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Chavistas, mas não maduristas

Por Carolina Silva Pedroso (*) | 08/07/2017 08:01

O caminho seguido por Luisa Ortega, procuradora-geral da República Bolivariana da Venezuela, tem ganhado destaque nos meios de comunicação internacionais. Até março de 2017 ela era uma importante apoiadora de Maduro, mas converteu-se em um dos alvos preferenciais do governo. Nos próximos dias, se a tendência de perseguição judicial a todos os que criticam o presidente venezuelano se confirmar, Ortega deve perder o posto que ocupa desde 2007.

O ponto de inflexão para sua mudança de postura foi a polêmica decisão da Sala Consititucional do Tribunal Supremo de Justiça, que após permitir que a Assembleia Nacional se mantivesse em desacato por meses, acabou declarando o parlamento venezuelano como inconstitucional e tomou para si seus poderes.

Naquela ocasião, a procuradora-geral da República anunciou que teria havido uma ruptura da ordem constitucional devido à desproporcionalidade da punição, o que representaria um estrangulamento da oposição, que goza de maioria parlamentar desde dezembro de 2015. Embora a declaração de Luisa Ortega tenha surpreendido a muitos, vale notar que chavistas importantes já vinham manifestando sua insatisfação com o rumo que o país seguia sob Maduro.

As críticas começaram de maneira mais tímida ainda em 2014, e em 2017 ganharam cada vez mais intensidade, fazendo com que ferrenhos defensores da Revolução Bolivariana sejam vistos pelo governo atual como traidores, mesma acusação que esses dissidentes fazem ao mandatário e sua cúpula. Os indícios do surgimento de "chavistas não maduristas" podem ser encontrados nos números eleitorais de 2013.

No ano anterior, já debilitado por sua enfermidade fatal, Hugo Chávez obtivera um pouco mais de 8 milhões de votos, frente a 6 milhões e meio recebidos por seu opositor, Henrique Capriles. Ainda sob a comoção da morte do carismático líder bolivariano, em abril de 2013, seu vice, Nicolás Maduro, levou o pleito com cerca de 7 milhões e meio de votos, enquanto que o mesmo Capriles alcançou a cifra de quase 7 milhões e trezentos mil eleitores.

Considerando que o sufrágio é universal, mas não obrigatório, isso significa que além de não conseguir o apoio dos mesmos 8 milhões de eleitores que votaram por Chávez meses antes, Maduro ainda perdeu votos para Capriles. Ademais da falta de carisma junto à população, Maduro enfrentou divisões dentro do chavismo que acreditavam que Diosdalo Cabello, então presidente da Assembleia Nacional, ou mesmo que algum dos irmãos de Chávez seriam melhores sucessor que ele.

Um ano após sua eleição, em abril de 2014, eclodiram protestos populares contra os principais problemas do país, como os altos índices de violência, desabastecimento de produtos básicos e a alta inflação. Embora tenham sido capitalizados pela oposição partidária, tais movimentos tiveram como pontapé manifestações espontâneas de pessoas descontentes e indignadas, sobretudo de jovens que nasceram e cresceram no chavismo e que viram seu nível de vida deteriorar rapidamente a partir de 2013.
Alguns meios de comunicação considerados chavistas, por sua vez, também apresentaram mudanças editoriais importantes. É o caso do Aporrea, site que durante anos serviu de espaço para chavistas exporem suas opiniões sobre diversos temas, e que hoje apresenta textos extremamente críticos a Maduro.

O caso de Ortega chama atenção por conta da importância institucional que ela representa, uma vez que suas declarações simbolizam a posição do Ministério Público – que durante tantos anos foi acusado de ser conivente e alinhado ao chavismo – e que, ironicamente, tem sido nos últimos meses fonte das críticas mais duras ao governo.

No entanto, esse movimento de autocrítica dentro do chavismo nao é isolado e tende a ganhar cada vez mais força. Diante desse cenário de debilitamento político do presidente venezuelano, percebe-se que o governo se mantém por dois pilares fundamentais: o Supremo Tribunal de Justica, que segue arbitrando favoravelmente aos interesses de Maduro, e as Forças Armadas, embora a possibilidade de uma insurreição seja real (vide o recente ataque de helicóptero perpretado por um policial).

(*)Carolina Silva Pedroso é Mestre e doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da Unesp.

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