Aliança de Estado: como JBS, Fibria e políticos impulsionaram o Vale da Celulose
Estudo revela compadrio entre capital e poder para domínio do Leste de MS via financiamento de campanhas
O empresário Joesley Batista, da JBS, fez em março de 2017 uma revelação que, conectada aos fios soltos da “finada” Operação Lava Jato, se entrelaça ao ciclo da celulose de 2025 e lança luz sobre um dos segredos enterrados sob os eucaliptais do Leste de Mato Grosso do Sul: políticos procurados por ele durante a campanha de 2010 teriam atuado para destravar empréstimos bilionários no BNDES e viabilizar a instalação da fábrica da Eldorado em Três Lagoas.
RESUMO
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O Vale da Celulose, maior polo de produção de celulose do país, foi impulsionado por uma aliança entre empresas e políticos em Mato Grosso do Sul. Pesquisa do geógrafo Leandro Lelis revela que gigantes do setor, como JBS e Fibria, obtiveram benefícios públicos e financiamentos bilionários do BNDES em troca de expressivas doações eleitorais. Entre 2010 e 2014, período crucial para o desenvolvimento do setor, a JBS investiu R$ 360 milhões em campanhas políticas, enquanto a Fibria adotou estratégia regional. A ministra Simone Tebet destaca-se como figura central neste processo, tendo recebido significativo apoio financeiro das empresas durante sua trajetória política em Três Lagoas.
A suposta contrapartida está no centro da pesquisa do geógrafo Leandro Lelis, atualmente professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB) que investiga desde 2013 as várias faces da expansão do circuito produtivo do Vale da Celulose em Mato Grosso do Sul. Ele analisou as relações entre o público e o privado cruzando dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para revelar a via de mão dupla entre a conquista de privilégios públicos pelos gigantes do setor e o financiamento de campanhas dos mesmos políticos que os apoiaram. O estudo aponta que o compadrio entre capital e política foi o motor do progresso – e, no caso da JBS, juntando investigações dos órgãos de controle, desaguou no suborno como estratégia empresarial.
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BNDES e doações: engrenagem da expansão
De acordo com os dados do TSE reunidos por Lelis, empresas do setor fizeram doações expressivas a candidatos e partidos em retribuição aos benefícios recebidos do Estado em financiamentos com dinheiro público, renúncias tributárias generosas, infraestrutura ou flexibilização da legislação para “passar a boiada”. Parte de um amplo estudo, o recorte analisado leva o sugestivo título de “Capitalismo de Compadrio em Mato Grosso do Sul – Compreendendo as relações entre Estado e as Empresas Produtoras de Celulose” e mostra que a força política e os privilégios estatais foram determinantes para o uso corporativo do território. Hoje, cerca de 1,7 milhão de hectares de eucalipto formam o maior polo de produção de celulose do país – a commodity mais forte do agro sul-mato-grossense, e que escapou das tarifas impostas pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump.
Segundo a pesquisa, Eldorado e Fibria (incorporada ao grupo Suzano em 2019), incentivadas durante os dois mandatos do presidente Lula e o último do ex-governador e deputado estadual Zeca do PT, obtiveram juntos quase R$ 7 bilhões em empréstimos do BNDES. A Eldorado ficou com 49,4% desse montante, mesmo com apenas uma linha de produção, enquanto a Fibria, com duas linhas, recebeu 56,6%. A desproporção, segundo Lelis, se explica pelo grau de influência política do Grupo JBS, associado à diversidade de seus produtos e ao elevado volume de doações nas eleições.
Campanhas irrigadas e alianças estratégicas
A reciprocidade se manifestaria nas campanhas de 2010, 2012 e 2014 – período que compreende as primeiras doações do setor de celulose e termina com a proibição de doações empresariais pela Lei 13.165/2015, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff. Na disputa presidencial de 2014, Dilma foi a maior beneficiária dos recursos da JBS.
Naquele ano, a empresa destinou R$ 2,7 milhões a partidos em MS: PMDB ficou com R$ 1,5 milhão; PT, R$ 1 milhão; e PSDB, que engatinhava como força política regional, “míseros” R$ 200 mil. No total nacional, o PT levou R$ 13 milhões, e o PSDB, R$ 8,2 milhões.
