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Meio Ambiente

No Pantanal, onça “xereta” não aguenta “briga” com tamanduá bandeira

Projeto instalado no Refúgio Ecológico Caiman, em Miranda, habitua onças à presença humana e ajuda a preservar o animal. “Avistamentos” flagram tamanduás enfrentando onças pintadas

Izabela Sanchez | 04/01/2019 11:30
Xereta, a onça jovem, ao lado do tamanduá bandeira (Foto: Divulgação/Onçafari)
Xereta, a onça jovem, ao lado do tamanduá bandeira (Foto: Divulgação/Onçafari)

Os dois se rodeiam e parecem ensaiar passos de uma dança. Após alguns momentos nesse movimento, um deles consegue afugentar o companheiro. A “dança”, na verdade, é um confronto entre um tamanduá bandeira e uma onça pintada e quem levou a melhor, dessa vez, foi o tamanduá. O encontro inusitado foi uma das imagens que marcaram e “viralizaram” em 2018 e foi flagrada no pantanal sul-mato-grossense.

Quem conseguiu filmar o encontro entre os animais foi o projeto Onçafari, trabalho inovador que promove “habituação” das onças com os seres humanos. O “avistamento” dos animas, que ocorre com uso de carro adaptado, é alojado dentro do Refúgio Ecológico Caiman, em Miranda, a 201 km de Campo Grande.

Bióloga e coordenadora do Onçafari, Lilian Rampim explica que o “flagra” ocorreu no dia 6 de agosto de 2018, durante um entardecer, por volta das 18h33, um dos momentos, contou, mais propícios para o aparecimento das onças. Quem enfrentou um tamanduá bandeira adulto foi uma onça jovem, ou subadulta, a “Xereta”, como é carinhosamente chamada no projeto. Corajosa, a jovem onça estava testando as habilidades, mas a falta de experiência foi, provavelmente, o que fez com que ela perdesse a briga.

“Nós estávamos avistando a xereta. Ninguém imaginou que ela fosse aparecer. Foi no início do entardecer quando é o melhor momento para avistar as onças, e aí o tamanduá apareceu. A gente ficou super surpreso”, contou a bióloga. “Se fosse um animal adulto, experiente, ela não iria apanhar tanto como apanhou”, contou a bióloga.

Xereta, explicou, tem dois anos e pesa cerca de 75 quilos. “Ela estava sozinha, foi mexer onde não devia, começou a testar as habilidades, e acabou se dando mal, porque o tamanduá tem duas garras gigantes. Mas ela foi muito ágil”, explicou a coordenadora.

Uma das reações do tamanduá, sob estresse, foi salivar, explicou. A cena, apesar de rara, não é incomum. O embate que terminou com o tamanduá vencendo a briga já aconteceu outras vezes, contou Lilian.

“Já avistamos outras vezes. Eu lembro de um avistamento de uma mãe, uma fêmea de tamanduá, carregando um filhote nas costas e aí aconteceu uma tentativa de ataque, de uma outra fêmea de onça e ela também apanhou dessa mãe. As pessoas subestimam os tamanduás, acham que eles são lentos e bobos, mas farejam muito bem e na verdade galopam como um cavalo. As pessoas subestimam o bicho, as onças não”, esclareceu.

Confira o vídeo:

Onçafari – O Onçafari surgiu há 8 anos e buscou na África a inspiração e a técnica que unem preservação e turismo sem agredir a natureza.

“Surgiu através de uma ideia do fundador do projeto, Mario Haberfeld. O projeto trabalha com habituação, não envolve domesticação nem alimentação. Nós encontramos uma forma de visitar os animais todos os dias sempre no interior de um veículo, e eles entendem que o carro não é uma ameaça. Ele é feito naturalmente, e acabam se acostumando com a presença do ser humano. É um processo realizado na África há muitos anos”, comentou Lilian.

O processo de habituação da onça com os seres humanos, ainda assim, exige paciência, conta a bióloga. A tranquilidade do animal perto do veículo pode levar meses para ser atingida. “Exige um tempo, aos pouquinhos ela entende que o carro faz parte da paisagem. Hoje em dia a gente leva bastante turistas para lá e a gente está provando que a onça vale muito mais viva do que morta”, afirma.

Um bom lugar paras onças e tamanduás – Ecossistema que abrange boa parte de Mato Grosso do Sul, o pantanal é um bom lugar para os animais. É o que explica Ronaldo Morato, coordenador do Cenap (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros) do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Entre os motivos, conta, está a disponibilidade de alimentos.

“O pantanal tem uma grande disponibilidade de presas naturais, como o porco do mato, a anta e a capivara, que atraem a onça pintada”, explica. A farta alimentação, relata, faz com que as onças do pantanal atinjam tamanhos maiores do que outras regiões e chegam a pesar até 140 quilos. “São onças muito grandes comparadas a outros animais no Brasil”, afirma o coordenador.

Deitada, Xereta parece brincar com o tamanduá bandeira (Foto: Divulgação/Onçafari)
Deitada, Xereta parece brincar com o tamanduá bandeira (Foto: Divulgação/Onçafari)

O pantanal, explica, é uma das áreas naturais mais bem preservadas do Brasil, outro ponto favorável para a vida natural. “É muito favorável à ocorrência da onça e isso vem sendo mantido inclusive com a criação de gado, a convivência entre a produção pecuária e a naturez. Cada vez mais há um entendimento que podem conviver os dois”, explica.

Tanto a região norte como a região do pantanal, comentou, são propícias para avistar os animais. “O turismo tem se beneficiado do aumento de avistamento das onças. O nível de turismo no pantanal não é um risco ou ameaça para as espécies nativas”.

Ameaças - A mesma oferta de alimentos da região favorece o tamanduá, em especial na parte seca do pantanal, conta Ronaldo, mas as duas espécies estão, hoje, ameaçadas de extinção. “Estão na categoria vulnerável, que se dá principalmente pela destruição nas áreas onde é convertido em pastagem. O desmatamento é um dos fatores de ameaça, mas existe uma consciência cada vez maior para manter as áreas naturais”.

O embate que rendeu a melhor para o tamanduá, complementa Ronaldo, é uma espécie de “sorte de principiante”, assim como pontuou Lilian. Jovem e inexperiente, Xereta não foi páreo para o companheiro cheio de garras. “O predador faz a tentativa dele, nem sempre tem sucesso”, esclarece.

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