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Comportamento

Prestes a completar 100 anos, Olípia carrega lancheira com amores do passado

Thailla Torres | 03/07/2018 07:52
O sorriso é de uma das moradoras mais antigas de Rio Verde que vai completar 100 anos de vida em agosto. (Foto: Kimberly Teodoro)
O sorriso é de uma das moradoras mais antigas de Rio Verde que vai completar 100 anos de vida em agosto. (Foto: Kimberly Teodoro)

Goiana que escolheu Mato Grosso do Sul para viver, uma das moradoras mais antigas em idade de Rio Verde está prestes a completar 100 anos de vida. Por lá, não tem quem não conheça o sorriso de dona Olípia de Souza Brandão, que apesar de dizer que não está bem para ser fotografada, é só ver as lentes para surgir a pose toda simpática. 

As fotos revelam um pouquinho da alegria que ainda envolve Olípia com o passado. Todos os dias ela pega uma antiga lancheira de escola, que guarda retratos tão antigos quanto a própria história da fotografia no município. Depois da novela, tem o hábito de pegar a caixa e tirar de dentro imagens para revelar histórias de quem já partiu, mas deixou marcas na trajetória da velha moradora.

A jornalista e fotógrafa Kimberly Teodoro, uma das bisnetas, é quem se encarrega de contar a história dela, já que pelo avanço da idade, a audição foi enfraquecendo e Olípia não conversa pelo telefone.

Na lancheira está guardado o tesouro da moradora. (Foto: Kimberly Teodoro)
Na lancheira está guardado o tesouro da moradora. (Foto: Kimberly Teodoro)
Fotografias que já presentearam muita gente. (Foto: Kimberly Teodoro)
Fotografias que já presentearam muita gente. (Foto: Kimberly Teodoro)

Nascida em uma fazenda no interior de Goiás, em 11 de agosto de 1918, as dificuldades da época fizeram com que os pais só conseguissem registrar Olípia dois anos depois, em Rio Verde de Mato Grosso, que naquele tempo nem era município ainda.

Hoje apesar de quase centenária, continua uma das pessoas mais fortes e bem dispostas da família. "Se você perguntar, ela vai dizer que não é vaidosa, que já passou da idade dessas coisas, mas se observar de perto vai ver que não é bem assim. Todas as noites ela pergunta que dia do mês e da semana vai ser amanhã, depois sussurrando consigo mesma ela faz as contas", conta Kimberly.

Quando finalmente a sexta-feira chega, apesar de ir se deitar cedo ela mal dorme. "Passa a madrugada planejando que vestido vai usar no sábado e que sapato combina com ele, isso porque sábado e domingo são dias de visita e ela quer estar bonita para receber os filhos, netos e bisnetos".

Aos 100 anos Olípia não faz confusão, se lembra de todo mundo e faz também as contas de há quanto tempo não os vê. "Passa a noite contando para Deus sobre as coisas que ouviu durante o dia, conversando consigo mesma e com os próprios fantasmas, agradece e espera ansiosa pelas pessoas que virão pela manhã".

Apesar de sempre dizer que não está bem paraa as fotos, dona Olípia não resiste e sorri para as lentes. (Foto: Kimberly Teodoro)
Apesar de sempre dizer que não está bem paraa as fotos, dona Olípia não resiste e sorri para as lentes. (Foto: Kimberly Teodoro)

Foi durante uma das visitas que Kimberly conseguiu registrar o momento mais íntimo da avó com os retratos antigos, principalmente, após as palavras de Olípia que nunca lhe saiu da cabeça. “Você precisa aproveitar enquanto as pessoas de quem você gosta ainda estão aqui, um dia, quando você tiver a minha idade todo mundo que você conhece vai ter morrido ou esquecido de você”, reproduz neta a fala da bisavó.

Kimberly reparou então a solidão de Olípia e o significado das fotos que, diariamente, a faz revirar a lancheira. "Praticamente todas as pessoas com quem ela já se importou, exceto os filhos, já morreram, as pessoas das fotos também. Como na época os retratos eram caros e difíceis, as fotos eram feitas quando um fotógrafo apareceria na cidade ou vinha pra algum momento importante. Crisma, casamento e outro eventos sociais".

Ela guarda fotos porque é uma maneira de lembrar das pessoas que foram importante. Tem retratos de primos, amigos, sobrinhos, irmãos e todas elas com dedicatória na parte de trás. "Também tem fotos dos “pretendentes” que flertavam com cartas na época". 

Em um dos retratos está as orações que Olípia anotou durante os anos. "Ela é benzedeira e até hoje as pessoas levam as crianças até lá para ela benzer. A oração que fotografei é pra Nossa Senhora do Bom Parto, diz ela que é pra colocar na barriga durante os últimos dias da gestação pras coisas correrem bem e que não falha. Baseado nos 7 filhos que ela tem, eu acredito".

Umas das orações que Olípia anotou durante todos esses anos. (Foto: Kimberly Teodoro)
Umas das orações que Olípia anotou durante todos esses anos. (Foto: Kimberly Teodoro)

Outro retrato está bem danificado, mas nele o homem da direita era o patrão de seu pai, que também era dono da fazenda que mais tarde tornou-se São Gabriel do Oeste. Um mulher de noive ajoelhada e rezando é a lembrança da afilhada em um dos momentos importantes para Olípia, o casamento. Ao revirar cada foto, ela faz questão de dizer o que sabe. "Conhece seus rostos, alguns nomes, profissões e detalhes de suas vidas, mas é no olhar da minha bisavó que eles se fazem de fato presentes. Na memória dela eles ainda vivem", descreve a bisneta.

Entre os 14 irmãos, ela ela é a mais velha ainda viva, a irmã mais nova recentemente completou 80 anos. Ela se casou aos 20 anos e viu o marido partir em 2007 com problemas respiratórios.  "Depois ela foi morar com a filha mais velha, que há dois anos também morreu, e desde então ela foi morar com a minha avó".

No rosto de Olípia estão as marcas de uma vida. Da mulher que já foi costureira e hoje não enxerga muito bem, mas quando vê a filha costurando, continua em volta dando palpites. "O olhar dela se perde no horizonte várias vezes ao dia enquanto varre o quintal ou senta na varanda para fazer as flores de fuxico. A força desse olhar é carregado de memórias, risos, lágrimas, dor e luta. E ela fica muito feliz quando alguém senta e pede para ela contar todas essas coisas", finaliza a bisneta.

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O retrato da afilhada em um casamento.(Foto: Kimberly Teodoro)
O retrato da afilhada em um casamento.(Foto: Kimberly Teodoro)
Um dos momentos com toda família reunida. (Foto: Kimberly Teodoro)
Um dos momentos com toda família reunida. (Foto: Kimberly Teodoro)
Na foto desgastada, o homem à direita era patrão do seu pai e dono da fazenda virou São Gabriel do Oeste. (Foto: Kimberly Teodoro)
Na foto desgastada, o homem à direita era patrão do seu pai e dono da fazenda virou São Gabriel do Oeste. (Foto: Kimberly Teodoro)
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