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Comportamento

Se reconhecer na cidade é desafio de quem vive aqui, mas nunca foi ao Centro

Algumas crianças que moram no Jardim Noroeste nunca saíram do bairro e , na primeira vez, ficaram encatandas

Thailla Torres | 11/06/2017 07:05
Vagão da Esplanada Ferroviária foi a cereja do bolo na hora do passeio. (Foto: Thailla Torres)
Vagão da Esplanada Ferroviária foi a cereja do bolo na hora do passeio. (Foto: Thailla Torres)

Aos 10 anos, Gabriel da Costa é uma criança curiosa. Pelo olhar, o brilho dos olhos conta que está encantado com o mundo a sua volta. Ele é uma das 20 crianças que passeia pela Esplanada Ferroviária numa tarde de sexta-feira. A programação já tinha sido adiada uma vez e ele teve que esperar uma semana para finalmente conhecer o lugar. O que para muitos parece só mais um passeio de escola, em Gabriel revela a emoção da descoberta, na pele de quem já viveu uma década sem nunca ter saído do bairro onde nasceu.

O projeto faz parte da vida de exclusão que educadores não desejam mais para essas crianças. Atuando como educador social em um Centro de Convivência do Jardim Noroeste, o professor de História, Hugo César Fernandes Gondim, de 24 anos, descobriu que muitas crianças nunca saíram da mesma região, entre presídio e entulho do Noroeste. Algumas, entre 10 e 14 anos, acreditam que nem fazem parte de Campo Grande.

O encantamento com a máquina de escrever. (Foto: Thailla Torres)
O encantamento com a máquina de escrever. (Foto: Thailla Torres)

Por isso, a ideia de levar as crianças ao Centro surgiu na cabeça de Hugo, após uma conversa sobre o desenvolvimento da cidade. "Foi quando eu falei sobre o trem e que a linha ferroviária se chamava Noroeste do Brasil. Naquele momento, foram eles que lincaram essa identidade ao nome do bairro deles. Ali que percebi que poderia usar essa curiosidade para fazer um trabalho de pertencimento à cidade", explica Hugo.

Em 80% dos casos, o sentimento existe por achar que o bairro é distante. "Eles acham que não fazem parte daqui. Quando falam do bairro, logo associam a pobreza, presídio e lixão, tudo longe de Campo Grande".

O passeio foi programado e divido em turmas, para que todo mundo participasse. Todos ficaram ansiosos para conhecer um universo a poucos quilômetros da periferia.

O efeito do passeio? Os educadores perceberam logo no trajeto. Gestos e olhares curiosos denunciaram o encantamento. Outros não esconderam a curiosidade até pelos carros.

"O que tem de diferente? Aqui na cidade os carros são bem mais bonitos", completa Gabriel na timidez de quem não se lembra de ter conhecido a região central antes.

Professor começa projeto de reconhecimento patrimonial. (Foto: Marcos Ermínio)
Professor começa projeto de reconhecimento patrimonial. (Foto: Marcos Ermínio)

Assim como o sorriso, os olhos do professor brilham de ver a empolgação da meninada. "É bacana de ver o quanto isso significa na vivência deles. Percebi a diferença a partir do olhar quando veem o Centro como algo muito diferente do bairro onde moram".

As crianças falam da rua asfaltada, dos carros, de pessoas bem vestidas e da curiosidade pelo nome das avenidas. "Tem criança que não sabe nem o que é Avenida Mato Grosso e isso é também uma questão socioeconômica porque percebemos que os pais também não sabem essas informações, muitos não tem conhecimento e nem condições de trazer o filho no Centro", diz o professor.

Antes de chegar na Esplanada Ferroviária, Hugo organizou um roteiro para mostrar as principais ruas e alguns monumentos históricos, como o Obelisco, às crianças.

Em contato com a história, a antiguidade foi a estrela principal sob olhar da criançada. "Gostei muito da máquina de escrever. Queria muito ter uma dessas", disse Angel Davi, de 11 anos, que mesmo diante do pedido do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de não tocar nos objetos, não conteve a emoção de tocar nas teclas. "É muito legal", resume encantado.

Mas a ''cereja do bolo'' na hora do passeio foi a subida no vagão que fica na Esplanada. "Queria muito que o trem continuasse", desejou Tiago dos Santos, de 11 anos.

"Embora eles não tenham vivido o trem, a partir do momento que a gente faz um trabalho de estudo patrimonial, percebemos que aflora toda memória afetiva deles que lembram da existência de um trilho perto de casa ou que o avô contou sobre uma viagem de trem, então isso deixa a História mais interessante para eles e aguça toda curiosidade", ressalta o professor Hugo.

Depois do passeio, as crianças ouviram histórias do Iphan e apresentaram um dança de roda, interpretando a música Cunhataiporã, de Tetê Espíndola. "Queremos aproximar eles da própria cultura e provar que eles fazem parte disso tudo, que também são pertencentes a cidade de Campo Grande", finaliza o professor.

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(Foto: Marcos Ermínio)
(Foto: Marcos Ermínio)
(Foto: Thailla Torres)
(Foto: Thailla Torres)
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