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Comportamento

No cotidiano, poucos ofícios parecem tão intensos como ressuscitar gente

Paula Maciulevicius | 01/04/2014 06:42
Daniela Bertão. Seis anos como bombeiro, 30 minutos de massagem cardíaca e a esperança de sentir a respiração e o pulso voltarem. (Fotos: Cleber Gellio)
Daniela Bertão. Seis anos como bombeiro, 30 minutos de massagem cardíaca e a esperança de sentir a respiração e o pulso voltarem. (Fotos: Cleber Gellio)

Sábado, 22 de março, avenida Fábio Zahran com a Salgado Filho. A ocorrência entrou para os bombeiros às 20h04 minutos. Era um ciclista de 32 anos que teve uma parada cardíaca. A soldado Daniela Bertão voltava de um atendimento de acidente "carro versus moto", quando o chamado foi passado pelo rádio.

É o começo de uma história repetida na rotina, mas que significa uma vida. Nos tantos casos que passam pela observação de um jornalista, esse momento de ressuscitação de uma pessoa é, com certeza, um dos mais intensos. Os socorristas ficam ali, por eternidades, em procedimentos definitivos. Há casos em que eles não desistem, por mais de 40 minutos, quase 1 hora.

“Nós estávamos meio perto, em 5 minutos chegamos no local, já tinha bastante gente tentando fazer massagem. A gente chegou perto, o pulso estava muito fraco e tomamos os procedimentos de reanimação”, lembra Daniela. Seis anos como bombeiro, 30 minutos de massagem cardíaca e a esperança de sentir a respiração e o pulso voltarem.

“Chegou a USA do Samu (Unidade de Saúde Avançada), ministrou medicamento e mesmo assim continuamos com a manobra, chamada RCP (Reanimação Cardiorrespiratória). Nós ficamos, ao todo, 30 minutos só na manobra. Foi feita a checagem com o desfibrilador e marcou que os batimentos estavam voltando”. Aí estava a maior emoção do trabalho. A de sentir que a vítima ao solo voltava à vida.

Do ciclista, Daniela só sabia a idade. Os procedimentos a seguir, até o transporte do paciente para a Santa Casa foram realizados pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Mas o sentimento ficou na avenida, no coração e nos olhos da bombeira. “Umas 100 pessoas estavam ali na hora e começaram a bater palma. Meus olhos encheram d’água. Nós estamos ali fazendo a nossa obrigação, nosso dever é de salvar. Mas essa é uma obrigação boa. Tem esse sentimento”, relata.

“O que é bom é você ver quando tem sucesso numa parada dessa. É um sentimento de dever cumprido”, define o sargento Nunes Nóia.
“O que é bom é você ver quando tem sucesso numa parada dessa. É um sentimento de dever cumprido”, define o sargento Nunes Nóia.

Bertão seguiu o serviço até a troca de turno, na manhã de domingo. Foi embora com mais uma história de reanimação na bagagem. “Para nós é um grande prêmio ver que a vítima volta. O pulso voltou e a respiração espontânea também”. As palavras até hoje saem com a voz de quem guarda consigo a emoção do momento. “Mexe muito com o emocional da gente”, completa.

As reanimações trazem felicidade. Como ressuscitar alguém, trazer de volta à vida que ele estaria deixando se passassem um segundo a mais. As vítimas têm histórias. Têm família, marido, esposa, filhos, pais, cachorro que o aguardam voltar daquele dia. Retornar daquele passeio de bicicleta.

As manobras mexem com o psicológico porque estão nas mãos e nos pulsos dos socorristas o destino de quem está estirado ao chão. Mesmo com todos os recursos a chance de sobreviver é pequena e infelizmente muitos não voltam.

O cabo Thiago Kalunga tem uma dessa experiências. Um senhor bateu o carro na Barão do Rio Branco e teve uma parada cardíaca. Não se sabe se o coração parou em decorrência do acidente ou se o acidente foi causado pela parada. “Chegamos, chequei o pulso e ele estava parado. Coloquei para fora do carro para fazer a massagem e foram 30, 40 minutos. Chegaram parentes, a mãe dele eu acho, ficou fazendo oração. Mas infelizmente, ele não voltou”.

Até hoje Kalunga lembra dos olhares trocados entre os bombeiros e os socorristas do Samu, que anunciavam que nada mais podia ser feito. Aquela parada eles perderam. Não houve reanimação que voltasse pulso e respiração.

O desfecho final muitas vezes ele não ficam nem sabendo. Os que voltam são levados aos hospitais e pouco se sabe do que acontece depois.

Nos 16 anos de resgate nos bombeiros, o sargento Manoel Nunes Nóia, de 47 anos, se recorda de uma parada cardiorrespiratória em uma farmácia na Bandeirantes. A notícia que chegou até o quartel era de que o paciente entrou em convulsão.

“Ele fez parada, colocamos ele no chão, trouxemos o desfibrilador que indicou choque. O rapaz voltou. Continuamos a massagem e ele sofreu outra parada. Foram três choques e ele restabeleceu os batimentos. Foi entregue com vida. Fiquei sabendo depois que ele queria ir agradecer”, narra.

O tempo nessas horas corre diferente. Os ponteiros se arrastam no que parece eternidade para que massageia, para quem dá o choque, para quem se agarra à esperança de sentir, mesmo fraco, qualquer resquício de um pulso que quer voltar.

“Cada minuto perdido é 10% de uma vida que vai embora. O tempo, nessas horas, exige uma resposta muito rápida”.

O turno é um dia de serviço por três de folga. No momento em que deixam outra vítima no Pronto Socorro é que eles, se tiverem sorte de encontrar os mesmos profissionais, é que ficam sabendo dos desfechos. “O pessoal lá mesmo que passa pra gente”, explica Nóia.

Em cada saída do quartel, eles levam mais uma vitória. “O que é bom é você ver quando tem sucesso numa parada dessa. É um sentimento de dever cumprido”, finaliza.

O ciclista que o resgate que Daniela Bertão faz parte reanimou morreu por volta das 2h40 de domingo. Como eles mesmos disseram, mesmo com recurso, força de vontade e fé, infelizmente muitos não voltam.

O ciclista que o resgate que Daniela Bertão faz parte reanimou morreu por volta das 2h40 de domingo. Como eles mesmos disseram, mesmo com recurso, força de vontade e fé, infelizmente muitos não voltam.
O ciclista que o resgate que Daniela Bertão faz parte reanimou morreu por volta das 2h40 de domingo. Como eles mesmos disseram, mesmo com recurso, força de vontade e fé, infelizmente muitos não voltam.
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