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Comportamento

Poeira é lenda do Cascudo que virou música e vai ganhar festa no São Francisco

Trovador, da roça e do bem, o homem que saia da fazenda e chegava à cidade montado no cavalo branco agora ganhou amigos pelo exemplo de gentileza

Thaís Pimenta | 09/05/2018 08:26
Capa do álbum que traz música para Poeira. (Foto: Divulgação)
Capa do álbum que traz música para Poeira. (Foto: Divulgação)

Mesmo sem ninguém saber o sobrenome, bastou um apelido, Poeira, para que o homem boêmio, pequeno, forte, negro e do sorriso branco, morador do antigo bairro Cascudo, tocasse o coração de muitos moradores da região. 

Foram tantas as histórias, que o personagem do lugar que hoje é o Bairro São Francisco inspirou música e no próximo fim de semana, sábado (12), vai render festa com música e manifestações artísticas. O evento "Poeira na Estrada" será homenagem e lembrança no Kafofo, espaço cultural criado este ano.

O homem de riso fácil e querido por todos, primeiro virou folclore por viver com uma pinga na mão. De talento conhecido, era trovador e recitava versos ainda mais bonitos quando estava na companhia dos amigos, no bar Vai ou Racha, como lembram as irmãs Irene e Ivani, as filhas do dono de lá, Luciano dos Santos.

"Ele trabalhava na fazenda e vinha pra cidade encher o caneco. Por aqui ,ficava de dois a três meses, chegava com o seu cavalo branco, o Bolero, e sentava aqui no bar. Daqui só levantava pra ir lá na mercearia do Aguiar, pra beber também", dizem. 

Irene Araujo dos Santos relembra os versos que Poeria cantarolava no bar Vai ou Racha. (foto: Thaís Pimenta)
Irene Araujo dos Santos relembra os versos que Poeria cantarolava no bar Vai ou Racha. (foto: Thaís Pimenta)

Poeria virava quase que parte das famílias do Cascudo. No Vai ou Racha, deitava em um barraco que ficava embaixo de uma árvore que existe até hoje na casa da família. O cavalo, coitado, era vendido em troca de pinga, mas o patrão - uma espécie de pai de criação - o fazendeiro Joviano Rosa, saia da fazenda, que ficava na saída pra Rochedo, depois da serra, rumo à cidade, só para comprar Bolero e devolver a Poeira.

"Ele achava o Bolero, comprava o cavalo de novo e devolvia pro Poeira. Era sempre assim", lembra. Darcy da Matta Carvalho foi amigo de infância de José e conta que nunca viu nada parecido com a imagem do cavalo que inclinava a cabeça para que o dono, já bêbado, subisse. "E ele levava ele direto pra fazenda, com segurança", conta.

Ivanir e Claudia  relembram os causos de Poeira. (foto: Thaís Pimenta)
Ivanir e Claudia relembram os causos de Poeira. (foto: Thaís Pimenta)

Entre os vizinhos, na casa dos Scudler, o quase andarilho também era muito bem recebido. Querido pela mãezona da família, dona Olga, ele tinha até um quartinho montado para dormir quando bem quisesse. "Mamãe falava para ele só não levar nada embora. Mesmo assim, ele levava, acho que mais para fazer graça, ou para cantar sobre, porque depois ele devolvia as coisas, no mesmo dia", conta a filha, Olga Maria Scudler.

A alegria de viver que Poeira transmitia andando pelas ruas do Cascudo é memória viva da infância de Claudia Trimarco. "Ele era aquele negro que brilhava. Os dentes brancos dele eram uma coisa de doido, sempre à mostra, ficaram gravados em mim. Ele era um cara muito do bem, que nunca fez mal pra gente, nem pra ninguém. Era realmente uma pessoa folclórica", diz ela.

Entre os anos 60 e 70, Poeira era figura tão famosa do bairro São Francisco que seus versos viraram música do Grupo Pantanal, que resolveu reservar uma faixa às "Coisas do Poeira" no álbum "A Moça do Chamamé". No LP estão versos como "Menina casa comigo que eu sou trabalhador. Com chuva não vou na roça, nem com sol também não vou", ou "Menina seus pais é pobre, mas seus olhos vale ouro".

"Ele cantava sem parar esses versos. Cantava tanto que até hoje, vira e mexe, a gente relembra e saiu cantarolando por ai", comenta Irene.

Claudia e OIga Maria. (Foto: Thaís Pimenta)
Claudia e OIga Maria. (Foto: Thaís Pimenta)

Brincalhão, com alma romântica, ele nunca foi visto com mulher nenhuma, o que se sabe é que, nos últimos dez anos de sua vida, ele aquietou com uma senhora bem mais velha. Depois, nunca mais apareceu pelas bandas de lá, muito menos nos bares.

"Parou de beber, porque soube que se continuasse naquela levada ia morrer. A gente acha que faz uns vinte anos que ele faleceu já. Minha memória é ele brincando com a criançada aqui do Colégio São Franciso", comenta Zé Silvestre, antigo morador do bairro, responsável pela antiga Casa Aguiar.

Seu Cato Trimarco diz que o patrão e pai adotivo de Poeira deixou parte de sua rica herança para o empregado. "Pra você ver o tanto que ele era querido", finaliza.

Sem nenhuma recordação fotográfica em vida de José Poeira, fica a saudade de quem teve o privilégio de dividir os dias com o homem de alma pura, que vivia como bem queria.

A festa será realizada no sábado (12), a partir das 19h, no Kafofo que fica na Av. Euller de Azevedo, 370.

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