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Comportamento

O que leva uma pessoa a se apaixonar pela causa indígena?

Ângela Kempfer | 19/04/2012 09:20
O estudante Beethoven na aldeia Tey Kue, de Caarapó. (Fotos: Álbum pessoal)
O estudante Beethoven na aldeia Tey Kue, de Caarapó. (Fotos: Álbum pessoal)

Como técnico em Telecomunicações, Sérgio Bezerra conheceu todos os municípios de Mato Grosso do Sul e foi nas andanças que fez amizades com muitas pessoas. Até tentei começar a entrevista falando especificamente sobre os amigos índios que costuma visitar, mas para ele gente é gente e não cabem clichês como “como aprendeu a respeitar essa cultura” ou “o que os índios têm a nos ensinar.“

Com jeito simples, o homem de 56 anos explica: “Nunca aprendi a respeitar índio porque nasci sabendo respeitar as pessoas”. Mas logo se empolga e colabora com a reportagem que tenta descobrir o que faz de uma pessoa um apaixonado pela causa indígena.

Mesmo sem tomar para si o título de defensor, ou sair por aí em manifestações pelo direito à terra, ele demonstra que gosta de uma discussão sobre o assunto. “Eu defendo o que é verdade, o que eu vi. Até porque se não defendesse os índios estaria desrespeitando a mim mesmo. Quem não sabe que todo brasileiro tem um pouco de índio.”

Observador, Sérgio justifica porque gosta de visitar as aldeias e admira os amigos de lá. "Tenho amigos na aldeia Buriti, por exemplo, como tenho em outros lugares. A diferença é que quando converso com um amigo branco, o papo é só sobre construir, construir. Com índio não, todo mundo só quer o que necessário, não existe esse fascínio pela construção constante”.

O estudante Beethoven, de 19 anos, é o típico engajado. Participa de mobilizações, de grupo de estudo e de debates nas redes sociais. Quem escolheu o nome de batismo foi o pai, um fã da música clássica, de quem o filho cresceu ouvindo histórias sobre a bisavô Conceição, uma índia paraguaia.

“Não que ele ficasse falando do fato dela ser índia, mas falava tanto dos valores positivos, que isso ficou na cabeça”.

O rapaz cursa a faculdade de História desde os 17 anos, justamente na universidade que é referência em estudos sobre a população indígena de Mato Grosso do Sul, a UCDB. Como estagiário no Núcleo de Pesquisas da universidade, passou a conhecer a vida nas aldeias e pronto, o que era uma fresta aberta na infância virou paixão.

As surpresas depois disso não pararam. Em Caarapó, as fotos ao lado das crianças guarani são sempre de um estudante sorridente, de olhar brilhante. “Fico vendo o índio usando celular e ao mesmo tempo preservando as rezas tradicionais. É algo admirável a adaptação sem perder a essência”, comenta.

Nesses casos, paixão não se justifica por “química”, tem relação com atitudes. Beethoven lembra da primeira impressão, por exemplo, ao ver a escola da aldeia de Caarapó.

“Quem chega lá, vê aquele barro em volta da escola e pode pensar que é desleixo, mas só quem fica mais um pouco entende que a relação com a terra é outra. Eles valorizam o contato, sabem respeitar, gostam do que sempre foi natural e a gente tem de respeitar isso”.

Foto de Suki na aldeia Córrego do Meio, em Sidrolândia.
Foto de Suki na aldeia Córrego do Meio, em Sidrolândia.

De carona e com muita boa vontade, a jornalista Suki Ozaki já rodou este Estado para, por conta própria, registrar a luta, mas também a cultura do índio sul-mato-grossense.

Já enfrentou 3 dias de barco para chegar até os guató, acordou de madrugada com telefone de cacique guarani denunciando atentado e alguns episódios reforçaram a necessidade de ouvir esses povos. “Em 2007, ligaram para denunciar ataque contra a comunidade de Kurussu Ambá, em Coronel Sapucaia. Cheguei a ouvir o tiroteio pelo telefone”, conta.

A descendente de japonês nasceu no Amazonas, viveu 11 anos na França e quando retornou ao Brasil deu de cara com um conflito que nunca imaginou existir no “País da miscigenação”. “No Amazonas, os índios vivem mais afastados, na floresta. Aqui nós estamos muito próximos e isso faz o preconceito ser escancarado, isso choca. Em Dourados, por exemplo, negam trabalho só porque o cara é índio. Mesmo que seja de vendedor de picolé, a vaga vai para o branco".

Em Mato Grosso do Sul, em 2005, Suki passou a escrever sobre morte de crianças indígenas desnutridas, assassinatos de lideranças na luta por demarcação e a batalha judicial entre índios e fazendeiros.

Por mais que a profissão exija a tal imparcialidade, ela resolveu ter lado e não pensa duas vezes nos dias de folga (apesar de ser mãe) diante de alguma oportunidade de sair por aí ouvindo e registrando o que as comunidades têm a dizer.

Das experiências mais marcantes, ela lembra da viagem à ilha Guató, no Pantanal. A comunidade que sempre viveu na periferia de Corumbá, conseguiu retomar as terras dos ancestrais que estavam nas mãos do Exército e hoje as famílias moram lá, isoladas, como bons canoeiros que são.

Durante a viagem até a ilha de "500 Almas", como filmou o cineasta Joel Pizzini, Suki lembra ter ouvido muitos comentários do tipo “eles vivem lá, mas não fazem nada”, “a terra é boa, mas não plantam o que deveriam”, “se vendessem em Corumbá iam ganhar dinheiro”.

Mas nos 10 dias que conviveu com os guató entendeu porque a produção não funcionava aos moldes dos não-indios. "Os guató dizem que produzem o que precisam e pronto. Se fosse para plantar e vender para ganhar dinheiro, a ilha não duraria mais de 10 anos”

Dois conceitos encantaram Suki ao ver os índios mais de perto: respeito e desapego.

"Fiquei encantada com o respeito que o cacique tem pela esposa, dona Dalva. Tudo que faz ele compartilha com ela. Outra coisa de se admirar e que essa comunidade prova a cada dia que as pessoas podem ser felizes sem ter muita coisa".

Suki em Miranda.
Suki em Miranda.
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