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Carta aberta aos intelectualmente prejudicados

Por Cristiane Lang (*) | 12/08/2025 08:30

A preguiça de aprender no novo mundo

Vivemos em um tempo curioso. Um tempo em que o conhecimento está ao alcance de um clique, mas a vontade de aprender parece cada vez mais distante. Um tempo em que a ignorância deixou de ser uma condição a ser superada e passou a ser, em muitos círculos, uma bandeira de orgulho. A preguiça de aprender não é apenas uma tendência — é uma epidemia silenciosa que mina o progresso, fragiliza o senso crítico e empobrece a convivência.

Este artigo é uma carta — direta, crítica e necessária — aos intelectualmente prejudicados. Não àqueles que enfrentam limitações cognitivas genuínas, mas àqueles que, tendo plenas capacidades, optam por não usá-las. Aos que rejeitam o estudo, que desprezam o aprofundamento, que escolhem viver da superficialidade dos “reels”, “stories”, manchetes e frases de efeito, evitando qualquer contato com o incômodo da reflexão.

O novo mundo e sua comodidade mental

No novo mundo, a informação é vasta, mas o esforço é mínimo. Basta perguntar a um assistente virtual, assistir a um vídeo curto ou rolar infinitamente a tela para se sentir informado. Mas informação não é conhecimento. Informação não é sabedoria. Informação sem digestão é apenas entulho mental. E é esse entulho que tem moldado opiniões, definido votos e sustentado debates vazios.

A preguiça de aprender nasce do conforto. Aprender exige tempo, disposição, humildade. E nada disso é compatível com a pressa ansiosa e o ego inflado que dominam os dias de hoje. O aprendizado verdadeiro não é instantâneo, não se apresenta em forma de entretenimento, não agrada sempre. Muitas vezes, ele irrita, desafia, provoca — exatamente como deveria ser.

A rejeição da dúvida

Outro sintoma grave dessa preguiça intelectual é a incapacidade de lidar com a dúvida. Vivemos a era das certezas fáceis, das opiniões sólidas baseadas em absolutamente nada. Questionar virou afronta. Reconhecer que não se sabe virou fraqueza. E assim, cria-se uma sociedade onde se fala muito e se ouve pouco, onde se julga mais do que se investiga, onde se repete mais do que se reflete.

Não é à toa que tantos são facilmente manipulados. A preguiça de aprender cria uma mente vulnerável, moldável por narrativas simples, polarizadas e sedutoras. Uma mente que não sabe pesquisar, que não suporta a complexidade, que busca respostas prontas para perguntas profundas. Uma mente, enfim, que abre mão da liberdade de pensar em nome da comodidade de repetir.

A ilusão do saber raso

Há também um fenômeno ainda mais perigoso: a ilusão de que se sabe. De que basta um vídeo no YouTube ou um post com gráficos coloridos para dominar um tema. A educação virou espetáculo. A curiosidade virou entretenimento. E nesse processo, o saber foi desvalorizado.

A preguiça de aprender não se limita à escola ou à universidade — ela invade o cotidiano. Está nos profissionais que não se atualizam. Nos pais que não leem. Nos jovens que evitam o desconforto de pensar fora da bolha. Nos cidadãos que não questionam as leis que os regem ou os líderes que os representam. Está nos discursos prontos, nas frases de autoajuda mal compreendidas, nas respostas automáticas que substituem a análise cuidadosa.

Por que aprender incomoda

Aprender é um ato de coragem. É admitir que há muito que não sabemos. É colocar-se em movimento. É desconstruir certezas. É rever verdades que nos são caras. E isso, para muitos, é doloroso demais. Afinal, é mais fácil manter a cabeça baixa, repetir o que se ouviu e seguir o fluxo — mesmo que esse fluxo leve ao abismo.

Mas não há evolução sem desconforto. A preguiça de aprender é, na verdade, medo disfarçado: medo de mudar, medo de se frustrar, medo de sair da zona de conforto intelectual. É mais confortável fingir saber do que encarar a ignorância. É mais fácil zombar de quem estuda do que reconhecer a própria apatia.

Um convite à resistência

Esta carta não é só crítica. É também um convite — um chamado à resistência. Em tempos de preguiça mental, estudar é um ato revolucionário. Refletir é subversivo. Duvidar é sinal de sanidade.

Precisamos resgatar o valor do conhecimento pelo conhecimento. Ler não apenas para postar, mas para crescer. Discutir não para vencer, mas para ampliar horizontes. Aprender não para ostentar diplomas, mas para tornar-se mais consciente, mais ético, mais humano.

A preguiça de aprender é uma escolha — e também pode ser desfeita por outra escolha: a de se comprometer com o próprio desenvolvimento. A de não se contentar com pouco. A de não aceitar ser apenas mais um repetidor de vozes alheias. A de se tornar, de fato, alguém que pensa.

Porque pensar cansa. Pensar dói. Pensar exige. Mas é exatamente isso que nos salva do rebanho. E neste novo mundo, pensar é um ato de resistência.

(*) Cristiane Lang, psicóloga clínica especializada em oncologia

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.