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Comportamento

Vizinhos ainda reagem com sinal da cruz, mas terreiro completa 32 anos de fé

Thaís Pimenta | 23/08/2018 08:40
Em festa, terreiro comemora 32 anos de exisência e 29 de registro em cartório. (Foto: Acervo Pessoal)
Em festa, terreiro comemora 32 anos de exisência e 29 de registro em cartório. (Foto: Acervo Pessoal)

Foi uma longa trajetória para chegar até aqui, tanto na vida pessoal da mãe de santo e fundadora da casa, Zila Dutra, quanto para o terreiro de Candomblé Ilê Dará, no bairro Santa Luzia. Mas comemora 32 anos  de portas abertas é a prova de a resistência é forte, apesar do preconceito.

No cartório, já são quase 30 anos de registro e Zila comemora.''Todos os dias! Porque todos os dias é um privilégio fazer o que a gente faz, ajudando as pessoas, orientando seu caminho de fé e até aconselhando psicologicamente'', pontua ela.

Zila foi criada em uma família de Testemunhas de Jeová e desde cedo diz aue apanhava por conta das incorporações. "Meus pais diziam que era errado, era negativo, e hoje eu tenho plena certeza de que lidamos com a fé mais pura''.

Aos 17 anos, quando foi a um centro espírita, teve a revelação. ''Ali me disseram que eu seria mãe de santo". Dos três filhos, apenas o mais novo segue os passos da mãe. O mais velho é pastor da Igreja Universal e  o filho do meio é ateu.

Lucas Junot é filho de Zila, e pai do Terreiro. Já Zila é fundadora e mãe da casa.
Lucas Junot é filho de Zila, e pai do Terreiro. Já Zila é fundadora e mãe da casa.

Há 32 anos, a iyalorixa Zila, como são chamadas as mães de santo dentro do Candomblé, não imaginava tudo que se tornaria o terreno com três quartos e uma cozinha que ela havia construído na Rua Santa Isabel. ''Começou do zero, não tinha nada, nem asfalto na avenida principal da Vila Santa Luzia. Eu comprei na intenção de colocar minha coisas e ter um lugar para realizar meus atendimentos pessoais, mas nunca pensei que chegaríamos onde chegamos''.

Sem dinheiro e sem imaginar o que estaria por vir, Zila optou por construir os quartos em palha e bambu. ''Mas até hoje precisamos arrumar o teto, que ainda tem problemas''.

O caminho é árduo porque a casa sobrevive com recursos próprios, sem ajuda governamental, apenas com doações dos filhos da casa. ''E uma tão antiga assim precisa de reformas constantes'', completa Zila.

O trabalho dentro do Ilê Dará vai além das datas comemorativas no calendário da fé: o terreiro também acolhe pessoas. ''Agora mesmo estávamos com duas senhoras acolhidas. E isso é constante, a gente sempre está acolhendo pessoas que precisam da gente, que estão com dificuldades, nem que que seja uma passagem, mas nós gostamos mesmo é que a pessoa não faça só passagem, que faça parte de verdade do grupo''. 

Os cerca de 50 filhos do terreiro se tem como família. Inclusive, quem frequenta, geralmente, faz parte de uma mesma família, são esposas, maridos, filhos e irmãos. ''Almoçamos juntos, lanchamos, se tiver que fazer uma faxina somos nós juntos e se tiver que comer um churrasco no domingo também, todo mundo junto''.

Salão dos orixás, que passou por reformas para receber a todos.
Salão dos orixás, que passou por reformas para receber a todos.

O preconceito é a única barreira, reforça ela. Até dentro do bairro, o Terreiro é visto com maus olhos, mesmo há tanto tempo em funcionamento. ''Nossas vestes rodadas, nossos panos na cabeça, nossas batas, todas as nossas roupas são apropriadas para a religião. É nossa identidade. Então, por exemplo, quando estamos limpando o lado de fora do mato aqui no Terreiro tem gente que muda de calçada. Quando esquecemos que estamos com as vestes e vamos ao mercado existem pessoas que ao cruzarem com a gente se benzem''.

O termo macumba, é o que mais se ouve. ''Na verdade nossa religião é milenar, religião afro-brasileira. E os macumbeiros são tidos como quem faz o mal, quem prejudica as pessoas, e muitas vezes não é esse o nosso trabalho''.

Mas Zila se dia protegida pela fé. ''O evangélico anda com a Bíblia dele debaixo do braço e nem por isso eu me benzo com medo dele. A gente gostaria também de ser respeitado'', completa.

Reformas continuam até hoje no Terreiro. (foto: Acervo Pessoal)
Reformas continuam até hoje no Terreiro. (foto: Acervo Pessoal)

Como mãe do centro, Zila é muito exigente em relação à educação religiosa, justamente porque até mesmo os pequenos sofrem preconceito dentro da escola. ''Uma de nossas crianças foi a escola usando fios de conta, nossa guia espiritual, e foi impedida de entrar. Até eu tive que me deslocar até o colégio e exigir que o direito da criança de estudar''.

Em relação a educação, Zila é taxativa: ''Nossa doutrina é que elas fujam das drogas, orientamos para o melhor caminho, afinal não admitimos o uso de drogas e nem mesmo vícios''. 

Aniversário - A comemoração a mais um ano de serviço espiritual aconteceu de forma modesta, aos pés dos orixás, no dia 17 de agosto. ''No registro está datado este dia de fundação, em 1989'', completa Zila.

A quem tem interesse de conhecer o Ilê Dará, Zila diz que todas as primeiras segundas-feiras de cada mês acontece atendimentos com consultas gratuitas. Para participar é preciso levar apenas o respeito e o interesse. ''As consultas começam às 20h, e nós não cobramos nada''. A casa fica na rua Rua Santa Isabel, 691, Santa Luzia.

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Lucas, filho de Zila, é o único que seguiu os passos da mãe.
Lucas, filho de Zila, é o único que seguiu os passos da mãe.
Zila com as vestes próprias para as cerimônias.
Zila com as vestes próprias para as cerimônias.
É na calmaria de uma casa, na Santa Luzia, que um dos terreiros mais antigos de Campo Grande comemora 32 anos.
É na calmaria de uma casa, na Santa Luzia, que um dos terreiros mais antigos de Campo Grande comemora 32 anos.
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