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Comportamento

Para mostrar que oferenda não é macumba, terreiro leva Lado B para encruzilhada

No Taquarussu, preparamos uma entrega a Exú

Alana Portela | 27/08/2019 08:12
Os candomblecistas agradecendo Exú após entregar as oferendas na encruzilhada (Foto: Paulo Francis)
Os candomblecistas agradecendo Exú após entregar as oferendas na encruzilhada (Foto: Paulo Francis)

Quem nunca deu de cara com aquela farofa na encruzilhada não é um "brasileiro raiz'. Mas apesar de já fazer parte da cultura nacional, a galera insiste em chamar oferenda de macumba, o que para os cultos afros é completa ignorância. Para mostrar que só a desinformação tem de dar medo, o Instituto Sociocultural de Matriz Africana Iiê Axé Taquarussu, abriu as portas do terreiro ao Lado B e até ensinou a gente a garantir uma entrega para o santo com muita farinha e cachaça (veja vídeo no final).

O babalorixá Robson Faciroli começa dizendo que desta vez vamos falar com Exú. “É um ritual comum para orixá Exú, que é o guardião das estradas, do caminho, louvamos na rua. Quando jogamos farinha na rua é uma reverência”, diz.

Sem tabu, ele desmistifica o que a ignorância fez chamar de “coisa do capeta”. “Não cultuamos o demônio. O Exú é um mensageiro do Àiyé (que é o físico, a terra) e Orun (lado espiritual). Ele alterna entre o plano astral e o físico, nos protege, avisa, orienta se é algo bom ou ruim e leva a nossa mensagem à orixá. Trabalhamos apenas com energia”.

No terreiro com seus filhos e ogans, ele prepara às oferendas com farinha, mel, água e cachaça para entregar na encruzilhada. “O ritual é para Exú nos livrar do inimigo oculto e declarado, dos acidentes. Pedimos que abençoe nosso caminho. Na entrega cantamos para louvar”.

Robson Faciroli é o babalorixá do Instituto Sociocultural de Matriz Africana Iiê Axé Taquarussu (Foto: Paulo Francis)
Robson Faciroli é o babalorixá do Instituto Sociocultural de Matriz Africana Iiê Axé Taquarussu (Foto: Paulo Francis)

 A "entrega" começa em frente ao portão, feira geralmente nas segundas-feiras. Nesse caso, a oferenda é preparada no domingo e adormece no assentamento de Exú, um quarto onde fica a imagem da entidade. Na manhã do dia seguinte, após acordar, o babalorixá joga a farinha na calçada. “Ela representa a terra, e misturamos com o Epo pupá, que é o azeite de dendê. Acrescentamos o mel, a cachaça e a água. Esses são os quatro elementos que usamos, e quando misturados, representam a terra. Jogamos a farinha e espargimos a água na rua”.

Sobre a cachaça, o babalorixá diz que é outra forma de agradar a entidade. “O Exú toma a cachaça forte, damos a água ardente”. Ele nega que hoje em dia ocorram sacrifícios de animais e garante que nem velas eles usam. “Tanto no Candomblé quanto na Umbanda cultuamos a natureza. A água, folha, terra são sagradas. Fazemos trabalhos nas matas, cachoeiras e encruzilhadas. Contudo, algumas pessoas sem propriedade de causa e despreparadas, têm o mal costume de fazer despachos que as pessoas retribuem a nós. Não temos sacrifícios no meio da rua, nem deixamos os alguidares (prato de barro), garrafas de vidro, não ascendemos velas na encruzilhada. Isso não pertence aos umbandistas e candomblecistas antigos e de matriz".

O babalorixá relata que as oferendas deixadas na natureza sobre uma folha de mamona se decompõe. “Vira húmus, adubo”, falou. As encruzilhadas também têm explicação. “É a morada de Exú, onde a energia dele fica. O caminho pertence a Ogum, a folha é de Ossaim, a terra Óbaluaê, a água doce de Oxum e o mar é de Iemanjá. Cada orixá tem seu espaço na natureza”.

Pejorativo - Por quem não conhece, as oferendas são chamadas de macumba, contudo esse é um termo pejorativo. No entanto, quase ninguém sabe de onde surgiu o termo. “É um instrumento de percussão, tipo tambor. Quem toca a macumba é o macumbeiro, porém associaram a gente por conta dos atabaques. É pejorativo”.

As oferendas sobre as folhas de mamonas e nos pratos de barro, ao lado da vela branca, do jarro com água e da cachaça , (Foto: Paulo Francis)
As oferendas sobre as folhas de mamonas e nos pratos de barro, ao lado da vela branca, do jarro com água e da cachaça , (Foto: Paulo Francis)
A imagem de Exú e do pombo giro, Cigana em um dos assentamentos do terreiro (Foto: Paulo Francis)
A imagem de Exú e do pombo giro, Cigana em um dos assentamentos do terreiro (Foto: Paulo Francis)
O babalorixá mostrando a casa de Orixá (Foto: Paulo Francis)
O babalorixá mostrando a casa de Orixá (Foto: Paulo Francis)

Dificuldades e intolerância - No local, além dos rituais religiosos, também ocorre cursos de políticas públicas para mulheres, palestras feitass pelos candomblecistas. A proposta é ajudar a comunidade. “Organizamos também rodas de conversa com professores universitários, participamos do SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e fechamos parcerias para os dias 7 e 8 de novembro, quando vamos fazer o primeiro encontro de Povos de Terreiro do Estado”.

