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Comportamento

Nova série mostra viagens que tinham tudo para acabar com qualquer amizade

Ângela Kempfer | 14/07/2015 06:56
Marta, Paulinha, eu e Chico, depois de fazer as pazes em Caacupê.
Marta, Paulinha, eu e Chico, depois de fazer as pazes em Caacupê.

Uma amiga costuma dizer que você só conhece realmente as pessoas em duas situações: morando sob o mesmo teto ou durante uma viagem. E sair da rotina, carregando bagagem, não serve só para conhecer lugares diferentes. Na maioria das vezes é “8 ou 80”, deixa lembranças super bacanas ou recordações catastróficas. Por isso, a partir de hoje abrimos espaço para quem aprendeu algo durante uma viagem e quer compartilhar. Na estréia, a experiência é da equipe do Lado B, que em 24 horas foi do céu ao inferno. Encontrou um papa, pensou em cometer uma chacina em hostel paraguaio e quase pagou 300 dólares por um banho quente.

Já conhecia Assunção, mas a curiosidade sobre o Papa Francisco me levou novamente ao Paraguai no sábado passado. Com outros 3 amigos jornalistas, peguei a estrada com tudo muito bem esquematizado: ida de carro até Ponta Porã, mais um trecho de ônibus e depois o retorno no domingo à tarde, com as passagens de ida e de volta já compradas. Mas o que veio na sequência foi uma série de testes de resistência e tolerância (palavra que no meu vocabulário só ganhou significado positivo agora). Se você não gosta de ler, desista aqui. A história é longa...

Já em Assunção, depois de deixar a bagagem no hostel, pegamos um táxi para ir até a cidade de Caacupê, local da primeira missa, a cerca de 40 minutos dali.

O jovem motorista, tranquilo até ao pisar no acelerador, tem vocação para guia turístico e em velocidade bem reduzida fez o percurso em 2 horas, detalhando cada região, deu aula até sobre o lago de Ypacarai. Uma calma que, definitivamente, não cabia nos meus planos de agilidade.

Foi só chegar a Caacupê, fincar pé em uma boa posição para a foto, e o Papa Móvel passou. Era registrar a imagem e “vazar para a missa”, a duas quadras dali. Surge então a segunda lição do dia: incentive um colega, mesmo que depois você se arrependa muito por isso.

Paulinha nos ombros da Marta para uma foto perfeita.
Paulinha nos ombros da Marta para uma foto perfeita.

Cabia a repórter Paula Maciulevicius escrever a matéria para o Lado B sobre a visita de Francisco ao Paraguai. Mas entre o Papa e a multidão havia um muro de quase 4 metros a ser vencido. Com um “anda logo”, bem simpático, incentivei Paulinha a pular o obstáculo. E lá se foi a pequena de 1,56 metro para a missa, com ajuda de fiéis que já estavam lá em cima e a puxaram.

Empolgada, também resolvi jogar o jornalista Francisco Júnior para o outro lado. Uma péssima ideia... Amigão, nem os 102 quilos dele fizeram Chico recusar o meu empurrãozinho. O gorducho aceitou um “pezinho” e ainda usou a minha cabeça para terminar a escalada. Aquela tortura nunca terminava, porque no alto do muro não havia qualquer pessoa disposta a guinchar o Chico. Só depois de muitos pedidos de socorro um cidadão resolveu me livrar do fardo.

Quebrada, fiquei por um bom tempo imaginando quantos órgãos meus foram perfurados por ossos moídos depois daquela pisada na minha cabeça que devia ter estraçalhado minha coluna.

Ao lado, companheira de outros carnavais, a também jornalista Marta Ferreira assistiu a cena dando apoio moral. Antes, lá na hora da foto do Papa Móvel, ela já havia aguentado Paulinha nos ombros para o registro fotográfico. Então, era a minha vez de fazer loucuras físicas.

