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Comportamento

Gays e indígenas, MC's desafiam todo ódio recebido fazendo rap

MC Ita Vera'i e Dyeque Kaiowá falam sobre realidade de violência e silenciamento contra indígenas LGBT+

Por Clayton Neves | 16/09/2025 06:57
Gays e indígenas, MC's desafiam todo ódio recebido fazendo rap
MC Ita Vera'i, e Dyeque Kaiowá moram em aldeias de Dourados. (Foto: Paulo Francis)

Douglas Fernandes Lopes, conhecido no palco como MC Ita Vera'i, e Dyeque Fernandes, o Dyeque Kaiowá, cantam a experiência e a violência sofrida por pessoas LGBT+ em aldeias  indígenas do Mato Grosso do Sul. Eles são gays, levantam a bandeira com o orgulho, mas já foram até bloqueados por produtores quando descobrem de sua orientacao sexual

RESUMO

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Cantores indígenas LGBT+ usam rap para denunciar violência e preconceito em Mato Grosso do Sul. MC Ita Vera'i e Dyeque Kaiowá, moradores de aldeias em Dourados, sofrem ameaças e atentados devido à sexualidade e encontraram na música uma forma de resistência. Eles relatam casos de violência, inclusive tentativas de homicídio, e apontam a influência de igrejas como um fator de agravamento da homofobia nas aldeias. A dupla denuncia o silenciamento da cultura tradicional indígena e queima de casas de reza. Douglas, o MC Ita Vera'i, afirma que o preconceito é um produto da colonização e que a homofobia não faz parte da cultura originária. Apesar das dificuldades e da discriminação, inclusive no meio artístico, eles seguem produzindo música e inspirando outros jovens indígenas a se assumirem. A música se tornou uma ferramenta de denúncia, salvando vidas e fortalecendo a luta pelos direitos LGBT+ dentro das comunidades indígenas.

Em uma rotina que inclui ameaças, atentados e tentativa de silenciamento, a arte virou ferramenta para denunciar, acolher e convocar.

A história de Douglas começa dentro de uma casa de reza na aldeia, em um ritual sagrado  onde ele recebeu um novo nome indígena. “Eu participei do ritual, aí veio o meu nome, um novo nome para mim. Foi desse nome que fiz minha identificação artística, Ita Vera'i”, conta. O ritual e o nome apareceram como ponte entre identidade pessoal e pertencimento coletivo.

Mas, para ele, esse pertencimento, por vezes, está sendo corroído. “É raro agora porque as igrejas entraram bastante dentro da aldeia e isso acaba estragando, matando as nossas práticas e os nossos costumes”, diz Douglas. Ele atribui ao avanço de igrejas  de outros segmentos religiosos a intensificação de discursos de ódio contra pessoas LGBT+ e contra rezadores, chamados pejorativamente por alguns como “feiticeiros”.

Gays e indígenas, MC's desafiam todo ódio recebido fazendo rap
Jovens já se apresentaram em Brasília para milhares de pessoasl. (Foto: Arquivo Pessoal)

As lembranças que Douglas traz são cruéis e antigas, e ele relata tudo como testemunha de quem cresceu vendo mortes que foram disfarçadas como “acidentes”.

“Minha mãe sempre contava sobre casos de travestis sendo violentadas e mortas de maneira cruel. E essa violência também chegou até a mim. Esse ano, tentaram me queimar duas vezes. Minha casa foi invadida e fui ameaçado por causa da minha sexualidade”, revela.

 Douglas fala também do medo de que crimes fiquem sem punição. "A gente convive com o meso porque muita gente é contra, acham que isso não faz parte da cultura”, define.

Foi na música, o lugar onde o jovem encontrou suporte para lidar com a LGBTfobia, denunciar crimes e expor a realidade de LGBTs dentro das aldeias. Segundo ele, as músicas que compõe não procuram apenas animar plateias. “Eu usei o Rap como um atalho para protestar através da arte, para mostrar minha história e a história dos LGBT ls indígenas”, relata.