Atualmente, é difícil para os povos de terreiros conseguirem os alvarás de funcionamento e se regularizarem. “Os órgãos competentes, quando fala de terreiro, tem a visão discriminatória. Impõe projetos, limites de decibéis”, conta.

Nesse tempo de luta por respeito, o babalorixá já viu muitas situações de intolerância. “Tivemos casos que entraram na casa de uma pessoa e quebraram as imagens, levaram as roupas. Na hora de registrar o boletim de ocorrência, não se caracterizou como intolerância. Disseram que era preciso abrir uma investigação. Temos mais de 800 terreiros em Campo Grande. Nos organizamos em um grupo de WhatsApp e batizamos de ‘UbuntuMS’, que ajuda a nos comunicarmos entre si, e a nos organizarmos junto às demandas de cada instituição ou zelador de santo”.

Quarto com os chapéus, perfumes e bebidas de Exú e Pombo giro (Foto: Paulo Francis)
Quarto com os chapéus, perfumes e bebidas de Exú e Pombo giro (Foto: Paulo Francis)
Mesa para o jogo de carta e de búzios (Foto: Paulo Francis)
Mesa para o jogo de carta e de búzios (Foto: Paulo Francis)

Calendário - Assim como as outras religiões, no Candombé também tem um calendário das festas alusivas aos orixás. Eles começam janeiro festejando Oxalá, o pai celeste. “É o momento de purificação e renovação de energia”, destacou.

Depois, festejam Ogun, o orixá do caminho e da tecnologia. Na sequência, comemora Oxóssi orixá da caça que traz fartura. “Temos também a festa do Xangô, o orixá da Justiça. Celebramos Iansã, orixá do fogo, do vento e da tempestade”, contou o babalorixá.

Durante o ano, as celebrações continuam e, em agosto, os candomblecistas exaltam Olubajé. Em seguida, vem a festa de Oxumaré, que é o símbolo da serpente arco-íris. “Comemoramos o Caboclo, depois Oxúm, a deusa da água doce, juntamente com a Iêmanjá. É o encontro da água doce com a salgada”, disse. O ano encerra com a festa dos Exús e das Pombos gira, que incorporam nos médiuns.

Salão onde ocorre as festas dos candomblecistas (Foto: Paulo Francis)
Salão onde ocorre as festas dos candomblecistas (Foto: Paulo Francis)

Vídeo - Ao Lado B, o babalorixá mostra passo a passo como funciona o ritual de entrega da oferenda. Depois de preparado os pratos a serem servidos, colocaram em folhas de mamonas e em seguida botaram nos alguidares. Foram duas oferendas, e ele colocou no chão junto com um jarro de barro, com água e um litro de cachaça. Uma vela branca foi acesa.

Tudo pronto, o babalorixá começa a tocar o “gã”, instrumento sagrado, e os ogans tocaram os atabaques. Duas filhas chacoalharam os “adjás”, instrumento de invocação. Em seguida dançaram em volta do alimento e cantaram. Elas estavam com o pés descalços para manter a ligação com a terra.

Após algumas canções, o babalorixá entregou a primeira oferenda e as duas filhas saíram de costas para a rua. “Os atabaques são instrumentos sagrados, não podem dar as costas”, explicou Robson. Já fora, jogaram a farinha na calçada, perto do portão e no asfalto. Depois retornaram para o local e pegaram o jarro d'água e saíram novamente, do mesmo modo que na primeira vez. Também na calçada, espargiram a água, reverenciando a vida.

O segundo passo foi a entrega na encruzilhada. Nesse, eles continuaram cantando e dançando em volta da oferenda. Quase finalizando o ritual, o babalorixá entrou na dança junto com os filhos. Depois, pegaram o alimento e a cachaça e levaram até a encruzilhada na esquina do instituto. Alí, deixaram a farofa e jogaram a cachaça por cima. Em seguida, agradeceram e retornaram para o terreiro, momento que pararam os atabaques.

A entrega fica no local, porém, não prejudica o meio ambiente. Com o tempo, se decompõe e pode até ser retirada pelos catadores de lixo.

Confira o vídeo sobre o ritual de oferenda:

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O babalorixá de azul ao lado dos filhos dançando em volta da oferenda (Foto: Paulo Francis)
O babalorixá de azul ao lado dos filhos dançando em volta da oferenda (Foto: Paulo Francis)

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  • (Foto: Paulo Francis)
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