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Comportamento

Todo pai é herói; eu não pude salvar o meu, que deixou de ligar às 7h todo dia

Paula Maciulevicius | 06/06/2016 06:25
"Bom dia guri. Vamos acordar que passarinho que é passarinho não deve nada para ninguém e já está cantando", era o que o pai sempre dizia a Alex. (Foto: Arquivo Pessoal)
"Bom dia guri. Vamos acordar que passarinho que é passarinho não deve nada para ninguém e já está cantando", era o que o pai sempre dizia a Alex. (Foto: Arquivo Pessoal)

As semanas dos últimos cinco anos de vida de seu João seguiam a mesma programação: hemodiálise às segundas, quartas e sextas, alternando com a sinuca e o cortar grama na casa do filho. Há seis anos, o herói de Alex se foi, deixando a frustração nas mãos do rapaz que não pode salvá-lo. A incompatibilidade não permitiu que o jovem doasse um rim e o pai se despediu depois da última ligação, sempre às 7h da manhã, com a mesma frase. 

"Bom dia guri. Vamos acordar que passarinho que é passarinho não deve nada para ninguém e já está cantando", reproduz Alex Johnny da Silva. Policial militar de 31 anos, a ficha ainda não caiu, mesmo depois de ter visto o calendário passar cinco, quase seis vezes, pelo dia 11 de junho.

"Todo pai é herói... Eu ainda acho que ele vai me ligar todo dia. Eu saía de 24h de serviço e ficava bravo com essa ligação, mas hoje vejo o quanto isso faz falta", conta. Caçula de três irmãos, quando o pai descobriu a insuficiência renal, se aposentou como motorista e entrou na hemodiálise.

Filho se propôs a doar um rim, mas era incompatível. (Foto: Arquivo Pessoal)
Filho se propôs a doar um rim, mas era incompatível. (Foto: Arquivo Pessoal)

De 20% o funcionamento dos rins caíram para 8 e ele também esperou por transplante. O filho, de imediato, se propôs a doar, mas mais que a negativa do pai em aceitar o órgão de alguém vivo, biologicamente não seria possível. Filho e pai tinham diferentes tipos sanguíneos, um dos pontos de incompatibilidade.

Falar sobre a perda, o luto, a dor e a saudade não é fácil. O policial conta que acompanhando os depoimentos de outros filhos e às vezes pais, percebe que a emoção é compartilhada nos relatos. "Ele era um grande amigo, foi um grande pai. Um exemplo de herói para mim", descreve como era João.

Aos 59 anos, o pai dançava, cantava e adorava uma festa. De família grande, só de irmãos eram nove. Era companheiro e até mesmo doente, tinha aceitado viajar do lado do filho, como presente de aniversário. "Seria dia 22 de agosto, tinha meia maratona no Rio e eu ia levá-lo, mas ele faleceu antes".

Festeiro, João adorava cantar, dançar e reunir a família que está na foto. (Foto: Arquivo Pessoal)
Festeiro, João adorava cantar, dançar e reunir a família que está na foto. (Foto: Arquivo Pessoal)

Não foi só a viagem entre pai e filho que não aconteceu. Seu João também não viu a alegria da neta, Cecília, hoje com 1 ano e 7 meses. "Foi uma das coisas que mais me frustrou. Ele não ter conhecido minha filha, que é uma criança alegre, puxou isso dele".

Na sexta-feira, dia 4 de junho, o telefone tocou pela última vez. Depois da hemodiálise, o pai seguiu para a chácara da família em Piraputanga, para dançar e cantar numa festa de parentes, onde ele se queixou de um mal estar.

No domingo, vindo embora, João teve uma parada cardíaca antes de chegar em Campo Grande. Outras duas aconteceram até que ele entrou em coma e morreu cinco dias depois. "Não sei o que eu faria de diferente se soubesse que aquela era a última ligação, mas acho que pediria para ele não ir, para a gente passar mais tempo junto".

Não foi só a viagem entre pai e filho que não aconteceu. Seu João também não viu a alegria da neta, Cecília. (Foto: Arquivo Pessoal)
Não foi só a viagem entre pai e filho que não aconteceu. Seu João também não viu a alegria da neta, Cecília. (Foto: Arquivo Pessoal)
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