ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 22º

Comportamento

Corpinho castigado, mas de uma valentia sem tamanho, Matilde era dama do baile

Lenilde Ramos | 19/04/2015 08:24
Corpinho castigado, mas de uma valentia sem tamanho, Matilde era dama do baile

Quando trabalhava no São Julião, eu não via a hora de terminar o expediente, para conversar com os velhos à sombra das mangueiras e tocar sanfona com os jovens, no bolicho.

Os bailes na antiga colônia de hansenianos fizeram história e personagens memoráveis, como a Bugrinha, apelido da Matilde, corpinho castigado, mas de uma valentia sem tamanho.

A doença tinha deixado só os toquinhos nas mãos e, pelo jeito que mancava, os pés também estavam bem comprometidos.

Mas Bugrinha era a rainha dos bailes e os cavalheiros adoravam dançar com a dama que enfeitava os cabelos com uma flor.

Era noite de São João e ela estava linda, mesmo com o nariz tortinho e as cicatrizes que bordavam seu rosto. Eu fazia parte dos músicos baileiros e dali do palco via Bugrinha dançar e pensava: "Como é que ela aguenta?".

Quando o baile acabou, os internos foram saindo na noite fria e estrelada e Bugrinha foi para o seu quarto, no pavilhão 32, das mulheres.

Ainda fiquei no salão para ajeitar umas coisinhas, quando ouvi uma voz aflita que gritava: "Corre aqui, corre aqui que a Bugrinha está passando mal".

Fui no instinto, porque não sou enfermeira nem nada e falei: "Vou ficar até alguém chegar" e entrei.

Bugrinha, sentada em uma cadeira, gemia e apontava os pés, ainda com botas ortopédicas e fazia sinal para alguém tirá-las.

Me ajoelhei na penumbra e, só com a luz que entrava pela janela, comecei a desamarrar os cadarços. Quando afrouxou, vi o sangue na meia e, à medida que puxava o calçado, fui desnudando os pés destroçados e ensanguentados da grande dama.

Foi quando dei por mim ali de joelhos, diante daquela cena, entre o medo e o frio na espinha e comecei a entender o valor de uma vida.

A enfermeira chegou, levantei meio zonza e botei marcha no rumo da minha casa e no rumo da minha vida

Nos siga no Google Notícias