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Comportamento

Gika teve 3 dias para se despedir do pôr do sol daqui e embarcar para um sonho

Desde 2012 ela encara novas experiências viajando pelos Estados Unidos

Thailla Torres | 22/10/2018 07:39
Gika e a irmã Paula no Grand Canyon National Park. (Foto: Arquivo Pessoal)
Gika e a irmã Paula no Grand Canyon National Park. (Foto: Arquivo Pessoal)

A campo-grandense Giovana Vasconcelos, de 32 anos, não largou tudo, mas há alguns anos percebeu que poderia explorar o mundo de outras formas. Sem receios de mudança, sozinha ela escolheu se aventurar pelos Estados Unidos depois de conhecer o País duas vezes como turista e outras duas como funcionária na Disney. A decisão não foi fácil, mas sem medo que a impedisse de ser feliz do outro lado da América.

Desde 2012 morando em Orlando, na Flórida, ela encara a dor da distância e um sabor incessante da saudade de casa, especialmente, de suas cinco idas por semana ao Parque das Nações Indígenas para ver o pôr do sol. Foi dele que ela precisou se despedir em menos de 72 horas quando soube da oportunidade de um curso nos EUA e que mudaria sua vida para sempre. Os detalhes de como tudo aconteceu e o que ela tem encontrado pela frente a cada ano morando em estado norte-americano, Gika conta no Voz da Experiência.

Experiência na Disney que impulsionou Giovana a deixar Campo Grande. (Foto: Arquivo Pessoal)
Experiência na Disney que impulsionou Giovana a deixar Campo Grande. (Foto: Arquivo Pessoal)

“A primeira vez que eu vim para os Estados Unidos foi em 2006 para fazer intercâmbio na Disney. Me apaixonei à primeira vista. Cidade limpa, organizada, um trânsito que fluía, produtos acessíveis, parecia que tudo funcionava e foi o que me fez voltar para casa completamente apaixonada.

Tive a oportunidade de outro intercâmbio em 2009 e fiquei mais seis meses no País. Não deu outra, me apaixonei de novo e voltei ao Brasil com aquela depressão de quem não queria ter ido embora. A vida então se resumia em visitar os amigos que eu tinha deixado aqui.

A experiência de intercâmbio na Disney também me inspirou a morar no país. Foi umas das melhores experiências da minha vida, aliás você trabalha em um “monstro”, porque eles são os melhores no que eles fazem e o treinamento que a gente tem em atendimento ao cliente é considerado o melhor do mundo. Sabe o que é ver uma pessoa com mais de 80 anos trabalhando e sorrindo, todos os dias, sem nenhuma vontade de ir embora? Pois é, na Disney você encontra. Eles trabalham com lema de fazer o outro sorrir, porque sabe que todo mundo está ali para ser feliz.

Depois dessa última experiência na Disney voltei ao Brasil, mas os amigos não paravam de me chamar para mais uma temporada fora. Foi quando em 2012 surgiu a oportunidade de fazer um curso e decidi me mudar de vez para Orlando.

O pôr do sol que lá também encanta. (Foto: Arquivo Pessoal)
O pôr do sol que lá também encanta. (Foto: Arquivo Pessoal)

Uma amiga me ligou na terça-feira falando da oportunidade e eu tive apenas três dias para ver o último pôr do sol no Parque das Nações Indígenas, me despedir de amigos, familiares e tudo que eu mais amava em Campo Grande, porque sabia que dessa vez não seria uma temporada curta.

Felizmente eu nunca tive problemas com o idioma, fiz inglês desde pequena, então a comunicação no País nunca foi um problema. Aqui existem algumas facilidades em relação ao Brasil quando você se muda. Um apartamento, por exemplo, é fácil de alugar e ele vem equipado com eletrodomésticos como geladeira e fogão. Ter o primeiro carro também não é difícil, consegui comprar o meu naquele ano por US$ 4 mil (que hoje custaria R$ 14.840). Diante dessa facilidade já me mudei sete vezes em seis anos.

Mas porque escolhi Orlando? Porque morar fora é uma experiência única e em Orlando há muitos brasileiros, a comunidade cresceu assustadoramente últimos cinco anos. E economicamente vejo uma diferença grande entre os Estados Unidos e o Brasil.

No Brasil o serviço é barato e o produto é caro. Aqui o serviço é muito caro e o produto é mais barato. Por isso as pessoas não entendem quando eu falo que uma garçonete dirige uma BMW em Orlando e ganha muito mais que outras pessoas no Brasil. Porque aqui se valoriza o tempo da pessoa, com isso você consegue comprar um celular simples com US$ 10,00 no Wall Mart, por exemplo.

Belezas naturais onde Giovana mata a saudade de casa. (Foto: Arquivo Pessoal)
Belezas naturais onde Giovana mata a saudade de casa. (Foto: Arquivo Pessoal)

Já vi muita gente com dinheiro que resolve largar o Brasil e chega acreditando que vai pagar uma diarista com apenas R$ 100,00 por aqui. Não, aqui realmente o serviço é muito caro e isso gera uma diferença de valores.

Outra diferença no país é a vida útil dos produtos. Aqui não tem aquela mesa de jantar que dura a vida inteira como a gente vê em algumas casas de famílias no Brasil. Aqui as pessoas doam e se livram de tudo. É muito comum passar na frente das casas e ver sofás e outros móveis disponíveis para doações. Todo mundo se desfaz das coisas facilmente.