No Estado, em 2010, o ainda PMDB venceu com André Puccinelli, e a hoje ministra do Planejamento, Simone Tebet, foi eleita vice-governadora após um mandato como prefeita de Três Lagoas. A Fibria, mais modesta, doou R$ 410 mil a sete candidatos, sendo R$ 150 mil para Puccinelli e R$ 80 mil ao PT. Nacionalmente, suas doações somaram R$ 4,5 milhões.
Já em 2012, enquanto a JBS concentrou R$ 20,2 milhões em doações para diretórios nacionais de PSDB, PMDB, PT e PSB, a Fibria adotou uma estratégia paroquial: doou R$ 280 mil para campanhas municipais em Três Lagoas, Brasilândia, Ribas do Rio Pardo, Selvíria e Água Clara, onde mantém operações.
A maior fatia foi para o PMDB. Parte também foi para Edson Giroto, candidato em Campo Grande, por sua ligação com o PMDB e a JBS. Giroto viria a ser investigado por corrupção no mesmo processo que levou Puccinelli à prisão por propinas supostamente pagas pela JBS.
A Fibria ainda destinou R$ 170 mil aos partidos em MS: R$ 55 mil para PT e PSDB, R$ 30 mil para o PMDB e R$ 30 mil para o PTdoB. Nacionalmente, a JBS doou R$ 20 milhões e a Fibria, R$ 3,5 milhões.
Se o período entre 2010 e 2014 marcou a arrancada que daria no que ficou oficialmente conhecido como Vale da Celulose, também foi o auge do compadrio político-empresarial. A JBS, com R$ 10 bilhões em financiamentos no BNDES, despejou R$ 360 milhões em campanhas. Foi a maior financiadora das candidaturas de Dilma e Aécio Neves, numa proporção de três por um em favor da petista. O escândalo levou o Congresso a proibir doações empresariais no ano seguinte.
Curiosamente, em 2014, a Eldorado só fez uma doação: R$ 1 milhão ao ex-senador Fernando Bezerra, do PSB de Pernambuco. Em Mato Grosso do Sul o grupo investiu R$ 16 milhões na eleição: R$ 10 milhões ao PSDB e R$ 5 milhões ao PMDB, dos quais R$ 3,26 milhões foram para Nelsinho Trad, candidato do partido ao governo. Ele perdeu, mas Simone Tebet foi eleita senadora com apoio da JBS, que lhe destinou R$ 1,72 milhão – oito vezes mais que Delcídio do Amaral, do PT, que chegou ao segundo turno na disputa pelo governo. A Fibria também a beneficiou: deu-lhe R$ 100 mil, o dobro do repasse a Tereza Cristina (PP).

Queridinha
Como não há almoço grátis num mundo da política e os donos do PIB, o avanço do setor contaria com forte articulação entre os entes federativos. O governo federal teve papel estratégico ao liberar bilhões em créditos via BNDES e outros fundos públicos, além de formular planos industriais voltados à atração de grandes conglomerados. No âmbito estadual, incentivos fiscais de longo prazo, flexibilização de normas ambientais e zoneamentos legalizaram terras para o avanço do eucalipto com segurança jurídica aos investidores.
Já os municípios, com destaque para Três Lagoas, que chegou a abrir mão de R$ 300 milhões só de impostos sobre serviços, atuaram diretamente na atração de indústrias ao oferecer terrenos, isenções de tributos e infraestrutura urbana e logística, moldando-se às exigências das empresas. Esse alinhamento institucional formou as bases do Vale da Celulose instituído por decreto estadual.
O pesquisador Leandro Lelis não tem dúvidas de que, embora todos os políticos de expressão no Estado nos últimos 25 anos tenham se beneficiado e apoiado as grandes empresas de celulose, a ministra Simone Tebet se destaca, para o bem ou para o mal, como “a grande figura política” do ciclo da celulose.
“Simone Tebet foi a incentivadora e ainda é uma aposta dos gigantes da celulose. Ela faz parte da elite local associada aos empreendimentos, herança de seu pai (o ex-presidente do Congresso, Ramez Tebet)”. O pesquisador diz que é inegável a força da celulose na economia regional, mas ressalva que o volume de concessões e os riscos deixam dúvidas sobre a estratégia. “É consenso entre os que estudam o tema que pode não valer a pena”.