Gays e indígenas, MC's desafiam todo ódio recebido fazendo rap
Por meio da arte, jovens indígenas resistem à homofobia. (Foto: Arquivo Pessoal)

Canções como 'Nossa Luta' e 'Não Desista' misturam versos em português e trechos em Guarani. Com letras impactantes e melodias fortes, ele falam como é ser LGBT indígena em Mato Grosso do Sul.

Para Dyeque, o caminho de descoberta da arte veio pela escola e por meio da  música. Ele lembra dos primeiros palcos improvisados em sarais escolares e recreios, e da necessidade de coragem para se assumir em um ambiente hostil. “Eu me assumi e a família sofreu junto, foi uma tortura psicológica muito grande. Pensei até em tirar minha vida”, conta.

De acordo com o jovem, a música foi o que o salvou: “A arte realmente me tirou desse lugar”, afirma.

Aos poucos, os dois foram unindo força, arte e política. Douglas coordenou o coletivo Juventude Diversidade Guarani-kaiowá, criado a partir da morte violenta de um adolescente LGBT. O coletivo busca não só proteção, mas também fortalecer práticas culturais tradicionais e provar que ser LGBT não “mata” a cultura indígena.

Gays e indígenas, MC's desafiam todo ódio recebido fazendo rap
Dyeque teve o primeiro contato com a arte ainda na escola. (Foto: Paulo Francis)

O impacto foi grande e os dois já se apresentaram em Dourados, onde moram, Campo Grande e até em Brasília, no Acampamento Terra Livre, diante de milhares de pessoas.

Douglas lembra que a recepção foi de curiosidade e surpresa. "Muitos acharam que a gente faria apenas música para dançar, mas a gente foi para denunciar primeiro. Depois, vem a diversão e comemoração”, explica.

Uma das acusações mais duras feitas pelos entrevistados é a de ataques a práticas religiosas tradicionais: “Casas de reza, onde indígenas cultuam seus ancestrais, têm sido queimadas”, afirma Douglas. Ele associa esse tipo de violência simbólica e física à penetração de grupos religiosos que, segundo ele, “colonizaram as mentes” e passaram a ver rituais indígenas como mal ou feitiçaria.

Gays e indígenas, MC's desafiam todo ódio recebido fazendo rap
Pof duas vezes, Douglas já foi alvo de atentados por conta da sexualidade. (Foto: Paulo Francis)

Essa disputa religiosa, na visão do artista, alimenta a perseguição a LGBT+ e às lideranças que defendem a continuidade dos saberes tradicionais.

Tanto Douglas quanto Dyeque reafirmam que ser LGBT+ assumido entre os povos Guarani-Caiowá e Terena não é uma “importação” recente, mas uma realidade ancestral que foi abafada pela colonização.

“Os LGBTs sempre existiram, preconceito veio com a colonização”, diz Douglas. Para ele, a comunidade convive hoje nas aldeias, e com elas, se fortalece a necessidade de proteção e voz pública.

A dupla relata que o preconceito não parou nas aldeias e eles enfrentam dificuldades em acessar espaços culturais, com episódios de discriminação até mesmo de produtores. “Quando descobrem que somos LGBTs, eles bloqueiam, dão desculpa para não nos chamar”, diz.

Gays e indígenas, MC's desafiam todo ódio recebido fazendo rap
Para a dupla, música foi renascimento e novo propósito. (Foto: Arquivo Pessoal)

Apesar do medo permanente os jovens afirmam  que a música tem tido efeito coletivo transformador. Dyeque revela que, ao se expor, passou a ser referência. “Outros jovens passaram a se assumir e temos sido respeitados”, pontua.  Para ele, a cena musical não é apenas carreira, mas um serviço comunitário que salva vidas, denuncia crimes, fortalece culturas e cria redes de proteção.

Douglas sintetiza. “A gente está lutando. Somos jovens indígenas Guarani-kaiowá e nossa identidade não é escolha, é parte de quem a gente é. A gente quer respeito e espaço para cantar, rezar e viver", finaliza Douglas.

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