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Comportamento

Passei três meses caçando sapos na Malásia, andando 5 km por dia e sem internet

Paula Maciulevicius | 25/08/2016 06:15
Priscilla, bióloga, professora da UEMS e com uma história incrível para contar. (Foto: Arquivo Pessoal)
Priscilla, bióloga, professora da UEMS e com uma história incrível para contar. (Foto: Arquivo Pessoal)

Bióloga, Priscilla Guedes Gambale, tem 28 anos de idade e uma experiência incrível na bagagem. A mineira que se formou em Goiânia e fez mestrado em Maringá, é professora do curso de Ciências Biológicas e Licenciatura da UEMS, em Coxim, e no ano passado viveu três meses na Malásia para, literalmente, caçar sapos. É ela quem conta este relato no Voz da Experiência, sobre como foi viver onde a cultura é tão diferente quanto o cenário. 

Desde a graduação, ela já se interessava pela área de anfíbios - sapos, rãs e pererecas. Seguiu o mestrado e o doutorado nessa linha de pesquisa e em contato com professores de fora, chegou até a Universidade de Singapura, que procurava profissionais para coletar dados das espécies na Malásia. E foi assim que Priscilla foi parar lá.

"A floresta de lá, a cada dia que passa, está sumindo e numa velocidade mais rápida que a Amazônia. Eles estão destruindo tudo para plantar Palma. Dela saem várias coisas, como o óleo de Palma, que sustenta a comunidade deles. Mas adultos sapos e filhotinhos, os girinos, estão diminuindo. E como algumas espécies se encontram só lá na uma ilha, fiquei super feliz pelo projeto. É um sonho para pesquisar, conhecer e encontrar espécies.

Como a paisagem natural é
Como a paisagem natural é
bela e encorajadora à uma aventura.
bela e encorajadora à uma aventura.
A devastação que chegava de repente. (Foto: Arquivo Pessoal)
A devastação que chegava de repente. (Foto: Arquivo Pessoal)

Viajei ano passado, foram três meses, do meio de maio até julho. Quando eu fui, não conhecia praticamente nada. A única coisa que a professora me passou, foi uma check-list das coisas que eu tinha que levar. A cultura mesmo, eu pesquisei antes de ir, para saber como eram as pessoas de lá. E o que mais me espantou foi ser tão diferente dos brasileiros.

A maioria das pessoas são muçulmanas, sempre com burca ou aqueles lenços ao redor da cabeça. E eles têm alguns hábitos, como de se alimentarem com as mãos, sem talheres. Até o banheiro é muito diferente e não é só porque eu fiquei no mato, qualquer lugar é assim, mesmo na cidade e em restaurantes, em todos eles, a privada é no chão. Ou seja, eles fazem tudo de 'cócoras'.

Entre a comida, eles comem muita coisa apimentada, espantei um pouco e eu até gosto, mas é bem exagerada e eles não comem carne de boi, porque é muito caro. Só as famílias mais ricas mesmo que conseguem comer. Na maioria dos restaurantes, não tem nem no cardápio. O frango que entra no lugar, por ser mais barato e a carne de porco como intermediário. Minha comida era só frango e legumes.

No acampamento, eu ficava no meio da floresta. Era um alojamento, mas todo feito de madeira e bem rústico. Dormia num colchonete e tinha um mosqueteiro, porque por ser floresta, tinha muito mosquito. Lá é uma floresta tropical, onde a temperatura é muito quente durante o dia e você sua demais. É muito úmido também e dependendo do dia, quando chovia, fazia friozinho, mas não chegava a tanto.

