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A voz que rompe o silêncio das mulheres

Por Luiza Brunet (*) | 21/07/2025 08:30

Sou uma mulher de 63 anos que acredita, com a alma inteira, que liberdade é um direito que nenhuma de nós deveria negociar. Toda mulher — seja qual for sua origem, cor, credo ou condição — tem o direito de viver sem medo, com dignidade e autonomia. Mas liberdade verdadeira exige independência: econômica, emocional e estrutural. Num país onde milhões de pessoas enfrentam a fome, esse caminho é mais difícil — especialmente para as mulheres. Ainda assim, é urgente.

Trabalho desde menina. Aos 10 anos, em Itaporã (MS), empurrava minha carrinhola pelas ruas do vilarejo vendendo bico de garrafa, antes mesmo de existir garrafa PET. Filha de uma costureira do interior do Rio de Janeiro e de um agricultor natural de Sobral, no Ceará, sou a segunda de oito irmãos. Nada me foi dado — tudo foi conquistado com esforço, disciplina e coragem. Esse é o valor que transmiti a meus filhos, Yasmin e Antônio: o trabalho como ferramenta de dignidade e transformação.

Fui muitas mulheres ao longo da vida. Em 2016, tornei-me uma mulher marcada por uma dor que tantas outras conhecem: a violência doméstica. Tive costelas fraturadas, lesões visíveis no rosto e feridas invisíveis que levaram tempo para cicatrizar. Quando decidi romper o silêncio, sabia que não falava apenas por mim — mas por milhões que não conseguem ou não podem falar.

A partir dessa experiência, nasceu em mim um propósito: dar voz às mulheres silenciadas. Levo esse compromisso para onde quer que eu vá. Nos últimos anos, participei de audiências na Organização das Nações Unidas, no Parlamento Europeu e em conferências sobre direitos humanos em países como Alemanha, Suíça, Argentina e Portugal. Fui convidada a falar no Museu da Fifa, em Zurique, sobre o papel do esporte no enfrentamento à violência de gênero. Estive em universidades, centros comunitários, abrigos e fóruns populares. Porque onde houver uma mulher ferida, ali é meu lugar.

Ouço com atenção. Escuto histórias de vida, perdas, sobrevivência e esperança. E devolvo com a minha presença uma mensagem simples e profunda: vocês não estão sozinhas. Esse é o poder do testemunho — ele ilumina caminhos, rompe muros, transforma realidades.

Também abracei a causa dos refugiados. Em países como Venezuela e Itália, conheci mulheres que perderam tudo, mas não perderam a força. Aqui no Brasil, estive com famílias vindas de Venezuela, Congo, Síria. Todas trazem no olhar a marca da dor e, ao mesmo tempo, a beleza da resistência. Acolhê-las, ouvi-las e defender seus direitos é parte do mesmo compromisso que me move desde sempre: lutar contra todas as formas de injustiça.

Nos últimos dois anos, estive no Rio Grande do Sul em momentos de tragédia, levando apoio e visibilidade às mulheres atingidas pelas enchentes. Vi, mais uma vez, que são elas — especialmente as de baixa renda — que sustentam a sobrevivência com coragem, mesmo diante do abandono. São essas mulheres que mais me comovem e me mobilizam.

Meu ativismo é incansável porque nasce de um lugar verdadeiro. Engajo-me apenas nas causas em que acredito com o coração inteiro. Não me omito. Não aceito a naturalização da violência. Não tolero o silêncio imposto. Quero, sim, usar minha voz, minha história e minha trajetória para inspirar, denunciar e construir um futuro mais justo.

Sigo caminhando com coragem. Com escuta atenta e alma inteira. Porque sei que, em algum lugar, há uma mulher esperando ser vista, ouvida, respeitada. E, para ela, eu direi:

— Estou aqui.

Eu vou para onde me chamarem.

(*) Luiza Brunet, ativista internacional pelos direitos das mulheres e refugiados, palestrante global e embaixadora de causas sociais

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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