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A história do Campo Grande News carrega melhor virtude do capitalismo

Por Graciliano Rocha* | 04/03/2019 07:00

Uma das ilusões de viver no presente é que todas as decisões do passado, as que deram certo e as que deram errado, parecem todas elas muito óbvias hoje em dia. O momento em que o empresário Miro Ceolim e o jornalista Lucimar Couto decidiram por no ar o Campo Grande News, em março de 1999, era miseravelmente ruim para investir em um novo negócio.

Em janeiro de 1999, o Plano Real, que domou a inflação nos quatro anos anteriores, parecia fazer água. A moeda sofreu uma brutal desvalorização, o País embicou para uma recessão e a confiança de empresários e consumidores na economia havia despencado.

Embora o consenso de que a internet fosse ganhar cada vez mais espaço na vida das pessoas pelo mundo afora, ela ainda era vista como uma coisa do “futuro”, isto é, não para agora. Se os negócios digitais já movimentavam fortunas da noite para o dia na Nasdaq (parte da exuberância irracional do mercado de ações americano nos anos 90), no Brasil operações de notícias online ainda engatinhavam e eram consideradas quase uma coisa de nerds nas redações tradicionais. Nenhum dos grandes grupos de mídia do país soube estruturar um negócio na internet de imediato. Pra falar a verdade, muitos até hoje não conseguiram.

Um exemplo instrutivo da virada do século: naquela época, a Abril enterrava rios de dinheiro tentando criar um titã no mercado de tv por assinatura. Embora o grupo comandado por Roberto Civita tivesse o mérito de buscar a diversificação, o foco no lugar errado cobrou seu preço. O endividamento gigantesco que começou nos anos 1990 está no DNA da crise que levou a maior editora de revistas do país à recuperação judicial em agosto de 2018.

No Mato Grosso do Sul, nenhum dos principais grupos de mídia se interessava pela internet. Surgiram até operações vistosas para distribuir notícias...em papel. Parece óbvio hoje em dia que jornais produzem valor com notícia, não com papel. Mas isso não era nada óbvio em 1999. Quem não se lembra do fim do tradicional Diário da Serra? Ou da Folha do Povo?

A substituição de negócios por outros mais aptos em virtude das transformações tecnológicas é o que se chama de destruição criativa, uma das essências do capitalismo.

Quando nasceu, o Campo Grande News era uma start-up antes mesmo dessa palavra adquirir o significado que tem hoje. Miro era o cara que entendia de internet (havia investido em provedores de acesso numa era em que as teles não monopolizavam este serviço). Lucimar era um dos melhores jornalistas do Mato Grosso do Sul.

Certa vez ouvi do Lucimar que ele ficou cético quando o Miro propôs a sociedade num site de notícias. “Mas o pessoal das Moreninhas vai ler isso?”, perguntou ele, desconfiado. Não era uma dúvida inteiramente descabida já que todo o mercado continuava apostando em papel, rádio e tv e a internet não era uma presença universal como hoje. O futuro sócio o convenceu que sim.

É aí que brilha o talento empresarial do Miro Ceolim: apostar contra o consenso do mercado exige sangue frio, mas recompensa bem quem consegue enxergar primeiro onde é que se pode produzir valor novo para as pessoas.

O primeiro efeito do Campo Grande News foi encurtar o tempo em que os sul-mato-grossenses levavam para se inteirar das decisões do poder público, das intrigas da política, dos crimes que acontecem nas cidades e dos resultados da loteria. Com o seu surgimento, o leitor tradicional dos jornais não precisava mais esperar pelo dia seguinte, com um processo de indústria gráfica no meio, para se informar.

Isso foi o primeiro passo: com a audiência, vieram os anúncios e, deles, o reinvestimento em crescimento do negócio. Com cinco anos de existência, o foco do Campo Grande News já estava em furos de política, Judiciário e polícia. Nosso noticiário repercutia instantaneamente no Parque dos Poderes. Já era, portanto, um concorrente sério para a mídia estabelecida.

Por volta de 2005, o site também passou a investir em histórias de apelo humano, contando a história de personagens interessantes, o que contribuiu para que ganhássemos leitores novos. Muitos deles jovens, que não tinham hábito de ler jornais. Para mim, isso parece uma excelente definição de sucesso editorial.

Uma breve consideração de caráter pessoal. Trabalhei no Campo Grande News em dois períodos: em 2000, quando como correspondente em Dourados, a redação era uma sala diminuta onde cabiam três pessoas; entre 2005 e 2007, chefiei a redação (aos 28 anos) e fui repórter de política/investigação. O meu trabalho era buscar aquilo que a concorrência não tinha e, olhando em retrospectiva, essa experiência foi fundamental para que eu construísse minha carreira na chamada grande imprensa.

Com o Miro, conversei pouco e protocolarmente em raríssimas ocasiões sociais. Já o Lucimar Couto foi meu chefe direto naqueles anos e nos falávamos com bastante frequência. Às vezes, muito mais do que eu desejava. Lembro de uma tarde corriqueira em que ele me telefonou 14 vezes. Catorze. Querendo saber detalhes da minha apuração, para reclamar do que faltava, para passar dicas e para planejar o que a gente ia fazer no final do dia. Brigávamos e fazíamos às pazes quase todo dia. Era uma relação de amor e ódio, mutuamente alimentada e correspondida. Mas seu alto grau de exigência empurra as pessoas para frente.

Gente obsessiva como ele consegue ser muito irritante, mas tem o tipo de fibra para edifica coisas relevantes. Como é o Campo Grande News.

(*) Graciliano Rocha, 42, é jornalista. Atualmente é editor do BuzzFeed News no Brasil. Entre 2008 e 2016, foi repórter na Folha de S.Paulo, baseado em Porto Alegre, Salvador, Paris e São Paulo. Formado em jornalismo pela UFMS.

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