A autonomia da Auditoria-Fiscal do Trabalho não pode ser violada
Recebemos com enorme preocupação a notícia de que o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, decidiu avocar a competência de decidir sobre autuações feitas por Auditores-Fiscais do Trabalho contra a empresa JBS Aves Ltda., suspendendo inclusive a inclusão da companhia no Cadastro de Empregadores Responsabilizados por Exploração de Trabalho em Condições Análogas às de Escravo, a chamada "lista suja". Trata-se de uma medida atípica, que representa um precedente perigoso para a autonomia da Inspeção do Trabalho no Brasil.
A fiscalização em questão ocorreu em abril deste ano, no Rio Grande do Sul, e constatou a existência de trabalhadores em condições análogas às de escravo em granjas fornecedoras da empresa. O trabalho realizado pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, como em todas as operações, foi pautado em rigor técnico, jurídico e na experiência de uma equipe altamente qualificada. Não pairam dúvidas sobre a legalidade e a solidez do processo que resultou nas autuações.
A decisão ministerial, no entanto, interfere diretamente em matéria eminentemente técnica, que é atribuição exclusiva da Auditoria-Fiscal do Trabalho, vinculada à Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT). É fundamental lembrar que essa estrutura tem suas competências asseguradas pela Lei nº 10.593/2002, pelo Regulamento da Inspeção do Trabalho e pela própria Constituição Federal, que em seu artigo 21, inciso XXIV, garante a não interferência externa na organização, planejamento e execução das ações de fiscalização.
Mais do que uma questão administrativa, estamos diante de um episódio que afronta compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que resguarda a independência da inspeção. Romper com esse princípio é fragilizar um sistema centenário, criado em 1891, que tem sido uma das maiores garantias de proteção social e de combate a violações de direitos humanos no mundo do trabalho.
Enviamos nossa adesão à manifestação da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) sobre a avocação ministerial do processo administrativo envolvendo a JBS Aves Ltda., que poderia resultar na inclusão da empresa no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo. A Delegacia Sindical do SINAIT em Minas Gerais posiciona-se firmemente porque a presente avocação representa um claro retrocesso na política pública de combate ao trabalho escravo.
Defender a autonomia da Auditoria-Fiscal do Trabalho é defender a democracia, a justiça social e a dignidade da classe trabalhadora. A atuação independente dos Auditores-Fiscais é a garantia de que interesses políticos ou econômicos não se sobreponham à lei e à proteção da vida humana. É preciso que se restabeleça o devido respeito a essa instituição, que tem servido ao Brasil com competência, coragem e compromisso inabalável com os direitos fundamentais.
(*) Ivone Corgosinho Baumecker é Auditora-Fiscal do Trabalho e presidente da Delegacia Sindical em Minas Gerais do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (DS/MG – SINAIT).
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