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Convivência com a seca na borda oeste do Pantanal

Por José Aníbal, Frederico Olivieri e Sandra Crispim (*) | 19/12/2014 17:38

O período da seca representa uma época de dificuldades para vários produtores da região dos assentamentos do município de Corumbá, Mato Grosso do Sul. Mesmo com a menor oferta de alimentos para os bovinos, muitos produtores rurais ainda desconhecem as alternativas para suplementar a nutrição dos animais nessa época.

As cultivares de gramíneas forrageiras mais produtivas, por exemplo, não têm garantido uma maior disponibilidade de alimento para os animais ao longo do ano por serem muito abundantes durante o período das águas e escassas durante a seca. Isso pode ser observado em quase todo o território nacional e não é diferente do que ocorre aqui no Pantanal.

Os assentamentos da região, quase todos localizados na Borda Oeste do município de Corumbá, têm como principal atividade econômica a pecuária bovina de dupla aptidão, com ênfase na produção de leite e queijos – comercializados nas feiras livres do município. A escassez da alimentação bovina, com menor produção e qualidade de forrageiras no período da seca, afeta significativamente a principal atividade econômica dos assentados. Essa lacuna precisa ser corrigida, pois provoca grandes prejuízos aos produtores.

Os pesquisadores da Embrapa Pantanal têm buscado alternativas para solucionar esse vazio alimentar que, todos os anos, acontece na maioria dos assentamentos da região. Para isso, várias tecnologias foram adaptadas e implantadas em algumas propriedades, buscando demonstrar, capacitar e orientar os assentados a produzir e preparar alimentos para os animais com base nos recursos forrageiros. Embora vários desses recursos estejam disponíveis na maioria das propriedades e existam condições locais favoráveis para a conservação e utilização na forma de feno e silagem, esses produtores não os utilizam por desconhecimento – e, principalmente, por não haver extensão rural na região.

Uma das tecnologias repassadas aos produtores foi a utilização da parte aérea de algumas plantas consideradas, até então, como invasoras. São elas: o algodão de seda (Calotropis procera) e a aromita (Vachellia farnesiana) – que são encontradas, espontaneamente, na maioria dos assentamentos. Outra recomendação repassada para atender às exigências de manutenção e produção dos animais, principalmente de vacas leiteiras, foi o uso de feno e/ou silagem de espécies mais proteicas como a leucena (Leucaena leucocephala), feijão guandu (Cajanus cajan), moringa (Moringa oleifera) e a parte aérea da mandioca de mesa (Manihot esculenta).

Essas espécies podem ser fornecidas diretamente no cocho aos animais ou em misturas co cana-de-açúcar + ureia, formando um composto rico e nutritivo, capaz de manter o nível da produção e evitar a morte dos bovinos. A utilização do secador solar e o uso de silos para as atividades de produção de feno e de silagem, respectivamente, foram usados na capacitação dos assentados para cultivar e fornecer esses alimentos volumosos como alternativa contra o grave problema da falta de alimento para os animais.

Economicamente, uma das melhores opções encontradas para suplementar a alimentação dos bovinos nos assentamentos durante a época da seca foi o cultivo da cana-de-açúcar, por ter um baixo custo na implantação, cultivo, corte e fornecimento no cocho. Para essa recomendação, os técnicos da Embrapa Pantanal levaram em conta, principalmente, as características de solo e clima da região dos assentamentos.

Essa forrageira destaca-se pela alta produção de matéria seca (90 a 120 toneladas por hectare em um único corte) e por manter o seu potencial energético durante o período seco do ano. O valor nutricional dessa gramínea não está diretamente relacionado ao conteúdo de proteína, que é extremamente baixo (na ordem de 2 a 3% na matéria seca), mas ao alto teor de açúcar na matéria seca, que pode chegar a 50%, permitindo o seu uso como fonte de energia.

Em mistura com a ureia pecuária + sulfato de amônio, a cana-de-açúcar garante uma alimentação mais adequada para os bovinos. O sistema cana picada + ureia + sulfato de amônio pode ser utilizado também para ovinos e caprinos na concentração de até 1% após um período de adaptação de 7 dias. A cana-de-açúcar pode ser colhida e armazenada inteiramente à sombra por até 3 dias; entretanto, deve-se picar para o trato apenas a quantidade a ser usada no dia, evitando, assim, a sua degradação e perda da qualidade.

O uso da tecnologia cana-de-açúcar + ureia é muito simples e envolve duas operações para uma utilização segura, evitando riscos de intoxicação dos animais. Na primeira semana (período de adaptação da flora do rúmen ao metabolismo da mistura), é preciso seguir os seguintes passos: para cada 100 kg de cana-de-açúcar fresca picada, adicionar 0,5% (ou seja, 500 gramas) da solução ureia + sulfato de amônio, diluída previamente em 4 litros de água. Os 4 litros de água são suficientes para fazer uma mistura homogênea com a cana picada e facilitar a dissolução da uréia e do sulfato de amônio.

Da segunda semana em diante, conhecida como período de trato ou de alimentação, prepara-se a mistura da mesma forma. Entretanto, para os 100 kg de cana picada, a quantidade da solução ureia + sulfato de amônio passa para 1% (ou seja, 1 kg). O consumo médio diário dessa mistura para vacas adultas é de, aproximadamente, 5% de peso vivo (20 kg, em média, para uma de 400 kg).

Para garantir uma maior segurança na formulação e utilização da mistura cana-de-açúcar + ureia na alimentação dos animais, seguem algumas recomendações práticas:

Usar variedades de cana mais produtivas, com alto teor de açúcar e de porte ereto, para facilitar a colheita;
Picar a cana somente no ato de preparo da mistura e de seu fornecimento; Obedecer rigorosamente as proporções recomendadas;

A mistura deve ser bem uniforme para evitar a intoxicação dos animais;

Observar os animais diariamente no período de adaptação. Após o período de adaptação, a mistura deve ser fornecida à vontade; Utilizar cochos suficientes, bem dimensionados, para garantir o livre acesso dos animais à mistura; Cochos descobertos devem ser perfurados para facilitar o escoamento das águas das chuvas; Limpar os cochos e jogar fora as sobras do dia anterior; Fornecer sal mineral e água à vontade aos animais;

Atentarparaoslocaisondeoataquedeabelhaséintenso.Amisturadeveserfornecidanofinalda tarde, ou deve-se acrescentar à mistura uma solução de cal hidratada (na proporção de 1 kg de cal para 100 kg de mistura de cana picada), que afugenta as abelhas e melhora a digestibilidade da cana.


Obedecendo às recomendações técnicas, dificilmente são observados casos de intoxicação de animais alimentados com essa mistura. Caso ocorra algum sinal de intoxicação (salivação em excesso, respiração ofegante e rúmen dilatado), ministre rapidamente vinagre “goela abaixo” do animal (duas garrafas normalmente são suficientes) e movimente-o. Se os sintomas persistirem, busque imediatamente a orientação de um médico veterinário.

(*) José Aníbal Comastri FIlho (jose.comastri@embrapa.br), pesquisador da Embrapa Pantanal; Frederico Olivieri Lisita (frederico.lisita@embrapa.br), pesquisador da Embrapa Pantanal; Sandra Mara Araújo Crispim (sandra.crispim@embrapa.br), pesquisadora da Embrapa Pantanal

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