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Comportamento

Mesmo com a vida de cabeça pra baixo, Cléo é conhecida pelo sorriso e bom humor

Quem é a pessoa mais feliz que você conhece? Pra gente, é a Cléo, que enfrenta vários problemas sem perder o otimismo

Eduardo Fregatto | 01/08/2017 06:05
Ela está sempre rindo, mesmo quando relata momentos difíceis. (Foto: Marcos Ermínio)
Ela está sempre rindo, mesmo quando relata momentos difíceis. (Foto: Marcos Ermínio)

Nada é capaz de abalar o ânimo da diarista Claonice Alves Dauzaker, de 52 anos, mais conhecida simplesmente como Cléo. Ela é descrita por muitos como "a pessoa mais feliz que existe". Até ela mesma não conhece outra pessoa tão alto astral quanto si mesma. "Acho que igual eu não tem outra não", diz, com a gargalhada que sempre aparece no rosto.

Cléo trabalhou por muitos anos no Campo Grande News e até hoje é lembrada como aquela mulher alegre, disposta sempre a ajudar, e que de vez em quando ainda aparece aqui de surpresa, com uma bandeja de bolo ou sopa paraguaia. 

Quem vê tanta positividade nem imagina que a vida de Cléo está longe de ser tão divertida. A gente marcou um encontro com ela no Patronato Penitenciário de Campo Grande, antes de seguirmos para sua casa, nas Moreninhas. Ela tinha acabado de entrar com pedido da segunda carteirinha de visitante do presídio, para ver o filho, que acaba de ser preso. O marido também está na cadeia, há cerca de um ano.

"Eu não aguento mais vir aqui, toda hora preciso vir fazer uma carteirinha diferente", ela logo diz, emendando uma risada gostosa. "Não adianta nada reclamar, não muda nada, então pra quê? Ninguém tem nada a ver com os meus problemas, pra eu sair dando coice nos outros", explica.

Cléo mostra os vários retratos com os amigos e parentes. (Foto: Marcos Ermínio)
Cléo mostra os vários retratos com os amigos e parentes. (Foto: Marcos Ermínio)

Cléo é de Ponta Porã. Cresceu na roça, com 7 irmãos. Nunca conheceu o pai. Depois que a mãe morreu, devido a um câncer, começou a trabalhar em casas de famílias, em troca de comida e abrigo. Tinha apenas 10 anos de idade. Não completou nem a 4ª série na escola. "Meu primeiro trabalho foi cuidando de uma senhora cadeirante", recorda. Ela acredita que veio daí sua vontade de ajudar o outro, sem pedir nada em troca.

Recentemente, o pessoal do presídio ligou e pediu que ela levasse um senhor, detento, para fazer exames. "Sabiam que eu já tinha conversado com ele, me chamaram, eu fui. Acompanhei o velho, cuidei dele", conta. "Se não vai me prejudicar, eu com certeza ajudo. Me faz bem, me sinto útil", justifica.

Ela mora com o neto, Alisson, de 18 anos, seu maior orgulho e companheiro de todas as horas. "Está estudando, trabalhando, vai na igreja", diz, sem esconder a admiração que sente. A casa é humilde, mas grande e muito bem cuidada. Na sala, muitos porta-retratos, de familiares e amigos que passaram pela vida Cléo. Católica, ela fala bastante sobre Deus e o papel dele nessa felicidade toda. "Pra enfrentar as dificuldades precisa de muita força de vontade e fé em Deus", dá a receita.

A diarista tem mais quatro filhos, sendo dois enteados. "São meus filhos, eu criei". O filho foi preso devido a envolvimento com drogas. "Eu não sei onde eu errei. Nem se fui eu que errei. Eu sempre ensinei a honestidade, a não mexer no que é dos outros. É como meu neto falou, ele tinha a chande de mudar, mas não quis", reflete.

Mas ela cansou de se sentir culpada. "Uma vez avisei numa proposta de emprego que meu filho estava preso, a moça respondeu: 'mas foi a senhora que cometeu o crime? A senhora está presa? Não, então a senhora não tem nada a ver com isso'. Dali em diante, eu fiquei tranquila. Eu não fiz nada de errado", diz.

O marido foi preso por uma acusação de 18 anos atrás, de quando trabalhava numa transportadora e parte da carga sumiu. Os outros envolvidos contrataram advogados e se livraram das acusações, mas Cléo e o marido nem sabiam do processo. "A gente morou aqui por quase 30 anos, e constava que ele era foragido", conta, com certa indignação, mas ainda mantendo a tranquilidade que sempre tem.

Cléo o seu orgulho, o neto Alisson. (Foto: Marcos Ermínio)
Cléo o seu orgulho, o neto Alisson. (Foto: Marcos Ermínio)

Um enteado, envolvido com drogas, sumiu pela cidade, recentemente. Ele ligou, mas ela nem sabe onde ele está. Pergunto se a cabeça não fica preocupada, se não bate a tristeza quando pensa no assunto. Ela responde: "Quando começo a ficar triste, vou no vizinho, ligo pra alguém, vou me distrair. Não deixo a tristeza tomar conta. Não gosto, não vai adiantar".

Batalhadora, ela mantém a casa sozinha, com o trabalho das diárias e a produção de sabonetes e produtos de limpeza caseiros. Vendem pouco, mas ela persiste. Manda dinheiro todo mês para os netos em Ponta Porã. Em vários dias, ao invés de ir trabalhar, precisa ir ao presídio, levar comida, roupas e itens de higiene para o marido e agora para o filho.

A vida é difícil, mas a alegria, o sorriso no rosto e o bom humor nunca saem da rotina. "Eu não posso reclamar. Deus não tem deixado faltar nada", ela afirma. Pergunto se ela realmente acredita nisso, mesmo com tantos problemas, financeiros e familiares, acontecendo à sua volta.

A resposta é enfática: "Graças a Deus não me faltou o pão, eu pago minha água, minha luz, em dia. Tenho comida dentro de casa. Tô com saúde. Se não tenho dinheiro hoje, amanhã eu faço uma faxina e passo comprar meu arroz, alegre e feliz da vida", resume.

E, apesar de todas as dificuldades, o único medo de Cléo é a chuva. Quando chove, ela corre pros vizinhos. "Eles me aguentam sempre que o tempo vira", relata, fazendo todos darem risada com o jeito único e engraçado que, realmente, só ela tem.

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