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Comportamento

Pai de menina com deficiência, médico responde ministro em carta emocionante

Wilson Ayach é médico obstetra, professor da UFMS, trabalha no HU e é pai de Maria Clara

Paula Maciulevicius Brasil | 21/08/2021 11:28
Campo Grande News - Conteúdo de Verdade

Depois de dizer nesta semana que alunos com deficiência "atrapalham" e que há crianças com "um grau de deficiência que é impossível a convivência", o ministro da Educação, Milton Ribeiro se tornou alvo de uma carta emocionante, de um médico e pai que descreve o que aprendeu com Maria Clara, a filha com deficiência que hoje tem 16 anos.

A carta foi publicada pelo médico obstetra Wilson Ayach, um dos mais conhecidos "parteiros" da Capital e tem repercutido nos grupos de WhatsApp e nas redes sociais. Professor da UFMS, médico no Hospital Universitário, Ayach inicia a carta aberta endereçando os dizeres  ao "Sr. Ministro da Educação Brasileiro".

No texto, escrito nessa sexta-feira (20), Ayach abre dizendo que tomou a liberdade de se apresentar ao ministro. "Sou graduado em Medicina, com residências médicas em clínica médica e em ginecologia e obstetrícia. Também tenho mestrado em ginecologia e obstetrícia e doutorado em Medicina". E que toda a sua formação, da pré-escola ao doutorado, ocorreu na escola pública.

O médico diz que para os "padrões educacionais do Brasil", sempre foi considerado um bom aluno e que realmente encontrava facilidade para aprender, o que de certa maneira o tornou arrogante e presunçoso. "Faço essa introdução não para me vangloriar mas para dar o devido valor para a narrativa que se segue", escreve.

Mas a vida, como no dito popular, nos coloca de joelhos, nos curva diante de sua grandeza e traz nossa pequenez à luz do dia. Em 30 de abril de 2005, nascia nossa terceira filha. Apressada, veio prematura e, essa prematuridade deixou marcas. MC é, hoje, uma mocinha de 16 anos, linda em todos os aspectos. Sua idade cronológica contrasta, entretanto com suas necessidades e dependências. MC é dependente dos nossos cuidados e de toda equipe que a atende e ama. Desculpa falar em amor para o Sr. porque talvez esse sentimento lhe seja muito abstrato e esteja muito distante de sua realidade.

No decorrer da escrita, o médico e pai conta que Maria Clara nasceu em hospital público, e foi salva pelo SUS e por quem trabalha por ele. Apesar de não faltarem recursos financeiros para custear qualquer escola privada da cidade, Maria Clara frequenta a escola pública por méritos e qualidades da escola pública.

Desde que nasceu, a filha é ensinada em tudo. Absolutamente tudo. O pai explica que teve também de aprender a respeitar o tempo, principalmente o da filha.

Rapidamente concluídos que nós poderíamos ter o relógio, o calendário, mas é MC a dona do tempo, do seu tempo. Aí está um dos muitos ensinamentos que MC nos deu e nos dá. Opa, introduzi mais um conceito novo para o sr. MC é, a despeito de todas suas características especiais, capaz de ensinar e não somente aprender. E nós, também, não somente ensinar, mas aprender. E aprender exige humildade. Ensinar e aprender é uma troca.

No contexto de educação e aprendizado, Ayach aponta o que se torna uma pergunta natural. "O que aprendemos com MC e o que fomos ensinados por ela?" Ao descrever a lição que Maria Clara ensina à família diariamente, o pai diz que é difícil colocar em palavras, mas cita o amor incondicional, o respeito às diferenças e limites dela e também dos familiares, além do exercício da tolerância, perseverança e persistência para conquistar cada pequena grande vitória.

"Há que ressaltar que MC nos ensinou a humanidade, a compaixão e o amor. A convivência com MC nos tornou pessoas melhores. Tornei-me um médico melhor, um professor melhor. Se não melhor, com certeza, menos ruim", diz.

Se para o pai, os adultos aprendem com a convivência, imagina o que crianças e uma escola têm a ganhar. "A convivência com esses alunos, para dizer o mínimo, ensinaria a escola a ser verdadeiramente escola, um local de aprender, de trocar. Como já dito acima, aprender e ensinar é uma troca", ressalta.

Para as demais crianças, o médico diz que elas aprenderiam o amor, o respeito, a perseverança e que para aprender é preciso haver uma troca. "E que para a troca há de haver outro, e que, ainda que esse outro seja diferente do que nossa presunção considera como normal, precisamos do outro".

Diante da fala preconceituosa do ministro da Educação, o pai expõe ainda que pessoas como a filha podem ensinar muito a como lutar e vencer uma batalha diária, porque elas precisam se superar a cada momento para comer, andar, vestir, falar e principalmente, vencer o preconceito de falas como a do ministro.

"Quando isso tudo emana de uma instituição do país, no caso específico o Ministério da Educação, o fato se reveste de requintes de crueldade e de importância ímpar", escreve. O médico ainda enfatiza que o Estado Brasileiro que deveria proteger essas pessoas é quem agora as ameaça.

"Ameaça com discriminação, com a segregação, com o isolamento. (Puxa, finalmente, falei em valores que o Sr. conhece). Ademais, em mensagem subliminar, quer ensinar essa barbárie às nossas crianças. Isso é inaceitável. Devemos ensinar nossas crianças a serem pessoas melhores. A inclusão ensina a todos um pouco de humanidade".

No último parágrafo, o pai da Maria Clara pontua o quanto o Brasil precisa de pessoas melhores que no futuro possam governá-lo de forma mais humana. "Abra sua mente e coração ministro para que possa enxergar o próximo na plenitude e na grandeza que só a diferença e o respeito à diversidade pode proporcionar ao ser humano".

O ponto final vem seguido da assinatura.

Wilson Ayach
Pai de Maria Clara.

Abaixo a carta na íntegra:

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