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De heróis e sonhos

Por Ruy Martins Altenfelder Silva (*) | 22/05/2013 09:02

O recente transcurso dos 12 anos da morte do governador Mario Covas – um político que, acima de tudo, honrou seus mandatos e seus eleitores – motivou a lembrança do famoso diálogo entre dois personagens da peça Vida de Galileu, do dramaturgo alemão Bertholt Brecht (1898-1956). Um deles lamenta: “Infeliz do país que não tem heróis”; o outro rebate: “Não, amigo, infeliz do país que precisa de heróis”.

Os vergonhosos casos de corrupção ocorridos nos cinco séculos de história e os graves problemas éticos que pipocam no dia a dia demonstram que, apesar dos esforços e avanços verificados na ética e na valorização da cidadania, lamentavelmente o Brasil – e também de dezenas de outros países, em toda escala de desenvolvimento – ainda se enquadra na fala do segundo personagem: “infeliz do país que precisa de heróis”.

Medida da importância da ética: a alta comissária da ONU para os direitos humanos divulgou que os fluxos financeiros ilícitos, oriundos do desvio de dinheiro por atos de corrupção, atingiu a cifra de 8,44 bilhões de dólares entre 2000 e 2009.

Pensando melhor, talvez as nações não necessitem exatamente de heróis. Afinal, ser ético, correto e honesto é o mínimo que um cidadão (na acepção plena da palavra) deveria oferecer à sociedade em que vive, seja ele político ou não.

A ausência de ética, com todas as suas consequências, é ainda mais danosa, quando a vítima é um país em desenvolvimento, como o Brasil, onde ainda há tanto a fazer. Ou alguém duvida, por exemplo, de que todo o dinheiro drenado pela corrupção, se bem investido teria possibilitado um avanço maior e mais rápido rumo a um país mais moderno, menos desigual e melhor equipado para assegurar a sustentabilidade de seu desenvolvimento?

Quando, nos poderes constituídos e no tecido social, há a prevalência de interesses pessoais, corporativos ou de grupos sobre as demandas mais legítimas da sociedade, macula-se a democracia, aprofundam-se as desigualdades e dissemina-se a descrença na justiça e nas instituições.

Nos regimes de democracia plena, quando recebe o poder pela força do voto, o cidadão eleito deve exercê-lo, pautando-se por inabalável consciência ética. É fundamental resistir às tentações inerentes ao poder, repudiar, denunciar e punir os corruptos e corruptores para evitar a repetição de vícios milenares. Essa é a parte dos políticos em cargos representativos. Já a tarefa de cada um dos cidadãos eleitores seria recorrer à consciência cívica para depurar, pelo exercício do voto, o universo dos cargos eletivos.

Infelizmente, esse é o cenário ideal da cidadania, não o retrato da realidade neste início do século 21. Entretanto, há sinais animadores no horizonte que, se vierem a constituir uma saudável tendência, poderão se resultar no saneamento da cena política e das suas interfaces com poderosos segmentos da sociedade. Diante das primeiras denúncias do escândalo que viria a ser conhecido como mensalão, poucos brasileiros duvidavam de que o caso terminaria em impunidade, como tantos outros.

Oito anos depois, o Supremo Tribunal Federal, consagrando o princípio maior de que a lei é (ou deve ser) igual para todos, está calculando a pena a ser imposta aos réus considerados culpados. O grande arranhão na impunidade quase certamente é o mais benéfico efeito da Ação Penal 470, relatada de maneira exemplar pelo ministro Joaquim Barbosa e examinada com competência jurídica e visão ética pela consagradora maioria de seus pares.

Lembrando agora um escritor nacional, Monteiro Lobato dizia que "tudo tem origem nos sonhos. Primeiro sonhamos, depois fazemos”. E todos os que sonharam com uma Brasil mais ético começam – e esperemos que essa visão não esteja distorcida por excesso de otimismo – a vislumbrar ações que podem conduzir a história a um novo patamar.

Há a Lei da Ficha Limpa, que teve como motor a manifestação de milhões de brasileiros contra a corrupção e a impunidade. É a semente da esperança do surgimento de uma nova geração de candidatos que coloquem o bem comum como o grande objetivo da atuação política, invertendo a atual prevalência do interesse pessoal e da conquista do poder a qualquer preço.

Daí a importância de se vincular os ensinamentos teóricos aos exemplos de posturas éticas. Da Inglaterra vem um alento: 79% das escolas e 59% dos ex-alunos ligados à associação de MBAs de Londres e das Escolas de Administração de Durham afirmam que os programas de MBA deveriam focar as responsabilidades das empresas para com a comunidade, clientes, empregados e a sociedade em geral, em vez de encorajar o executivo a valorizar apenas suas obrigações para com os acionistas.

Na China, os jovens também estão mais interessados em responsabilidade social e sustentabilidade. Conselhos profissionais: Medicina (CRM), Engenharia (CREA) e a Ordem dos Advogados (OAB) – debatem questões éticas e se preocupam com a reformulação de seus códigos de conduta. No ambiente corporativo, cresce o número de organizações de todos os portes que editam códigos de ética, buscando orientar as posturas e práticas de seus funcionários e fornecedores de acordo com novos valores.

São exemplos como esses que fundamentam a crença de que a ética, pelo menos no Brasil, está deixando de ser um capítulo árido do curso de filosofia, para permear toda a grade curricular das universidades. Até porque, em última instância, elas são centros de geração de conhecimentos e pensamentos capazes de forjar mudanças na sociedade.

Em artigo recente, manifestei a esperança, que renovo, de que os movimentos pela ética consigam mandar para a lata do lixo (onde esperamos que permaneçam) conceitos e práticas que contribuem para denegrir a imagem do Brasil no mundo, para enfraquecer valores da cidadania e para deformar novas gerações, ao retirar-lhes a perspectiva de paz, justiça e igualdade social.

(*) Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e do Conselho Superior de Estudos Avançados da FIESP.

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