ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  18    CAMPO GRANDE 24º

Comportamento

Preciso concordar com alguns leitores: Saindo do armário? Mas que pauta é essa?

Elverson Cardozo | 05/05/2015 06:13
"Humanos, somos considerados inteligentes, mas o mau uso deste atributo nos torna tolos e torpes". (Foto: Marcos Volpkof)
"Humanos, somos considerados inteligentes, mas o mau uso deste atributo nos torna tolos e torpes". (Foto: Marcos Volpkof)

Na 10º e última matéria da série “Saindo do Armário”, quem discorre publicamente sobre a própria sexualidade é o ator, bailarino, preparador corporal e diretor teatral Arce Correia. O criador de Maria Quitéria, “a deusa de Mato Grosso do Sul”, não tem medo de polêmica e, para falar de si, sobre esse tema específico, começa respondendo a duas perguntas que foram feitas com frequência pela maioria dos leitores do Lado B, todas as terças-feiras, ao longo desses 2 meses.

Saindo do armário? Mas que pauta é essa?

Preciso começar o texto concordando com alguns ou algumas “leitores” desta mídia, que perguntam: que pauta é esta? Realmente, é uma pena que precisemos levantar uma questão, que explora de maneira tão mesquinha a pluralidade humana. Junto a um individualismo aflorado nos tempos atuais, vem uma moralidade retrógrada e latente nos “homens e mulheres de bem”. Talvez fosse até melhor dizer “de bens”.

A ideia de que o que penso é o melhor para todos se esvazia em si mesma. Não há mais do mesmo para todo mundo e as nossa diferenças nos une como partes de um conjunto que “deveria” ser um todo. As crises e as necessidades individuais são o motor de cada ser e a organização do conjunto deveria, talvez, nos mover e comover para um olhar atento ao entorno, além da própria moral, por vezes ditadora e, mesmo assim, adaptável quando convém ao moralizador de plantão.

Eita, será que estou impondo minha moral? Ah, essa culpa original que carrego, herdada de minha formação, ainda acaba por me deformar!

Vamos à historinha esperada. Em verdade, esperada não sei por quem. Por mim que não foi. Pode ser que não percebam pela foto nesta matéria ou por meu comportamento tão branco, rico e hétero normativo, mas sim, sou negro, tenho vivido sem poder esbanjar dinheiro e com uma condição sexual que me trouxe o interesse de muitos curiosos de plantão.

Como não nasci para estar em prateleira de supermercado, não fui feito em série (para o bem da humanidade) e não caibo em rótulo algum. Mas se interessa uma, alienadora e limitante classificação, sim, sou casado com um outro homem, um companheiro de grandeza imensurável.

Defina e me reduza como bem quiserem. Fui criado por brancos, héteros, religiosos e com certas possibilidades financeiras. Nada disso me mudou a genética. Quando digo criado, é porque eu realmente vivi em família não consanguínea dos 4 aos 12 anos de idade.

"Nunca morei no armário, porque lá coloco minhas roupas, bagunçadamente, mas com minha história nelas".  (Foto: Murilo Basso)
"Nunca morei no armário, porque lá coloco minhas roupas, bagunçadamente, mas com minha história nelas". (Foto: Murilo Basso)

Passei por inúmeras crises de não me reconhecer nos que estavam no meu entorno. Reunindo alguns estereótipos, alvos de pré-conceitos, vivenciei vários deles. Meu pai morreu dois dias antes de eu nascer. Minha mãe, uma menina ainda de 17 anos, ao ouvir a notícia, sentiu o último movimento no ventre antes do parto. Fui apontado diversas vezes na escola, na família e na rua, como uma criança tola e culpada dos erros alheios.

Já adolescente, estudei em uma escola de regime de internato com mais centenas de alunos. Me sentia estranho por vezes, pois não compartilhava de comportamentos excludentes e tacanhos, além de achar homens e mulheres com bons potencias sexuais. Guiado por meu instinto primitivo e vital, meus pensamentos variavam. Me contive e me repudiei.

Chorava por não querer estes sentimentos “impróprios” me perturbando. Transei com uma mulher que me cercava de toda maneira e mostrei a ela que era macho. Transei com outras tantas e provei dos gostos que me interessavam. Casei com meu primeiro namorado e isso me provou que sou homem para além de um “emblema” social.

Nunca morei no armário, porque lá coloco minhas roupas, bagunçadamente, mas com minha história nelas. Quando, aos 22 anos, morando com meu companheiro há 2, resolvi conversar com minha mãe sobre minha sexualidade e as expectativas que supunha que ela tinha.

Fui ridículo e ela, como sempre, soberana em amor e sabedoria. Chorei, lastimei, fiz uma preparação de novela e, em meio aos prantos e hesitação premeditada, perguntei:

- Mas a senhora não fica triste com isso?

E ela, destruindo toda minha expectativa melodramátida, responde malevolamente:

- Triste por que? Você não está roubando, não está matando, não está prejudicando ninguém! Eu só acho que você é muito chato e briga demais com o Paulo.

Sim, gente, minha mão é ridícula! O que me foi mais difícil de todo este processo de libertação de valores alheios, foi me reconhecer no espelho e me entender como sou de fato. Me reconhecer e dar conta disso, podando arestas e colocando tudo o que penso junto e a mercê das transformações que me sucederão é, para mim, meu maior indicador de liberdade e identidade.

Não tenho orgulho de ser gay. Tenho orgulho de, para além de todas as condições que me rotulam, não roubo, não mato e procuro não prejudicar meus semelhantes. Sou um homem de fato e ato. Penso que homofobia seja um medo terrível de ser igual.

Humanos, somos considerados inteligentes, mas o mau uso deste atributo nos torna tolos e torpes. Quero sempre aprender a ler à mim, meu contexto e para além do meu umbigo. Digam e pensem como sua grandeza lhes permitir e assim serás tu de mesmo tamanho. Só posso dizer que eu sou eu e jacaré é um bicho. Grato.

Nos siga no Google Notícias