Para o trabalho, a gente ia de manhã nos pontos de coleta. Eram vários e a gente fazia praticamente um hikking, era uma caminhada mesmo. Tinha que andar cinco quilômetros até o ponto de coleta. Então ia de carro, largava e andava sempre em riacho. As pequenas regiões eram sorteadas aleatoriamente, onde a gente ia procurar girino em uma bacia. No fundo dessa bacia, tinha tipo um vidro transparente, que ia passando no riacho com lanterna acesa, para ver e identificar os girinos 'presos'. Depois, voltávamos para o ponto e à noite percorríamos andando para ver quais adultos que estavam naquele trecho e anotar num papelzinho.

Era caçar sapo, verificar espécie, fazer as medições e sacrificar o bichinho. Sacrificava um ou dois da mesma espécie. Como eles têm uma pele bem fininha, passa xilocaína, de forma que eles morriam num procedimento menos doloroso. Se faz isso porque quando vai fazer um trabalho científico, para ter credibilidade, o material precisa ser testemunhado, de que aquela espécie está ali, comprovada mesmo. Todo o processo era com licença.

"Tem mee goreng": macarrão frito, uma das refeições.
"Tem mee goreng": macarrão frito, uma das refeições.
Na labuta, descrevendo e catalogando espécies. (Foto: Arquivo Pessoal)
Na labuta, descrevendo e catalogando espécies. (Foto: Arquivo Pessoal)
Comida de rua malaia. (Foto: Arquivo Pessoal)
Comida de rua malaia. (Foto: Arquivo Pessoal)
À caça. (Fotos: Arquivo Pessoal)
À caça. (Fotos: Arquivo Pessoal)
Acampamento que serviu de moradia.
Acampamento que serviu de moradia.

Cheguei lá muito assustada. Tinha que fazer trajetos muito longos por dia e no meio do riacho. Eu ficava com o pé molhado o dia inteiro, tiveram vezes em que me deu fungo e doía demais os pés, a ponto de eu não conseguir andar.

Tive que aprender a dirigir do lado direito e em uma caminhonete. Eu, pequenininha assim, em uma caminhonete gigante. Assustei muito com a outra língua. Falava inglês com o pessoal que ia comigo a campo, a maioria, australianos. Mas o que mais me encantou, foi a simplicidade das pessoas. Por mais que os malaios não entendessem direito o inglês, porque a língua deles é o malaio mesmo, eles eram muito receptivos para com os brasileiros. Foi muito legal ver crianças no acampamento com a blusa do Neymar. 

Fora isso, o que mais me encantou, foi a beleza da natureza. Tinha dia que eu ficava realmente emocionada de tanto que eram lindos os bichos e espécies. Para mim, era um sonho.

Bem, foram três meses sem internet. Eram dias específicos, com internet por 2 ou 3h, assim que eu conseguia contato com a minha família. Mas passei tudo sozinha por lá. No final, serviu de aprendizagem. Fiquei muito encantada com o local, a beleza da natureza e muito triste por tudo isto estar acontecendo, essa devastação. Eles destruíam pontos de um dia para o outro. Me perguntava se todas as espécies que eu tinha visto antes, se elas tinham conseguido chegar a um lugar seguro, ou se já estavam mortos.

Lá eu vi tanta coisa bacana. Presenciei predação, de caranguejo predando sapo. Nunca tinha visto isso e lá também tem espécies de sapos que voam. Consegui ver e entender essa estrutura toda diferente da pele, que permite que ele plaine no ar. Ele fica na copa das árvores e para descer, vai plainando. É como se fosse voar. 

No final, eu não conseguia nem falar de tanto que foi bacana. Você não consegue imaginar como pode ser um experiência dessas, mas é muito válido. A natureza é muito linda e muito diferente de tudo o que eu já tinha vivido. Acostumada a trabalhar em áreas abertas, no cerrado, e ir para outro local assim, foi incrível e valeu muito à pena".

Tem um relato bacana de Voz da Experiência? Escreve para a gente no Lado B

Para bióloga, tudo valeu à pena. (Foto: Arquivo Pessoal)
Para bióloga, tudo valeu à pena. (Foto: Arquivo Pessoal)
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