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Comportamento

Mãe transformou dois pés tortos em uma luta e hoje é inspiração Brasil afora

Aline Araújo | 16/04/2015 06:23
Marcelo usando a botinha durante o tratamento.  (Foto: Arquivo Pessoal)
Marcelo usando a botinha durante o tratamento. (Foto: Arquivo Pessoal)

“Até o último instante, eu queria que fosse engano. Eu não queria que fosse verdade o que o ultrassom tinha confirmado. É hipocrisia dizer que eu pensava diferente. Mas quando nasceu foi lindo, ele era tão gordinho, tão saudável, e com os dois pezinhos bem tortos”, conta Danielle Leite Netto Lopes, de 36 anos, sobre o filho Marcelo.

Ele nasceu com PTC - Pé Torto Congênito, patologia mais comum do que a gente imagina. Um em cada mil bebês nasce assim. Marcelo é um deles, dono de dois pezinhos tortos, o direito com o problema congênito e o esquerdo postural. 

Mas Danielle é daquelas pessoas que não fica choramingando, apenas vai à luta. Assim, conseguiu transformar dois pés tortos em exemplo de determinação. Hoje, é referência para muitos médicos e mães Brasil afora. A vontade de acabar com a limitação física só aumentou com os dias e passou a ser ainda maior quando o garoto decidiu ser jogador de futebol.

Danny e Marcelo.  (Foto: Arquivo Pessoal)
Danny e Marcelo. (Foto: Arquivo Pessoal)

A experiência ruim serviu para que outras mulheres não sofressem tanto com o diagnóstico. “Não gostei da maneira que a pessoa que fez o ultrassom me deu a notícia. Ele falou que o tratamento era quebrar o pé da criança e engessar. E falou sem jeito nenhum, sem pensar que eu estava grávida e que ele estava falando do meu filho. Agora, sempre que tenho oportunidade de falar com um médico sobre isso, falo para tomar cuidado na hora de dar a notícia”.

Assim que saiu do ultrassom, ela começou a estudar o assunto, pesquisar e procurar formas de entender o que era o PTC. Dani, como é chamada pelos amigos, não tinha computador em casa ainda, em 2007. Então, ia até a mãe pesquisar tratamentos na internet.

Foi quando resolveu entrar em um grupo sobre o assunto no Yahoo. Não se adaptou à conversa e, depois de atitude reprovável de alguns membros em relação a uma nova integrante, convidou essa mãe para abrir o próprio grupo o Pé Torto Congênito,  hoje com mais de 1.3 mil membros.

Passou a conhecer pessoas com o mesmo problema, a trocar informações e construiu amizades que duram até hoje.

Ela descobriu no quinto mês de gestação que o filho teria o problema congênito. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ela descobriu no quinto mês de gestação que o filho teria o problema congênito. (Foto: Arquivo Pessoal)

Depois de tratamento de 4 anos, Marcelinho é um caso de Pé Torto com super final feliz, e Dani, a fonte de inspiração e de informações.

Tratamento - O pior, lembra a mãe, foi enfrentar a primeira fase, quando o pé foi engessado para voltar para à inclinação normal. “O mais difícil era enfrentar os olhares das pessoas que julgavam sem saber, como se a gente tivesse machucado a criança. Perguntavam se a gente tinha derrubado ele e tinha hora que isso gerava um estresse”, conta.

Depois, Marcelo passou por um cirurgia para corrigir a postura do pé, que era inclinado para frente, por conta de uma complicação, foi outro momento difícil, mas no final tudo deu certo.

Vencida a segunda fase, a família partiu para o período mais longo do tratamento, com uso da bota ortopédica, ligada por uma estrutura de ferro. Nos primeiros três meses, ele precisava usar 23h por dia, só tirava para tomar banho. Aos 4 anos de idade, eram 14 horas.

A rotina da casa mudou por conta disso. A família adotou costumes para deixar os momentos do tratamento menos entediantes e para que Marcelo convivesse bem com a diferença em relação aos outros.

Jogar bola é a atividade preferida dele.  (Foto: Arquivo Pessoal)
Jogar bola é a atividade preferida dele. (Foto: Arquivo Pessoal)

Assim, todos os dias, às 22h, o menino colocava a botinha na sala, cercado por brinquedos. Era hora de brincar no chão, de assistir um filme, até o sono chegar. “Minha filha Alanis ajudou muito nesse tempo, ela inventava brincadeiras com ele para que esse processo não ficasse sofrido”.

Com o tempo, o tratamento ficou cada vez mais natural, tanto que ele cresceu achando que todas as crianças usavam a botinha. Uma vez, Marcelo foi à casa de um amigo que, como ele, tinha uma chupeta e um paninho como companheiros. Mas ele percebeu que estava faltando algo:

- Mãe, cadê a botinha dele?
- O que filho?
- A botinha, ele não usa?
- Não filho, ele não.
- Ah! achei que toda criança usava!

O diálogo entre mãe e filho acabou com um sorriso.

O sonho e a paixão pelo futebol estão na rotina.  (Foto: Arquivo Pessoal)
O sonho e a paixão pelo futebol estão na rotina. (Foto: Arquivo Pessoal)

Hoje, no lugar da botinha, o garoto usa chuteiras e joga bola como qualquer outro menino.

A cada vitória na vida de Marcelo, de Dani e das outras mães e crianças que participavam do grupo, todo mundo vibra. Da relação, surgiram amizades.

As mães se conheciam há 5 anos pela internet, mas nunca tinham se visto, então o encontro foi marcante, com férias na praia. “As amizades que eu conquistei nessa caminhada são muito intensas, elas torcem por mim e demonstram carinho a cada conquista”, conta. 

A irmã ajudou muito no tratamento.  (Foto: Arquivo Pessoal)
A irmã ajudou muito no tratamento. (Foto: Arquivo Pessoal)

O grupo também, sempre que pode, faz algo para ajudar as mães com dificuldade. Uma mulher do Acre, por exemplo, entrou em contato, desesperada, com o filho cada vez pior e sem condições financeiras.

“O grupo fez uma vaquinha para pagar a viagem dela para uma consulta no Rio de Janeiro, uma emprestou a casa, outras compraram a comida, o médico se sensibilizou com a história e deu a cirurgia que era necessária no caso. Ela fez todo o tratamento com o apoio do grupo, sem ninguém se conhecer, só na confiança de que daria certo", lembra Danielle.

Marcelo cresceu e hoje, com nove anos, nem lembra do período que usou a botinha. Adora jogar futebol e tem isso como sonho, quer seguir a carreira de jogador.

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