ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 31º

Comportamento

Selma segue firme e sorrindo, mesmo há 3 anos de "sobreaviso" na fila por um rim

Para quem teve uma vida marcada por tragédias, a funcionária pública ainda luta por um final feliz, mostrando que resiliência é tão importante na recuperação quanto o tratamento.

Kimberly Teodoro | 04/01/2019 08:50
Com um sorriso no rosto e um repertório de piadas sobre as "visitas da dona morte", Selma aprendeu o significado de resiliência durante a hemodiálise (Foto: Kimberly Teodoro)
Com um sorriso no rosto e um repertório de piadas sobre as "visitas da dona morte", Selma aprendeu o significado de resiliência durante a hemodiálise (Foto: Kimberly Teodoro)

Se existe uma palavra capaz de definir perfeitamente a personalidade bem humorada da terceira personagem da série de reportagens do Lado B, certamente é resiliência. Selma Gonçalves da Rocha, aos 52 anos já teve a vida marcada por tragédias e perdas, pelas quais não se deixa definir. 

Antes de descobrir a doença policística renal, Selma passou por duas gestações difíceis, a primeira acabou em um aborto espontâneo logo no início, a segunda gravidez trouxe duas meninas gêmeas ao mundo, prematuras com 6 meses e meio, nenhuma das duas viveu mais que algumas horas, mas até hoje fazem parte da história de Selma, que viu o sonho de ser mãe transformado em tragédia.

Depois dos bebês perdidos, hoje Selma teve mais duas gestações, a primeira de uma menina e a segunda de um casal de gêmeos, desta vez com uma história diferente e um final feliz, que deram novo fôlego a vida da funcionária pública.

Sem se deixar abater ou transparecer a doença, o único indício do tratamento é a fístula escondida sob a manga da roupa (Foto: Kimberly Teodoro)
Sem se deixar abater ou transparecer a doença, o único indício do tratamento é a fístula escondida sob a manga da roupa (Foto: Kimberly Teodoro)

A doença policística renal é caracterizada pela formação de cistos nos rins que aumentam de tamanho com o tempo e são preenchidos com líquido, lembrando bolhas de ar e que prejudicam o funcionamento renal até a falha que leva a dois caminhos: Hemodiálise ou transplante. Genética, o dano aos rins é progressivo e as gestações seguidas de gêmeos acabaram por acelerar o processo.

No caso de Selma, quando a doença é hereditária e identificada cedo, é possível iniciar um tratamento preventivo que pode prolongar a vida útil dos rins, com uma dieta de bastante líquido, pouco sódio e restrição de proteínas. Assim, mesmo ciente da condição renal aos 29 anos, ela levou 20 anos para “entrar na máquina”.

Funcionária pública há 32 anos, ela poderia se aposentar pela doença, mas faz questão de continuar trabalhando enquanto ainda puder. Com um sorriso no rosto e um repertório cheio de piadas sobre as quase “visitas da dona morte”, a única marca aparente da hemodiálise ela esconde com o uso de blusas de manga larga e mais solta. A fístula, uma veia conectada a uma artéria, que pelo “tempo de uso” fica saltada sob a pele e tem a pulsação mais forte pelo fluxo intenso de sangue.

“Não me deixo parecer doente, ir trabalhar é mais um prazer do que uma obrigação e não pretendo me aposentar enquanto não tiver outra alternativa. Sem a rotina do trabalho, eu viveria só pela doença, não é como escolhi viver”, explica.

Em todos esses anos de tratamento, Selma só precisou de internação duas vezes, a primeira pouco antes de começar a fazer hemodiálise, quando teve uma crise de gastrite e pedra nos rins ao mesmo tempo, época em que os sinais da falha renal começaram a aparecer, os que ela mais se lembra eram os de cansaço extremo e uma “coceira infernal”, período em que foi medicada para a dor e liberada direto para a máquina.

