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Comportamento

Professora que virou exemplo nem sequer pensava em um dia dar aulas

Paula Maciulevicius | 16/05/2012 09:28
Alexandra em sala de aula. (Foto: Minamar Junior)
Alexandra em sala de aula. (Foto: Minamar Junior)

Os sentimentos se confundem. Agora mais do que nunca. A "profemãe" divide dentro de si a alegria de ver os alunos/filhos em casa, na casa deles e que ninguém vai derrubar, mas sente saudades dos meninos correndo pelo pátio da escola.

“É um misto de felicidade que eles estão na casa deles, com a mãe deles, mas quando eu vejo aqui o grupinho, me dá uma tristeza”, conta a professora Alexandra Nazário, em meio à rotina na Escola Maria Tereza Rodrigues, no bairro Santa Emília.

Os meninos já estão matriculados no bairro Dom Antônio Barbosa, em outra escola, mas até agora, segundo relatos da mãe, eles não foram à aula nem debaixo de bronca.

“Ontem, quando fui lá, eles saíram descalços, na chuva e na lama e me grudaram. Isso não tem preço, é uma sensação de... Não sei nem o que falar”, a frase ela não termina e as lágrimas correm pelo rosto.

Alexandra, antes de se tornar a "profemãe", como foi apelidda, e recolher dois alunos gêmeos que estavam dividindo espaço com mais quatro irmãos em um barraco, depois da casa ser demolida, nem professora queria ser.

Foi na necessidade que ela percebeu o dom que tinha. “Eu fiquei desempregada e pensei em alguma forma de fazer algo para ganhar dinheiro. Tive ideia de aula particular, de reforço. As professoras da escola dos alunos começaram a notar que eles estavam avançando e passaram a me indicar”, lembra.

A casa da mãe tomou ares de sala de aula e Alexandra caiu em si. “Comecei a pegar gosto e vi que levava jeito”.

Se formou em 2009, mesmo ano em que foi aprovada no concurso da Prefeitura de Campo Grande. “E hoje amo de paixão, se pudesse escolher, escolheria de novo. É por amor mesmo, porque não tem atrativos. Os salários são baixos, a gente tem dificuldades na sala de aula, precisa se virar nos 30”, avalia.

A foto tirada pela profemãe, mostra os meninos na casa dela, montando um quebra-cabeça. (Foto: Alexandra Nazario)
A foto tirada pela profemãe, mostra os meninos na casa dela, montando um quebra-cabeça. (Foto: Alexandra Nazario)

A repercussão das matérias que o Campo Grande News escreveu sobre a comoção da professora ao recolher os alunos e depois da vitória em conseguir uma casa para a família morar surpreendeu quem fez o que fez apenas com o intuito de ajudar. "Começaram a falar de eu ser candidata a vereadora, não tem nada disso. Que bom que as pessoas ainda se sensibilizam com esse tipo de história", conta.

A partir da primeira história publicada, ela imprimiu o material e saiu de porta em porta. "Comecei a bater mesmo, Câmara Municipal, Prefeitura, Emha, incomodei todo mundo", diz.

A trajetória de ajuda não veio de agora, há poucos meses um dos gêmeos teve infecção. Ao perceber a ausência de um dos alunos, perguntou ao outro onde estava o irmão. "Ele sempre dizia está doente, está doente. Mas eu achei que fosse doente em casa", conta.

Ao descobrir que o menino estava no hospital, procurou pelo telefone da família na secretaria da escola e se ofereceu de ajudar. "A mãe dele disse que precisava de mantimentos para os meninos que tinham ficado em casa. Eu fiz uma compra grande de mercado e levei lá. Aí criamos um vínculo".

Os garotos na verdade não eram alunos dela. Passaram pelas mãos de Alexandra enquanto a professora oficial estava em licença médica. A ausência deles na escola, há um mês, pelo episódio da demolição da casa, ela percebeu mesmo estando à frente de outra turma de terceiro ano. "Eu acho que Deus já sabia que tudo isso ia acontecer, por isso ele me escolheu, para ajudar essa família e eu me sinto honrada em fazer isso", descreve.

O carinho é visível que Alexandra tem com os alunos e a forma como recebe de volta é de chamar a atenção. A cada vez que ela entra em sala de aula, os olhos dela brilham e ela cumprimenta um a um dos alunos. O que se houve é "profe, profe, profe" e a comemoração dos pequenos. Sinal do carinho recíproco.

Ela chora ao contar a história com os gêmeos.
Ela chora ao contar a história com os gêmeos.

A diretora adjunta da escola Maria Tereza Rodrigues, Rosinete de Jesus Nascimento, se surpreendeu com o gesto da professora. “De levar para casa é a primeira vez que eu vejo. Nunca vi ninguém fazer isso acolher, correr atrás como ela correu. Ela fez isso como pessoa, pela vontade de ajudar o próximo", avalia.

À frente de uma das maiores escolas da Capital, ela acredita que se cada professor fosse mais humano, evitariam inúmeros problemas. "Falta isso, às vezes se descobre em sala de aula que o aluno está com o pai preso. Para gente a Alexandra é um orgulho", elogia.

Alexandra conta ainda que não teve medo de represálias com a ação, por não estar fazendo nada de errado, muito pelo contrário. "Mesmo assim falavam você é louca, está em estágio probatório. Mas eu estou cumprindo não é nem o papel de professora, é o de ser humano. Mexeu comigo a história e foi uma lição muito grande de simplicidade, de carência, aprendi muito. Até a rever nossas atividades diárias", coloca.

Ela não fez nada disso sozinha. Em casa, teve o apoio do marido, também servidor público. "Ele levava os meninos para ir ao cinema, lanchar". Ela e o esposo agora querem ajudar outros alunos também. "O que é uma cesta básica para a gente? Para a gente não é nada e para eles é muita coisa. Se cada uma fizer a sua parte...", incentiva.

Para os meninos de dona Rose, Henrique e Eric, os alunos descritos nesta matéria, ela está recolhendo simbolicamente dinheiro entre os demais professores e funcionários da escola para comprar material de construção. "Queremos dar mais segurança para ela e as crianças. O terreno mede 10x20. Precisamos conseguir doações, de mão de obra já temos, o pessoal da igreja vai ajudar", pede.

A preocupação de Alexandra é também arrumar um emprego à mãe das crianças. Recicladora, Rosimeire Bezerra da Silva, 32 anos, disse em entrevista anterior ao Lado B que vai ver como é que funciona a reciclagem de material no bairro onde mora agora, Dom Antônio Barbosa. Onde morou até a casa ser demolida, Santa Emília, ela juntava pela rua. Quem conhece a realidade de região do lixão, se preocupa com as condições que dona Rose pode se submeter para por comida dentro de casa.

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