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Comportamento

Vivendo na miséria, amigos sonham em vender discos para pagar contas

Após ganharam uma caixa com 13 discos – guardada com carinho por 4 anos –, agora vão ter que vender tudo para terem o que comer

Raul Delvizio | 21/01/2021 06:24
"Achamos um tesouro", disseram ao Lado B os amigos Adriano e Luciano ao Lado B, que sonham em vender discos para sobreviver (Foto: Paulo Francis)
"Achamos um tesouro", disseram ao Lado B os amigos Adriano e Luciano ao Lado B, que sonham em vender discos para sobreviver (Foto: Paulo Francis)

Quando o Lado B foi até o encontro de Adriano Moraes, 38 anos, e Luciano Bispo de Souza, 43, no bairro Vila Piratininga, avistamos os dois sentados no meio-fio da calçada à nossa espera. Atrás deles, a casa simples onde vivem – herança da mãe – continuava sem energia elétrica já tem um bom tempo, assim como água encanada, e por isso o jeito foi esperar a equipe de reportagem do lado de fora. A rua estava um breu. Mas isso não impediu de vislumbrar um sorriso no rosto de um dos rapazes quando chegamos.

"Vamos até a quadra de cima que mostro onde conseguimos os discos de vinil", disse Luciano. Assim foi feito. Andamos mais à frente e em seguida viramos em uma rua lateral onde, logo adiante, Adriano apontou para um condomínio de kitnets pouco iluminado.

Conversa se deu na rua, em frente ao local onde ganharam o "presente" (Foto: Paulo Francis)
Conversa se deu na rua, em frente ao local onde ganharam o "presente" (Foto: Paulo Francis)

Naquele mesmo endereço, 4 anos atrás, uma senhorinha estava de mudança. A dupla de amigos perambulava o bairro à procura de algum lixo reciclável – ambos são catadores nas horas de aperto – e, ao passar por lá, ofereceram "serviço" à mulher.

"Pediu para que movêssemos o guarda-roupa de dentro para fora da casa. Assim que ajudamos, ela nos 'presenteou' com algumas caixas que iriam para o lixo, uma delas cheia de louças e vinis antigos", relembram.

Numa sacola improvisada, os dois tiraram os discos e foram mostrando um a um para a equipe de reportagem (Foto: Paulo Francis)
Numa sacola improvisada, os dois tiraram os discos e foram mostrando um a um para a equipe de reportagem (Foto: Paulo Francis)

Luciano admite ter se animado com o que foi cedido porque ele mesmo adora um item vintage. Em casa, até tinha um aparelho de som com toca disco, porém, sem agulha e energia elétrica, não havia jeito que funcionasse. Aquilo que sempre acham jogado na rua ou recebem de doação, a dupla costuma vender para ganhar algum tostão e assim vão sobrevivendo com o pouco que têm, empurrando com a barriga. Mas não foi o caso dos vinis, que ficaram bem guardados até hoje.

Aqui, Adriano mostra a capa de um dos álbuns (Foto: Paulo Francis)
Aqui, Adriano mostra a capa de um dos álbuns (Foto: Paulo Francis)

No total, são 13 discos que os amigos agora querem em vender para pagar suas contas. Ou pelo menos parte delas. "Na casa, o valor atrasado já é alto. Nós dois somos autônomos em oficinas mecânicas no bairro, eu como faz-tudo, Adriano como funileiro e pintor automotivo. Mas o serviço anda fraco, e a situação muito difícil. Trabalhamos só para sobreviver e nem isso está sendo mais o suficiente", afirma o mais velho.

Luciano tem fé em Deus que a vida dos dois hão de melhorar (Foto: Paulo Francis)
Luciano tem fé em Deus que a vida dos dois hão de melhorar (Foto: Paulo Francis)

Adriano acrescenta: "a gente se conhece há mais de 20 anos, então tudo que temos a gente divide. Hoje mesmo fui eu quem comprei a mistura para comermos. Amanhã, quem sabe, algum vizinho nos ajude ou então consigamos alguma outra coisa por aí. Um jardim para carpir ou qualquer outro bico já nos serve de base de troca, trabalho por alimento, banho, etc.", comentou o amigo.

Fazendo bicos em oficinas mecânicas, Adriano diz que é assim que vão sobrevivendo, cada dia de uma vez (Foto: Paulo Francis)
Fazendo bicos em oficinas mecânicas, Adriano diz que é assim que vão sobrevivendo, cada dia de uma vez (Foto: Paulo Francis)

Voltando aos discos. Tem versão de Julio Iglesias, hits de Rod Stewart, coletânea de Elton John, álbum de Lionel Ritchie, enfim, são vários artistas que nem eles dois conhecem. Foi um outro amigo, Ludam, que deu a ideia para os dois pesquisarem na internet os preços dos originais. Com o único smartphone que são donos, encontraram preços de encher os olhos – de R$ 500, R$ 1 mil, pra cima. Caso todos os vinis fossem vendidos nesse custo, já poderiam tirar o pé da miséria.

"Até tentamos vender ali pelo Centro e na antiga rodoviária, porém ninguém queria dar mais de R$ 3 por disco. Mas não vamos desistir. Tendo fé em Deus tudo é possível, e nossa vidinha há de melhorar", falou Luciano.

Os dois não vão desistir de conseguir um valor mais alto pela venda dos vinis (Foto: Paulo Francis)
Os dois não vão desistir de conseguir um valor mais alto pela venda dos vinis (Foto: Paulo Francis)

Por mais que ele seja campo-grandense, e Adriano o goiano de nascença que já chegou na casa dos 25 anos de MS, ambos não têm mais prazer em morar na Capital. O sonho conjunto agora não é feito de vinil, não tem lixo reciclável muito menos falta banho ou comida para matar a fome. Acostumados com a simplicidade, o que mais querem é largar a vida na cidade grande, ter um terreninho em Piraputanga e dar uma "plantada" até quando cansarem.

Quem se interessar pelos discos e quiser ajudar, o telefone para contato é o (67) 98133-9973.

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Além das dificuldades da vida, os amigos-irmãos dividem muito companheirismo (Foto: Paulo Francis)
Além das dificuldades da vida, os amigos-irmãos dividem muito companheirismo (Foto: Paulo Francis)
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