A segunda internação aconteceu há pouco tempo, já durante o tratamento, com a imunidade baixa, Selma teve uma infecção bacteriana que ela conta como uma vezes em que a “dona morte” passou por ela e obteve um não como resposta.

“A sala de hemodiálise é fria, mas temos cobertores e normalmente não sinto muito frio, é agradável lá dentro, mas nesse dia, quando entrei para começar a minha sessão sentia um frio anormal, de gelar os ossos. Perguntei ao meu colega se estava mais frio que o normal e ele disse que não, mas pediu um outro cobertor para mim. Mesmo assim continuava frio e comecei a sentir que eu estava me distanciando, como se algo dentro de mim estivesse se apagando aos poucos, na hora os enfermeiros que acompanham o tratamento notaram algo estranho e fui atendida, a médica aplicou medicação na veia, pelos tubos da máquina, um antibiótico e fui voltando devagar”, relembra sobre o susto, que apesar de sério, não impediu que Selma fosse em uma viagem para o interior marcada pelo trabalho, para isso ela levou a segunda dose do medicamento em uma bolsa térmica e uma prescrição médica para que o antibiótico fosse aplicado no hospital da cidade.

 

Com bom humor, Selma enfrenta as 4 horas de hemodiálise 3 vezes durante a semana (Foto: Arquivo Pessoal)
Com bom humor, Selma enfrenta as 4 horas de hemodiálise 3 vezes durante a semana (Foto: Arquivo Pessoal)

Há 3 anos Selma está na fila de transplante em São Paulo para um novo rim, nesse tempo a esperança até bateu à porta uma vez, com uma ligação do hospital dizendo que ela deveria ficar de “sobreaviso”, sem comer e nem beber nada pelas próximas 24 horas, um rim havia acabado de chegar ao hospital e tinha a possibilidade de ser compatível com ela. Em um misto de ansiedade e euforia, ela aguardou até as 22 horas, quando recebeu outra ligação dizendo que a compatibilidade do rim era maior para outra pessoa.

A cirurgia é arriscada, apesar dos 90% de compatibilidade exigidos para o transplante, ainda há a possibilidade de rejeição e complicações pós-cirúrgicas, além de 3 meses em São Paulo que precisam ser custeados pelo paciente. Dependendo da fragilidade da saúde do paciente, o transplante acaba não sendo uma opção, o que não é caso de Selma, que decidiu tentar a cirurgia mesmo com os riscos. Os médicos aconselham que ela faça o transplante agora, enquanto a saúde e a idade dela ainda permitem o procedimento.

Para ela, a liberdade do ir e vir, que a hemodiálise restringe e a melhoria na qualidade de vida valem o risco. Agora no começo do ano ela pretende voltar a São Paulo, para que 2019 venha acompanhado do indepência da máquina responsável por prolongar a vida de Selma, onde passa 4 horas por dia 3 vezes por semana. Quando a pergunta é sobre as mudanças que virão com o transplante, Selma não se preocupa com o aumento dos anos de vida, para ela a maior possibilidade é voltar pegar os netos no colo e ajudar a cuidar, nostálgica ela relembra dos banhos de banheira que deu nos próprios filhos ainda bebês e que não foi capaz de repetir com os netos, já que pegar peso pode fazer com que a fístula se rompa.

“Cada um de nós tem uma hora e ninguém vai escapar disso, hoje o que eu sinto é gratidão pela viagem. Não vou viver pensando no momento em que tudo pode acabar, mesmo com sem a doença, é impossível prever quando essa hora chega. Tento levar cada dia como uma benção, aceitar e reagir positivamente. Uma das piores partes do tratamento é ver os companheiros partirem, quando as pessoas chegam até a máquina achando que a vida acabou, elas costumam ficar pouco tempo, não é um tratamento fácil e o estado de emocional influencia muito. Acredito que nessa vida cada um tem o que merece e a vida não cobra mais do que você pode dar”, conta.

Curta o Lado B no Facebook e no Instagram.

Nos siga no Google Notícias