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A inconstitucionalidade que avança no Senado

Por Marcos Leandro do Nascimento (*) | 07/10/2017 08:51

A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal aprovou, na última quarta-feira (04/10/2017), regras que permitem a demissão de servidor estável por ‘insuficiência de desempenho’.

Trata-se do projeto de lei sob no 116 de 2017 de autoria da Senadora Maria do Carmo Alves (DEM/SE) que dispõe sobre a avaliação periódica dos servidores públicos da União, dos Estados e dos Municípios, e sobre os casos de exoneração por insuficiência de desempenho.

Uma das funções da CCJ é, justamente, avaliar a constitucionalidade e a conformidade do projeto de lei com os princípios que regem o ordenamento jurídico pátrio. Portanto, é precípuo básico da comissão declarar a inconstitucionalidade quando assim couber, não permitindo que a proposição seja submetida ao voto da Casa.

Assim sendo, as doutrinas constitucionais costumam classificar a inconstitucionalidade em duas modalidades de acordo com o tipo de vício ocorrido na edição de leis ou atos normativos, a saber:

1) formal – aquela que envolve mácula no processo de produção da lei, ou seja, a lei foi editada em desconformidade com as regras constitucionais;

2) material – aquela que o conteúdo da lei se encontra em desacordo com o conteúdo das normas constitucionais.
A partir do entendimento das espécies de inconstitucionalidade é possível verificar que o referido projeto de lei possui tanto o vício formal quanto o material.

Veja o que aduz o § 1o do art. 61 da Constituição Federal: “São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: [...] II – disponham sobre: [...] c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria”.

Portanto, é de responsabilidade do Presidente da República deflagrar o processo legislativo. Para o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 2856/ES, nem mesmo a sanção do Chefe do Poder Executivo Federal tem o poder de suprir o vício de iniciativa existente na origem do projeto de lei.

Logo, está evidente a inconstitucionalidade formal do supracitado projeto de lei, tendo em vista que o mesmo teve sua iniciativa através da Senadora Maria do Carmo Alves.

Ademais, a proposta fere o pacto federativo e, consequentemente, evidencia outro vício, desta vez, a inconstitucionalidade material.

O artigo 18 da Constituição Federal exterioriza: “Organização Político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

Por consequência, os entes federados e os municípios possuem capacidade de auto-organização, autoadministração e autogoverno.

Concomitantemente, deve-se analisar o artigo 39 da Carta Magna que declara: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”.

Deste modo, é notório observar que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm o poder de legislar sobre o regime jurídico de seus respectivos servidores e executá-los, respeitando os ditames constitucionais.

No âmbito federal foi editada a lei 8.112/93 que se aplica aos servidores da União. No Mato Grosso do Sul tem-se a lei 1.102/90. Já o município de Campo Grande possui a lei complementar 190 de 2011.

Essa diferenciação sobre os diferentes regimes jurídicos em cada ente federativo é decorrência do pacto federativo, individualizando as competências de cada ente federado.

O importante é que todos eles devem conviver harmonicamente, sem que haja uma relação de subordinação, ainda que a União possua competência de editar normas gerais aplicáveis a todos membros federados.

Portanto, a inconstitucionalidade material localiza-se no parágrafo único do artigo 1o do mencionado projeto de lei que prevê: “Subordinam-se ao regime desta Lei Complementar todos os órgãos e entidades da Administração Pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Dado que, conforme já transcrito, ao determinar que uma lei federal tenha influência sobre matéria relacionada à autonomia dos entes federados viola materialmente o artigo 39 da Constituição Federal.

Diante do exposto, em que pese a importância de prosperar a eficiência e qualidade dos serviços prestados pela Administração Pública, promulgando leis que exijam avalições temporárias do desempenho de seus servidores, não se pode fazê-los descumprindo regras constitucionais que balizam todo o ordenamento jurídico.

Ao se desrespeitar a maior lei da nação criará uma imensa insegurança, reduzindo a liberdade dos entes e conturbando a hierarquia dos servidores, pois não se saberá a qual ente político o servidor pertencerá e nem mesmo qual legislação será aplicável.

O supradito projeto passará ainda por três comissões: a Comissão de Assuntos Sociais, a Comissão de Direitos Humanos e a Comissão de Transparência e Governança, antes de seguir para o plenário do Senado.

Embora não seja função originária das demais comissões, elas poderão interromper a tramitação da matéria declarando sua inconstitucionalidade. E que assim seja.

(*) Marcos Leandro do Nascimento é pós-graduado em Direito Constitucional.

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