Maior orgulho foi ter Paraguayo como pai, que nunca deixou de sorrir
Além do balcão: filhos relembram Paraguayo como pai presente e figura querida no bairro Nova Campo Grande

Algumas pessoas não precisam de grandes feitos para permanecer. Ficam porque passaram pela vida criando pequenos vínculos, oferecendo conversa, riso e presença. O Paraguayo era assim. Três meses depois de partir, o que resta dele no bairro Nova Campo Grande além da saudade são histórias que continuam circulando como as mesas do bar que ele transformou em ponto de encontro.
RESUMO
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Nery Eduardo Fernandes Lopez, conhecido como Paraguayo, faleceu aos 48 anos em setembro de 2023, deixando um legado de alegria no bairro Nova Campo Grande. Dono do "Bar do Paraguaio", era reconhecido por seu sorriso contagiante e disposição para ajudar a todos. Natural de Ponta Porã e criado em Bela Vista, Paraguayo teve uma vida versátil: foi jogador de vôlei, Zé Gotinha em posto de saúde e proprietário de bar. Faleceu após complicações cardíacas, enquanto aguardava transferência para realizar um cateterismo na Santa Casa de Campo Grande.
Antes de ser dono do "Bar do Paraguaio", na Avenida 9, ele era muitas outras coisas. Foi jogador de vôlei, daqueles que viram referência mesmo sem saber. “Quando penso no meu pai lá atrás, lembro que ele era o melhor do vôlei do bairro. Jogava muito bem, e isso me fez acreditar que eu também seria boa”, conta a filha Beatriz Godoy, de 32 anos.
Trabalhou desde cedo, em empregos que iam surgindo conforme a necessidade. Não tinha o ensino médio completo, mas nunca deixou faltar esforço. Uma dessas fases ficou marcada na memória da família: quando virou Zé Gotinha no posto de saúde. “Eu era criança e amei essa época. Meu pai era o Zé Gotinha. Eu ganhava bóton, urso, todos os brindes porque ele trabalhava no posto”, lembra Beatriz. Para ela, era mais do que fantasia: era presença.

A origem também vinha no nome. “Nós somos da fronteira. A família do meu pai é paraguaia mesmo, daí vem o apelido”, explica. Nascido em Ponta Porã, criado em Bela Vista, ele chegou a Campo Grande trazendo esse jeito expansivo de quem se torna conhecido sem esforço. “Meu pai era aquele queridão conhecido por toda a cidade. A pessoa que você podia chamar pra qualquer ajuda, que ele tava disponível.”
Antes de ter o próprio bar, trabalhou em um boteco que recebia shows de duplas sertanejas ainda desconhecidas. Munhoz e Mariano, Maria Cecília e Rodolfo passaram por ali. Anos depois, a memória virou cena cotidiana. “Lembro do meu pai cumprimentando o Mariano da dupla em algum dia aleatório na rua”, conta Beatriz, como quem narra algo absolutamente natural.
O bar na Nova Campo Grande veio quando ele foi ajudar uma tia e acabou ficando. O lugar mudou de nome, mas manteve o espírito. “O bar passou a se chamar Bar do Paraguaio, com letra i mesmo, e era um point bem conhecido e movimentado”, diz Beatriz. “Daqueles bares que quem frequenta acaba virando amigo, se encontrando religiosamente pra sinuca, jukebox e cerveja gelada.”
Ali, ele também mostrava outro orgulho: as pingas curtidas. “Ele fazia aquelas pingas raiz, com frutas, casca de árvore, e sempre mostrava com orgulho o sabor das que ele fazia artesanalmente”, lembra a filha.
Quem conversava com ele pela primeira vez já saía achando que conhecia há anos. “Todo mundo que conhecia meu pai já achava ele gente boa de primeira”, diz Beatriz. “Ele tinha a capacidade de cativar qualquer pessoa com humildade, disposição e alegria.” Piadista, dançarino improvisado, não tinha vergonha de nada. “Da polca paraguaia ao funk, ele tava abrindo a pista.”
O sorriso era marca registrada. “O sorriso do meu pai era o cartão de visita dele. Não consigo pensar nele sem essa imagem”, conta Beatriz. Depois da morte, esse sorriso reapareceu nos relatos. “Muita gente veio falar comigo no velório. Me alimentaram de histórias boas, de lembranças, de momentos em que ele ajudou alguém.”
Uma dessas histórias veio do filho Luiz, de 11 anos, e resume bem quem ele era. “Teve um Natal que um cliente, o Mãozinha, não tinha um braço. Ele caiu e quebrou o braço bom. Era um senhorzinho sozinho, chegou barbudo no bar. Meu pai pegou uma gilete e fez a barba dele, porque ele não conseguia.”
O cuidado não ficava restrito ao balcão. “Ele sempre era chamado pela família pra ajudar em qualquer coisa”, conta Beatriz. “Me ajudou a pintar meu quarto, depois organizou tudo comigo quando fui morar sozinha, montou o quarto da netinha.” Chegava limpando, arrumando, ficando.
Mesmo separado da mãe dos filhos, manteve convivência respeitosa. “Ele ajudava minha mãe quando ela era Uber e sempre teve uma ótima relação com ela”, diz Beatriz. “Todos os namorados que ela teve depois viraram amigos dele. Era um bom exemplo de convivência.”
No velório, essa habilidade virou até piada entre os amigos. O Paraguayo conseguiu reunir as três mulheres com quem se relacionou, a atual, a mãe do filho mais novo e a mãe da filha mais velha, sem nenhuma briga. “Estavam todas ali, sentindo a falta dele e falando coisas boas”, conta Beatriz. Rindo, inclusive.
Para Luiz, a lembrança mais imediata é sonora. “Ele me chamando com um grito: ‘cabeção’.” Também é física. “O abraço, esfregar a cabeça na barba dele, deitar na barriga dele, chamar ele de careca.” E afetiva: “O amor que ele tinha com a família, com a vó Carmen, o vô Hery, a mana e eu.”
Beatriz reconhece no próprio jeito a herança direta. “Minha facilidade em me comunicar e socializar vem dele. Aprendi a atender, conversar, respeitar todo mundo.” O sorriso também atravessou gerações. “O meu sorriso é igual ao dele, e a minha filha também ganhou esse sorrisão com covinha e furo no queixo. É o nosso charme.”
Se tivesse que resumir quem foi o Paraguayo para quem não o conheceu, os filhos não hesitam. “O melhor pai do universo”, diz Luiz. “Parceiro pra tudo”, completa Beatriz.
E se algo dele ainda precisa permanecer vivo no bairro, a resposta é simples. “A visão dele de ser um cara muito alegre”, diz o filho. “A alegria, a disposição e o molejo”, reforça a filha.
Paraguayo era Nery Eduardo Fernandes Lopez, que nasceu em 24 de abril de 1975 e morreu na madrugada de 17 de setembro de 2025. Na tarde do dia anterior passou mal com fortes dores no peito enquanto estava no trabalho. Foi levado às pressas para a UPA Santa Mônica, onde deu entrada no dia 16.
O quadro era grave: paciente hipertenso, com histórico cardíaco, apresentava obstrução em uma veia da perna e precisava de cateterismo com urgência. A equipe iniciou os atendimentos e ele ficou aguardando transferência para a Santa Casa de Campo Grande, mas a vaga não veio a tempo. O Paraguayo morreu durante a madrugada, sem conseguir acesso ao procedimento que poderia tê-lo feito sobreviver.
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