Apesar de pisoteada, fiquei feliz por saber que os dois caçulas da equipe estavam lá pertinho do altar e garantiriam boas fotos e depoimentos para a reportagem. Feliz na primeira hora, porque 3 horas depois, em pé, com mochilas enormes (que pertenciam aos dois engraçadinhos) no meio de uma multidão, torrada pelo sol e com fome, só conseguia repetir: “Que parte eles não entenderam do ‘volta logo, vamos sair antes do fim da missa para evitar o tumulto!!!’”.

Como Jesus no deserto, enfrentei uma provação: preservar as amizades apesar de satanás ficar me atormentando no ouvido direito: “vai embora e deixa os dois aí, sem um puto no bolso”.

Até pensei em escalar o muro e pegar os dois pelos cabelos, mas desisti ao prever a imagem de meus bracinhos erguidos, tentando uma ajuda lá do alto do muro, sem ninguém disposto a puxar a gordinha.

Como não dava para chegar até os dois, aproveitei o pedido de 1 minuto de silêncio, feito pelo próprio Papa - para que a multidão conversasse com Deus -, e soltei um grito desesperado. Nem passarinho piava quando berrei: “Paulinhaaaaaaaaaaaaaaaaa!”. Ao romper o silêncio solicitado pela santidade em pessoa, uma senhora paraguaia ao lado não só esbravejou como fez tantos sinais da cruz em minha direção que me senti excomungada ali mesmo.

Mesmo assim, os dois não voltaram, a missa terminou depois de 3 horas e ainda tive de procurar a dupla dinâmica com o lugar mais vazio. Avistei os dois saltitando em frente ao altar de tanta felicidade, mas eles murcharam quando rebati com um palavrão.

Era pra acabar a amizade ali. Poxa, quanto egoísmo. Até comungar a Paulinha comungou. Chico tirou mais selfies que it girl, enquanto eu e a Marta criávamos inimigos do outro lado do muro, brigando por uma sombrinha sob sol do meio-dia.

Com a turma completa, voltar a Assunção foi outra saga. Era tanta gente nas ruas, que ficava difícil até definir qual direção tomar. Andamos 8 quadras, pegamos um ônibus “quebradeira” e no meio do caminho o pneu furou. Descemos do veículo, tomamos outra condução e, quando vimos, lá estava a catedral de novo. Após uma hora no coletivo, ainda estávamos no mesmo lugar...

Um, dentre tantos selfies do Chico...
Um, dentre tantos selfies do Chico...

Não tinha jeito, ou eu ria, ou nada de bom ficaria daquele momento com algumas das 3 pessoas que mais amo neste mundo. Então, optei pela gargalhada e a partir dali, tudo virou piada.

Cansados, chegamos ao hostel El Viajero, que já havia providenciado uma festinha, com tragos e cachorro-quente. Só não tinha quarto, nem banheiro, nem descanso... Apesar da antecedência de 2 meses nas reservas, o dono da espelunca entregou nossas camas para outros turistas e ainda queria colocar a gente para dormir em um depósito, no subsolo, ao fim de uma escadaria inundada graças a vazamento d’água e com um fedor de desinfetante Pinho Sol insuportável. Mas preferimos gargalhar quando veio à cabeça a imagem da gurizada abusando da maconha lá em cima, até começar incêndio que mataria nos 4 em um lugar sem nenhuma janela.

O desespero por um banho era tanto que no hotel mais próximo chegamos a cogitar a possibilidade de pagar 300 dólares por uma noite bem dormida. Lá iriam quase mil reais por um banho quente!! Nem minha insanidade, há mais de 24 horas sem banho, me faria sacar o cartão de crédito.

O jeito foi voltar para a rodoviária e pegar o rumo de casa...abortar a missão...

No quinto táxi do dia, depois de praticamente 12 horas caminhando, entendi que amizade é desabar, mas depois aceitar as desculpas e começar a se divertir, mesmo suja, sem comer, morrendo de dor nos pés, sem carga no celular ou qualquer outra tecnologia que impeça horas inesquecíveis com os amigos. Por fim, estou satisfeita por ter superado o mau humor e ter me divertido muito mais que o planejado.

Para colaborar com a série "Bagagem Extra", envie sua história para ladob@news.com.br

Olha o Papa aí gente!.
Olha o Papa aí gente!.
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