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Comportamento

Ele tinha todos os motivos para desistir, mas já caminha para o terceiro diploma

Elverson Cardozo | 19/03/2013 07:35
Graduado em teologia, Toni Massiaba agora cursa pedagogia e enfermagem. (Foto: Elverson Cardozo)
Graduado em teologia, Toni Massiaba agora cursa pedagogia e enfermagem. (Foto: Elverson Cardozo)

Ele tinha tudo para desistir, mas sempre foi um sonhador. Persistiu, enxergou o futuro, abraçou as oportunidades e agora começa a colher o resultado de todo o esforço. Nesta terça-feira (19), o Lado B conta a história de um moçambicano que deixou tudo para trás - família, amigos e o país onde nasceu - para estudar em Campo Grande. Na cidade há 5 anos, o rapaz tem motivos de sobra para se orgulhar. Graduou-se em teologia e agora é acadêmico de pedagogia e enfermagem.

Quinto filho de um casal de camponeses, Toni Salvador Massiaba Jorge, de 29 anos, viveu na costa oriental da África Austral até os 24 anos. Teve uma infância sofrida, longe dos luxos e das diversões necessárias a qualquer criança.

Aos 4 anos, o menino já trabalhava na roça. Por anos, parte da madrugada, para ele, virou dia. Toni e os irmãos ajudavam os pais na plantação e colheita de alimentos como amendoim e feijão. Muitas vezes o trabalho durava até o fim do dia.

A ajuda garantia a alimentação da família. A agricultura, na casa dele – e em todo o país - sempre foi de subsistência. A renda, quando surgia, não passava de 2 dólares por dia. “Dificilmente vendia. O que não dá para vender”, explicou.

Foi assim até os 10 anos, quando o menino resolveu estudar. A situação ficou ainda mais crítica. Para conseguir comprar materiais básicos da escola, os pais, que sempre o apoiaram, se viam obrigados a vender parte dos alimentos que colhiam em um dia inteiro de trabalho.

Sem autorização para trabalhar no Brasil, moçambicano se dedicou aos estudos. (Foto: Elverson Cardozo)
Sem autorização para trabalhar no Brasil, moçambicano se dedicou aos estudos. (Foto: Elverson Cardozo)

O reflexo era visto à mesa. Não foi uma única vez que a casa inteira foi para a cama sem a janta. Quanto havia refeição, o jeito era se contentar com pão ou mandioca com chá no café da manhã. O almoço geralmente era polenta, peixe ou folhas.

A dificuldade, no entanto, foi o “combustível” que “alimentou” os sonhos do menino. “Nasceu a vontade de estudar. Eu queria um dia ser diferente. Tive que batalhar para ter acesso à educação”.

E a batalha foi árdua. A sala de aula, do primeiro ao 5º ano, era debaixo de uma árvore. Nos anos seguintes, até o término do ensino fundamental, a turma foi para uma “escola” feito de pau a pique, mas não havia cadeiras. A lousa era um quadrado feito de cimento. O primeiro, segundo e terceiro ano foram diferentes. As salas já contavam, pelo menos, com carteiras.

O início de uma nova vida – Com o ensino médio completo, Toni passou a dar aulas de biologia para crianças em um orfanato. Em 2008, o encontro com uma médica brasileira, campo-grandense, que estava em viagem missionária naquele país, trouxe novas esperanças ao jovem que sempre quis “ser alguém na vida”, mas não via novas saídas.

Toni pretende quer voltar à Moçambique para ajudar o país. (Foto: Elverson Cardozo)
Toni pretende quer voltar à Moçambique para ajudar o país. (Foto: Elverson Cardozo)

Em pouco tempo, o moçambicano estava em Campo Grande. Foi acolhido pela família da missionária e ganhou uma bolsa de estudos para cursar teologia. Formou, mas não parou de estudar.

Em 2010, o rapaz era calouro do curso de enfermagem em uma universidade particular. Entrou pagando, conseguiu desconto de 50% e, depois, se tornou bolsista integral. Um ano depois, se tornou acadêmico do curso de pedagogia da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul).

Como o visto de estudante não permite que ele trabalhe, Toni resolveu focar nos estudos. Aos finais de semana e em qualquer tempo livre ele se debruça em cima dos livros.

Dar conta de dois cursos não é tarefa fácil, mas o jovem aprendeu que, na vida, as oportunidades devem ser agarradas. “Aqui as pessoas não aproveitam. É a configuração da população. Talvez pensem que todo tempo vão ter e que se não aproveitarem hoje vão aproveitar amanhã ou depois”, avaliou.

Patriota - No quarto ano de enfermagem e no terceiro de pedagogia, o universitário explica que escolheu duas áreas distintas pela importância que elas tem no país onde nasceu.

O acesso à educação, pontuou, continua a ser uma das principais dificuldades que os moçambicanos enfrentam. A saúde, por outro lado, nunca esteve “bem das pernas”.

“Aqui as pessoas não aproveitam. É a configuração da população. Talvez pensem que todo tempo vão ter e que se não aproveitarem hoje vão aproveitar amanhã ou depois”. (Foto: Elverson Cardozo)
“Aqui as pessoas não aproveitam. É a configuração da população. Talvez pensem que todo tempo vão ter e que se não aproveitarem hoje vão aproveitar amanhã ou depois”. (Foto: Elverson Cardozo)

“Quero atuar na área de pediatria. Moçambique é um dos países que sofre com a mortalidade infantil. O índice de desnutrição é muito alto. Também tem as doenças oportunistas como diarréia, malária e anemia, entre tantas outras”, disse.

Toni está em Campo Grande, gosta da cidade que o acolheu, mas não quer ficar aqui. “Eu nunca tive o desejo de morar fora. Se voltar formado vou poder ajudar minha família e aqueles que estiverem perto de mim. Estarei ajudando o país inteiro”, revela.

O moçambicano que um dia sonhou com um futuro melhor e que deixou o país onde nasceu para estudar no Brasil, é mais um entre muitos estrangeiros que colecionam histórias parecidas – únicas, no entanto -, mas é, sem dúvida, um exemplo de vida para quem vive reclamando e culpando os outros pelo próprio fracasso. Toni é, acima de tudo, um guerreiro.

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