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Comportamento

Para igreja não ficar na “Rua Exú”, bairro ganhou novos endereços

Há alguns anos, Bairro Jardim Santa Felicidade mudou todos os nomes de ruas porque faziam alusão a religião de matriz africana

Thailla Torres e Kimberly Teodoro | 26/08/2019 08:40
Para igreja não ficar na “Rua Exú”, bairro ganhou novos endereços
Moradores do Jardim Santa Felicidade lembram da mudança dos nomes. (Foto: Paulo Francis)
Moradores do Jardim Santa Felicidade lembram da mudança dos nomes. (Foto: Paulo Francis)

Em um fim de tarde de sexta-feira, a maioria das famílias do Jardim Santa Felicidade já começa a se recolher. Pela última rua do bairro, aproveitando os últimos raios de sol na varanda, encontramos Jesuína de Souza Lourenço, de 70 anos, uma das poucas a responder o chamado no portão, mesmo com certa desconfiança.

“Essa é a José Belinatti”, informa. Pouco interessada nas políticas do bairro, ela se lembra de que a rua já se chamou Oxumarê, mas diz desconhecer os detalhes. “Falaram que mudou porque o nome das ruas era muito feio”. Ignorando a homenagem ao orixá símbolo da continuidade e permanência, representado pela cobra e pelo arco-íris, é também riqueza e fortuna, o que conta como ponto positivo para a senhorinha é a pronúncia que ficou mais fácil.

Essa é uma das ruas do bairro que há alguns anos teve todos os nomes de ruas mudados, a pedido dos moradores, porque representavam orixás e características de uma religião de matrizes africanas: a umbanda. Cautelosos para falar sobre a mudança, nem todo mundo atribuiu a alteração ao preconceito e intolerância religiosa, mas a maioria concorda que “ficou melhor” os novos nomes.

Uma das ruas do Jardim Santa Felicidade. (Foto: Paulo Francis)
Uma das ruas do Jardim Santa Felicidade. (Foto: Paulo Francis)
Eder disse que nunca se importou com os nomes.
Eder disse que nunca se importou com os nomes.

Nas redes sociais, um grupo formado no Facebook que busca resgatar histórias e fatos emblemáticos da cidade, narrou parte da situação que ocorreu em 2012. Um dos usuários lembra que era o “maior barato perguntar a um evangélico onde era a igreja que ele congregava e vê-lo responder que ficava na Rua Exú”.

Outros citam que o fieis da umbanda ficaram “furiosos” e tentaram impedir sessões da câmara para que os nomes não fossem mudados. Mas a vontade da maioria do vizinhos prevaleceu e, segundo um dos integrantes do grupo, “o bom senso prevaleceu”.

Outras ruas - O caminho antes guardado por Mamãe Oxum, agora é Rua Antônio Moreno. Na volta para casa Matilda Ajala, 70 anos, também parou para conversar com o Lado B. Ela se lembra do antigo nome e explica que a atitude partiu dos moradores que fizeram um abaixo assinado e levaram até a câmara de vereadores. “Reclamavam porque Mamãe Oxum é templo de Saravá. Não me incomodava, eu vivo tranquila na minha casinha sem que ninguém me incomode, mas gostei da mudança. Achava feio”.

Delce lembra dos nomes de "macumba". (Foto: Paulo Francis)
Delce lembra dos nomes de "macumba". (Foto: Paulo Francis)

Antes que a noite caísse por completo, andamos mais duas quadras até a Rua José Fernandes, antiga Cobra-coral, em homenagem ao Caboclo que na Umbanda é símbolo de luz e visto como um forte guia espiritual. Na boca do povo, perdeu o significado que tem para os devotos e virou apenas “nome de macumba e tudo o que é coisa ruim”, como descreve Delce Amaro, de 70 anos, moradora da região há 18 anos.

“Quando eu comprei aqui, era a Cobra-Coral, logo eles já asfaltaram e mudaram o nome. Eu amei a mudança. Hoje faltam apenas três ruas para asfaltar, mas valorizou muito aqui”, conta.

Vizinho de Delce, Eder Rodrigues, de 37 anos, passou quase toda a vida no Jardim Santa Felicidade, acha que as coisas melhoraram depois da troca, mas afirma não se importar. “Era nome de rua, né. Nome é nome”.

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