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Comportamento

De Moacir ficaram sorrisos e a coragem de lutar na guerra com o coração

Moacir foi um dos combatentes que nunca foi convocado, mas fez questão de se candidatar pelo amor que tinha ao Brasil

Thailla Torres | 05/01/2019 07:47
Moacir sobreviveu à guerra e nunca tirou o sorriso do rosto com a esperança de constituir uma família ao lado de dona Hermínia. (Foto: Arquivo Pessoal)
Moacir sobreviveu à guerra e nunca tirou o sorriso do rosto com a esperança de constituir uma família ao lado de dona Hermínia. (Foto: Arquivo Pessoal)

A senhora de 84 anos surge devagarinho na varanda de casa, na Vila Sobrinho, com um sorriso doce, contido. De cara fico emocionada ao fazer uma pergunta e receber o choro como resposta, lágrimas de quem há poucos dias perdeu o primeiro e único amor de sua vida. Dona Hermínia Vargas Aleixo é esposa de Moacir Aleixo, combatente da 2ª Guerra Mundial que partiu no último dia 30 de dezembro de 2018, deixando sorriso, poesia e coragem espalhados pela casa.

De Moacir ficaram os livros na estante, juntos de tantas fotografias e homenagens, as reportagens publicadas, seu nome dado a um filho e um neto, além do amor de uma família orgulhosa. Há exatos seis dias, Campo Grande, o Estado e o Brasil se despediram do pracinha da FEB (Força Expedicionária Brasileira), que nunca fez faculdade, mas era um "mestre" em História e Literatura. Aos 97 anos, depois de uma parada cardiorrespiratória, Moacir se despediu da vida.

Sua história não começa na guerra e mesmo que este seja o momento mais marcante de sua trajetória, o que brilha nos olhos de dona Hermínia é o amor. “Eu amo ele inteiro, ele era completo. Foi meu primeiro namorado, noivo, marido e único amor”, conta a esposa.

Esposa se emociona ao lembrar do primeiro e único amor. (Foto: Kísie Ainoã)
Esposa se emociona ao lembrar do primeiro e único amor. (Foto: Kísie Ainoã)

O olho brilha quando conta uma das primeiras boas surpresas que teve com Moacir. “Ele veio de São Paulo e foi em um baile que eu o conheci, na Associação dos Criadores, um baile tradicional na cidade. Gostava de dançar como eu”.

Os dois se apaixonaram, viveram dois anos de namoro e um de noivado, quase inteiros a distância. Hermínia cansou de ouvir das amigas e da chefe, na época, que o paulista não voltaria a Campo Grande para um casamento, mas ela nunca se decepcionou. “O pai dele tinha uma fábrica de calçados em Lins (SP) onde ele trabalhava também. Não gostava muito de mandar cartões, então eu sempre o esperava na Estação Ferroviária para matar a saudade e, apesar de todo mundo falar, ele sempre chegava”.

Em uma das chegadas previstas, Hermínia sentiu o coração bater forte ao ver que Moacir não estava na Estação. “Naquele dia achei que ele tinha desistido de mim, mas cheguei em casa e vi que ele já estava me esperando, naquele ano nos casamos”.

O casal disse “sim” no dia 6 de julho de 1955, na Igreja Perpétuo Socorro, em Campo Grande. Os primeiros dias de casados tão especiais foram parar em gigantescos quadros na sala principal da casa. “Uma foto é da minha cerimônia e a outra é da nossa lua de mel, em São Paulo, a primeira viagem que eu fiz na vida ao lado dele”.

Casamento de Hermínia e Moacir em 6 de julho de 1955. (Foto: Arquivo Pessoal)
Casamento de Hermínia e Moacir em 6 de julho de 1955. (Foto: Arquivo Pessoal)
Lua de mel e primeira viagem de Hermínia a São Paulo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Lua de mel e primeira viagem de Hermínia a São Paulo. (Foto: Arquivo Pessoal)
Na sala, ainda estão os retratos e os livros que ele fez questão de guardar. (Foto: Kísie Ainoã)
Na sala, ainda estão os retratos e os livros que ele fez questão de guardar. (Foto: Kísie Ainoã)
Calendário da loja de sapatos que o casal teve na Dom Aquino, logo no início do casamento. (Foto: Kísie Ainoã)
Calendário da loja de sapatos que o casal teve na Dom Aquino, logo no início do casamento. (Foto: Kísie Ainoã)

Do casamento até os completos 63 anos de união, Moacir e Hermínia souberam aproveitar a vida. “Viajamos muito, Itália, França, boa parte do Brasil, ele amava muito viajar”.

Outra característica marcante do marido era o amor pelos livros. Dono de muitos exemplares, tudo que não faltava na rotina do combatente era história e poesia. “Ele gostava muito de Jorge Amado, era um dos seus autores preferidos. Mas também lia muito jornal, foi um dos primeiros assinantes do jornal impresso mais antigo da cidade e graças ao seu interesse, ele conversava sobre qualquer assunto”, conta o filho e médico Marcos Vargas Aleixo, de 57 anos.

