ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram Campo Grande News no TikTok Campo Grande News no Youtube
JUNHO, TERÇA  17    CAMPO GRANDE 22º

Artigos

Compor com crianças na escola pública

Esther Benfato Cunha (*) | 12/12/2022 13:12

A composição musical realizada dentro de espaços escolares não é um tema sobre o qual muito se reflete atualmente, principalmente por parte de pedagogos. Encontramos pouquíssimos autores que compõem com crianças dentro desses espaços e que escrevem sobre o assunto.

Carlos Kater, compositor, musicólogo e educador musical, Teca Alencar de Brito, pedagoga e referência da musicalização infantil, e Dulcimarta Lemos Lino, professora da Faculdade de Educação da UFRGS, são alguns dos poucos educadores dessa área que têm se debruçado sobre o tema, se lançado na arte de compor com crianças e adultos em espaços educativos e que me inspiraram a escrever o meu trabalho de conclusão de curso.

Desde nova, tive a oportunidade de estar em um espaço no qual compor e criar era natural. Meu pai, José Carlos Cunha, cantava paródias (alterações no texto de uma música sem mudar a melodia da canção original) para mim desde que nasci, e isso me fez querer criar também. São essas as memórias resgatadas quando entrei na disciplina de Educação Musical do curso de Pedagogia e que me fizeram entender que o que componho hoje é resultado de uma infância cheia de experiências e brincadeiras com a música.

Em 2021, ao participar do projeto de extensão Piá, pude compor com meus colegas, em coletivo, uma música chamada “João de Barro”, que faz parte do espetáculo “Jaebé: tocar a liberdade”, e foi ali que entendi que o que estava fazendo era compor para alguém e não com. A partir disso, ao ir atrás de uma professora que já conhecia pelos caminhos da Pedagogia, encontrei Paula Emcke, que prontamente concordou em compartilhar o seu trabalho de compor com as crianças. Assim, pude observar suas aulas, realizar entrevistas e analisar seus materiais de documentação pedagógica.

Paula Emcke é professora de educação infantil da rede municipal de São Leopoldo. Ela recebe uma turma de 22 alunos de 5 anos dentro do turno escolar para ter aulas de Educação Musical pelo projeto Barulhar, dedicado a fortalecer a mediação pedagógica em educação musical, no sentido de ampliar os espaços de compor com adultos e crianças na escola. Paula encanta as crianças a se lançarem nas inúmeras possibilidades de compor por meio de exercícios – nos quais se expor, criar vínculos, ter experiências potentes e jogar em coletivos se tornam primordiais para uma turma que entende o espaço escolar como sendo não apenas dos professores, mas também das crianças. Para ela, a ação de compor no dia a dia da escola é um convite que precisa ser feito a partir de um relacionamento de escuta ativa, no qual o interesse das crianças é levado em conta para o planejamento das aulas.

Repertórios diferentes, músicas instrumentais, canções de outras culturas, uso do corpo, interpretar músicas já conhecidas, utilizar materiais do cotidiano para fazer exercícios sonoros: todos esses itens são relevantes ao se pensar em uma sala de aula que oportunize às crianças as mais diversas experiências que poderão levar para a vida.

Isso se dá por uma dimensão importante na relação pedagógica que é a formação continuada em educação musical, experimentada em coletivos colaborativos. A relação entre a educação e a música se dá a partir de experiências anteriores com a música? Sim, mas elas, sem uma formação que fortaleça o professor dentro da sala de aula, acabam perdendo força. É preciso vivenciar, assim como também é necessário estudar e conhecer.

Paula obteve com sua turma, no projeto Barulhar, alguns resultados, como as músicas “Festa na Floresta” e “Porta Funk”. No trabalho, destaco o processo de composição da canção “Porta Funk”, que tive a oportunidade de ver de perto e que surgiu de hipóteses levantadas pelas crianças sobre o que haveria atrás de uma porta que se mantém sempre fechada. Foi assim que Paula, em coletivo com as crianças, compôs a música: sentada no chão, ouvindo atentamente e registrando o que as crianças tinham para falar.

Compor é um exercício de democracia ao se aprender a fazer escolhas, se acolherem ideias e, muitas vezes, se frustrar ao se expor e não ser totalmente compreendido, mas são esses caminhos que precisam ser trilhados por um pedagogo que entende que ele é responsável por essa relação entre a música e a educação na escola. Compor na infância é uma potência, ao se lançar ao desconhecido, inventar e exercitar o ouvir o outro.

(*) Esther Benfato Cunha é graduanda em Pedagogia pela UFRGS.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

Nos siga no Google Notícias