado. Mas ela não só continuou dirigindo, como renovou a carteira de habilitação até 2018. Passou sem qualquer observação pelo exame médico.

No volante, a primeira dificuldade é na garagem do prédio. (Foto: André Bittar)
No volante, a primeira dificuldade é na garagem do prédio. (Foto: André Bittar)

"Mas ano que vem está certo que eu paro. Vou ter que vender o carro, que vai demorar... É porque enquanto ele estiver aí, eu posso pegar", argumenta a avó.

Ela entende que é por preocupação o pedido da família. "De repente eu fico pensando, às vezes já aconteceu no trânsito um situação boba, qualquer coisa que pode bater... E puxa, se eu batesse? Vai que acontece alguma coisa e eu vou dar preocupação para estes meninos?" considera.

A carteira de motorista foi tirada depois dos 50 anos, quando uma das filhas estava para se formar, o marido que morava no Acre, mandou um carro, que a jovem usou o tempo em que morou em Campo Grande.

"Ele mandou um Corcel azul. Lembro até hoje. Final do ano, minha filha passou e foi embora e eu pensei: 'agora o carro vai ficar parado aqui?' Tive que entrar na autoescola", conta Manife. E ela passou de primeira.

"Envelhecer tem que envelhecer mesmo. Esconder não tem jeito. Está aí para ver", diz. (Foto: André Bittar)
"Envelhecer tem que envelhecer mesmo. Esconder não tem jeito. Está aí para ver", diz. (Foto: André Bittar)

Hoje o cenário é bem diferente, com motoristas cada vez mais mal educados. "Muito mal educado, nossa! Passam na sua frente, eu ando devagar, mas não sou assim aquela lesma", brinca.

A primeira dificuldade é ainda dentro de casa, a vaga na garagem requer habilidade da motorista. "Mas eu também só entro de frente, não estaciono de ré não", observa. E na rua, fazer baliza é só se não tiver plateia.

"Estaciono quando vejo que dá. Só se for uma vaga bem grande, eu fico com medo e vergonha, se tiver gente olhando, de fazer barbeiragem. Prefiro sair e procurar outra vaga", justifica. E isso não é nem coisa da idade, é praticidade de quem evita cansar ao volante. 

Com o tempo e as conversas, a família mostrou à senhorinha que a autonomia não está relacionada apenas à direção. Ela continua tendo a melhor mão para enrolar charutos com folha de uva, a ir ao pilates à pé, acompanhar a filha na rotina de cuidados médicos, nas cruzadinhas, no crochê e principalmente tem o respeito de todos.

As mãos ainda fazem o melhor da comida árabe. (Foto: André Bittar)
As mãos ainda fazem o melhor da comida árabe. (Foto: André Bittar)
Manife em miniatura. Um dos enfeites da casa da avó. (Foto: André Bittar)
Manife em miniatura. Um dos enfeites da casa da avó. (Foto: André Bittar)

Sobre envelhecer, dona Manife fala que é uma coisa natural da vida. "Tem que ser, não adianta. E para mim, envelhecer foi muito bom. Eu não tenho do que me queixar, meus filhos me dão muito carinho, atenção. Meus netos também.

Eu sinto que sou amada e não é fingimento. Converso com outras pessoas que falam dos netos e não, comigo é diferente. Eles andam de braço dado, me dão a mão para atravessar a rua. Eu só tenho a agradecer, sou uma pessoa abençoada.

Envelhecer tem que envelhecer mesmo. Esconder não tem jeito. Está aí para ver", diz.

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