Embora tivesse apenas o quarto ano do primário, Moacir começou a ler aos 7 anos de idade tornando-se uma referência para amigos e funcionários do pai. “Ele lia para todos os amigos e funcionários da empresa. Com isso, sabendo toda história da guerra, ele quis, aos 23 anos, defender o Brasil nas batalhas contra os alemães”.

“Chamado de burro” – Ao contrário de muitos combatentes que foram convocados para lutar na guerra, Moacir nunca esteve na lista “obrigatória”. Decidiu, voluntariamente, defender a pátria ao saber pelos jornais da época sobre os ataques de submarinos alemães, no Oceano Atlântico.

Primeiro foto mostra Moacir ao lado de um amigo, no hospital, depois de sua recuperação. (Foto: Kísie Ainoã)
Primeiro foto mostra Moacir ao lado de um amigo, no hospital, depois de sua recuperação. (Foto: Kísie Ainoã)
Da esquerda para direita, Moacir é o segundo rapaz. (Foto: Kísie Ainoã)
Da esquerda para direita, Moacir é o segundo rapaz. (Foto: Kísie Ainoã)

Para a família, contava lembranças do dia que foi ofendido por decidir ir à luta. “O responsável, na época, por convocar os soldados, ao ver o interesse do nosso pai, o chamou de burro. Ele contava isso abertamente depois de alguns anos. E sem dar ouvidos ao que falavam dele, resolveu lutar”.

Moacir participou de treinamentos e embarcou em outubro de 1943 para a Europa, em um navio que estava atracado na Baia de Guanabara. Integrante do 11º Regimento de Infantaria, oriundo de São João Del Rei, em Minas Gerais, Moacir participou das batalhas de Monte Castello, Montese e Castelnuovo. Na volta de uma delas, foi ferido em uma mina terrestre. Com risco de amputar a perna, o então soldado foi levado da Itália para os Estados Unidos. Após oito meses de tratamento, deixou o hospital de Nova Orleans sem amputação ou sequela. “Ele contava que médicos americanos queriam amputar sua perna, mas teve sorte de encontrar um médico brasileiro que deu continuidade ao tratamento. Saiu com a penas recuperada e uma perda de audição por causa do barulho”.

Durante anos Moacir contou em escolas e no Exército a sua experiência. Todo desfile de 7 de setembro, lá estava o combatente marcando presença. “O Exército o buscava em casa, comandantes traziam soldados para conhecerem a história do papai. Ele contava de coração e mamãe sempre lutou pelo seu reconhecimento”.

Marcos, Eduardo, Gloria, dona Ermínia, Ana e Moacir Filho. (Foto: Kísie Ainoã)
Marcos, Eduardo, Gloria, dona Ermínia, Ana e Moacir Filho. (Foto: Kísie Ainoã)

Moacir só diminuiu o ritmo em 2017, depois que a saúde foi dando sinais de fraqueza. Nos últimos meses de vida falava pouco e se alimentava por sonda, mas sempre reconhecendo todos os filhos e boa parte dos netos.

Hoje, os 63 anos de casamento e 97 anos de história de Moacir, ficam guardados na memória e nos álbuns de recordações. E o que ficou de quem partiu? Os filhos respondem em coro. “Um amigo, trabalhador, honesto e carinhoso, porque ele nunca bateu em ninguém, nunca encostou um dedo nos filhos”.

Dentre as principais condecorações, recebeu a medalha de campanha da FEB, Medalha Sangue do Brasil, Medalha da Vitória e Medalha do Mérito da FEB.

Moacir deixou 5 filhos, sendo Eduardo, Marcos, Ana, Moacir e Gloria, além de 12 netos e 2 bisnetos.

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Na parede, as principais condecorações e homenagens. (Foto: Kísie Ainoã)
Na parede, as principais condecorações e homenagens. (Foto: Kísie Ainoã)
Filhos ao lado da mãe para contar a história de Moacir. (Foto: Kísie Ainoã)
Filhos ao lado da mãe para contar a história de Moacir. (Foto: Kísie Ainoã)
Netos olham o álbum de fotografias. (Foto: Kísie Ainoã)
Netos olham o álbum de fotografias. (Foto: Kísie Ainoã)
Por toda casa, Moacir gostava de deixar retratos. (Foto: Kísie Ainoã)
Por toda casa, Moacir gostava de deixar retratos. (Foto: Kísie Ainoã)
Família fez questão de se reunir para entrevista e lembrar histórias do pai e avô querido. (Foto: Kísie Ainoã)
Família fez questão de se reunir para entrevista e lembrar histórias do pai e avô querido. (Foto: Kísie Ainoã)
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