Por incrível que pareça a Flórida me lembra muito Mato Grosso do Sul. É uma área de pântano dos Estados Unidos. Há muitas nascentes, animais como, jacaré, esquilo e lagarto que você vê andando pela rua. O pôr do sol daqui também me encanta e há muitos balneários, isso faz eu me sentir abençoada por estar em um espaço cheio de semelhanças com a minha casa.

A saudade nunca acaba, mas eu tive sorte de ter a minha mãe e duas irmãs que ao longo desse tempo decidiram viver aqui. Privilégio que facilita seguir a vida, sabendo que parte da sua família está ao lado.

Desafios – Mas como em todo lugar, morar nos Estados Unidos também é desafiador. Então, quem decide viver aqui precisa lidar com diversos contrastes, especialmente, na cultura.

Um Hallowen daqueles. (Foto: Arquivo Pessoal)
Um Hallowen daqueles. (Foto: Arquivo Pessoal)

Hoje, namoro um americano e o levo para churrascos e festas com os amigos, onde ele destaca que somos muito divertidos. De fato, o brasileiro causa. Mas na minha opinião a cultura americana é baseada no medo. A educação infantil, por exemplo, é bem diferente do Brasil. Há um período da escola em que as crianças são ensinadas a não encostar no amiguinho. No Brasil isso seria um absurdo porque a gente cresce aprendendo que o carinho faz parte do nosso desenvolvimento.

Por isso a relação com o norte-americano também é diferente. Eles são muito práticos, enquanto eu demoro horas no telefone para me despedir da minha mãe, eles dizem apenas tchau e desligam. Isso conflita muito com a educação do brasileiro, o que faz a gente enxergar o americano como uma pessoa fria.

Eu tenho a sorte de ter encontrado uma pessoa maravilhosa e que tem a consciência de que somos de culturas diferentes. Mas reconheço casais em que essa barreira cultural pesa.

Outro detalhe que muita gente não imagina é que por aqui não existe saúde pública como o nosso SUS (Sistema Único de Saúde) do Brasil. Ou você tem um seguro de saúde muito bom ou você tem dinheiro. Caso falte os dois, saiba que a razão número um de endividamento no país é a saúde.

Em 2016, por exemplo, sofri um acidente em uma na rodovia. Um pneu veio "voando" e bateu no meu carro. Cheguei de ambulância até o hospital em sete minutos, fiz uma tomografia, um raio x e fiquei cerca cinco horas no hospital. A conta deu US$ 12 mil (hoje cerca de R$ 44 mil). A minha sorte é que eu tinha seguro do carro e ele cobriu todas as despesas, inclusive, seguro de automóvel é obrigatório aqui.

Paisagens belíssimas. (Foto: Arquivo Pessoal)
Paisagens belíssimas. (Foto: Arquivo Pessoal)
O tereré que Giovana leva até para Coco Beach. (Foto: Arquivo Pessoal)
O tereré que Giovana leva até para Coco Beach. (Foto: Arquivo Pessoal)

Sobre a segurança, aqui a polícia funciona, mas o crime acontece em todo lugar. Doce ilusão de quem acha que só no Brasil há violência. Mas ao longo desses anos, percebi que no Brasil as pessoas cometem um crime porque elas querem uma coisa que é sua, o carro, o celular, a casa, por exemplo. Aqui também tem isso, mas é menos e o que mais vejo são casos de pessoas que tem uma saúde mental muito abalada. Em razão disso, o crime de ódio faz parte de um cenário que piorou muito na era Trump, especialmente, contra imigrantes.

Mas tudo aqui tem um lado bom e a gente enxerga aspectos muito positivos. Em períodos de furacão, por exemplo, todo mundo se ajuda. O comércio diminui o preço da água, o estado retira a cobrança de pedágios para que todos peguem a estrada e se abriguem em outro local. Enquanto isso a gente aprende a lidar com o medo, porque é muito diferente de qualquer chuva de verão que você tenha visto no Brasil.

No último furacão passei a noite no meu closet, porque essa é a recomendação, que a gente fique em locais que não tenham janelas. Tem gente que dorme dentro do banheiro para se proteger.

Apesar de todos os desafios, eu amo viver nos Estados Unidos e posso me considerar uma pessoa feliz, principalmente, após o acidente que me fez enxergar a vida com outros olhos e perceber que essa caminhada é breve. Então passei a aproveitar muito mais a minha vida.

Já pensei em voltar ao Brasil, mas nunca levei a sério. No começo eu estava sozinha aqui, mas depois veio a minha mãe e duas irmãs. Certamente tudo ficou mais fácil e a gente não se sente só. Também fiz muitos amigos aqui e conheci pessoas maravilhosas.

Algumas coisas fazem falta como comer sobá e visitar o Parque das Nações Indígenas, mas tenho o meu tereré com a garrafa comprada no Mercadão Municipal que levo até para a praia. Uma vez também encontrei chipa em um supermercado brasileiro e foi uma alegria. Churrasco também não falta, aqui é fogo de chão e tem muita carne em supermercados brasileiros.

Hoje, a praticidade do americano é uma coisa que eu gosto. Minha mãe brinca que já estou muito “americanizada”. A verdade é que ainda estou no caminho para me sentir completamente realizada, mas me sinto feliz, apesar da saudade de casa”.

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