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Comportamento

Filho mantém raridades na relojoaria que era do pai, um resistente no Mercadão

O lugar zela por relíquias, algumas, deixadas há anos no conserto

Thailla Torres | 14/07/2017 06:05
Álvaro é único do único relojoeiro do Mercadão Municipal, na banca que abriga o ofício há mais de 25 anos. (Foto: Alcides Neto)
Álvaro é único do único relojoeiro do Mercadão Municipal, na banca que abriga o ofício há mais de 25 anos. (Foto: Alcides Neto)

Em minutos, nas mãos de Álvaro surge um ajuste. A pilha é trocada ou o antigo cuco volta a trabalhar, aquele velho relógio de pêndulo. Essa é a rotina do único relojoeiro do Mercadão Municipal, na banca que abriga o ofício há mais de 25 anos.

O talento foi herdado do pai Evaldo Rezende Gomes, de 73 anos, que trabalhou mais de 4 décadas consertando relógios em Campo Grande e ensinou ao filho a importância da profissão. E olha que por imaturidade, Álvaro quase desistiu.

"Sabe como é, naquele tempo, era adolescente e tinha vergonha de aprender a arrumar relógios. Mesmo assim, meu pai fazia questão que eu viesse com ele aprender. Com o tempo, eu fui pegando a manha, mas mesmo assim fui trabalhar em outros negócios".

O que não falta é sucata de relógio na mesa. (Foto: Alcides Neto)
O que não falta é sucata de relógio na mesa. (Foto: Alcides Neto)

Apesar da profissão quase extinta, Alváro César Rodrigues, de 45 anos, é daqueles que se mantém no ofício para prestar assistência, principalmente, aos mais velhos. O pai foi daqueles que produzia peças que tinha dificuldade de encontrar no mercado, ficou conhecido pela agilidade no serviço e, principalmente, pelo cuidado com peças que tem um valor sentimental imenso.

''Ainda lembro que relógio era status na cidade. Marcas antigas no braço de senhores falavam muito da condição social e todo mundo precisava de um relojoeiro", diz.

O pai dele aprendeu a consertar por correspondência, ainda na juventude. Anos mais tarde, abriu a banca no Mercadão e ali trabalhou até cansar. "Foram 45 anos sem férias ou folga. Ele não deixava de abrir essa banca por nada, todo mundo conhece o seu Rezende", recorda o filho.

Exausto, seu Evaldo decidiu vender o lugar e nessa hora, chamou atenção do filho. "Eu estava em outro emprego, confesso que cansado, e quando ele me disse que iria vender, fiquei pensando se outra pessoa tomaria conta dessa relojoaria para o resto da vida". 

O medo de ver a história do pai se perder, motivou Álvaro a comprar o estabelecimento. "Eu não podia deixar ele colocar isso daqui nas mãos de qualquer pessoa", justifica.

Relógio antigo, de 1960, com detalhes de ouro. (Foto: Alcides Neto)
Relógio antigo, de 1960, com detalhes de ouro. (Foto: Alcides Neto)

Mas Álvaro ainda lamenta se a história terminar ali. "Eu tive vergonha, mas voltei atrás. Mas e agora? Meu filho, por exemplo, tem 17 anos e nem chega perto daqui. Sou de uma geração que a gente investe duro na educação do filhos e eles acabam voando pra longe. Não acredito que alguém queira continuar como relojoeiro", diz.

Apesar de não faltar clientes, muitos, fiéis ao nome do pai, todo o trabalho já não é mais o mesmo. "É cada vez mais raro encontrar peças antigas no mercado. As pessoas foram fazendo cursos, novas tecnologias foram surgindo e as coisas envelhecendo. É preciso entender de muitos outros detalhes para os relógios novos e digitais", explica.

Álvaro ainda não reclama do movimento e mexe com cuidado em peças históricas por ali, algumas esquecidas há anos no conserto. "Esse relógio mesmo, de madeira, a gente calcula que tem quase 100 anos. Era de um senhor que trouxe aqui e nunca mais voltou. Eu consertei, ainda estou esperando ele voltar", diz.

Outra relíquia é um relógio da marca suíça CYMA de 1960, com a caixa toda banhada a ouro. "Essa peça está aqui faz tempo, mas à venda, custa R$ 1 mil. Um relógio desse custava muito mais", afirma.

O preço de uma restauração varia entre os modelos. "Os consertos são muito minuciosos. E algumas peças são tão antigas que fica difícil arrumar. Os relógios de cuco, por exemplo, meu pai é quem ainda faz questão de ver em casa", explica.

E a preocupação não é por acaso, já que a maioria das peças são única e tem um significado afetivo. "São relíquias, presentes e peças que contam história das famílias. A gente tem que ter muito cuidado, por isso eu guardo o tempo todo os relógios que há mais de 2 anos ninguém veio buscar".

A Banca do Rezende fica no Mercadão Municipal, Box 13.

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Do lado direito, o relógio de madeira tem mais de 100 anos e foi esquecido na relojoaria. (Foto: Alcides Neto)
Do lado direito, o relógio de madeira tem mais de 100 anos e foi esquecido na relojoaria. (Foto: Alcides Neto)
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