Dia Nacional da Saúde: mais que uma data, uma reflexão sobre nossos hábitos
O Dia Nacional da Saúde, celebrado em 5 de agosto, é um convite à reflexão sobre como compreendemos e construímos a saúde em nossas vidas. Em tempos marcados por crises sanitárias, emergências climáticas e grandes desafios socioambientais, pensar a saúde de forma ampliada torna-se não apenas necessário, mas urgente.
A saúde não pode mais ser reduzida à ausência de doenças, nem continuar subordinada ao modelo hegemônico hospitalocêntrico, curativista e, cada vez mais, financeiramente insustentável. Essa lógica, centrada na intervenção biomédica, desconsidera as complexas relações sociais, ambientais e sanitárias que produzem o adoecimento. Desde a Carta de Ottawa, em 1986, a promoção da saúde tem se consolidado como uma proposta que reivindica uma abordagem intersetorial e integral, incorporando práticas integrativas, saberes populares, ações comunitárias e a criação de ambientes saudáveis. Trata-se de um chamado à justiça social e ao reconhecimento dos determinantes sociais e ambientais da saúde. Esse olhar ampliado desloca o foco do tratamento do indivíduo para o coletivo e do hospital para as comunidades e territórios.
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Vivemos em cidades cada vez mais ambientalmente degradadas. A urbanização acelerada, marcada pela especulação imobiliária, pela poluição do ar, pela escassez de áreas verdes e pelo trânsito intenso, tem contribuído para o adoecimento físico e mental das pessoas. Nas áreas mais periféricas, muitas pessoas convivem diariamente com a falta de infraestrutura básica, a exposição a áreas contaminadas e a ausência de políticas públicas eficazes. Esse cenário evidencia as profundas desigualdades e a face cruel do racismo ambiental, em que populações vulnerabilizadas — em sua maioria negras, indígenas ou periféricas — são sistematicamente expostas a riscos de adoecimento por viverem em ambientes degradados.
Paralelamente, observamos um paradoxo preocupante: tornamo-nos dependentes de medicamentos que prometem o controle, a cura e alívio, mas que frequentemente mascaram as reais causas do adoecimento. Vivemos hoje com maior expectativa de vida, mas muitas vezes à custa de uma medicalização contínua. Tornamo-nos doentes crônicos, mantidos por remédios que, ao mesmo tempo que nos tratam, provocam efeitos colaterais que nos adoecem. A indústria farmacêutica cresce à sombra de uma lógica que naturaliza a cronicidade e ignora a prevenção, o cuidado integral e o bem viver. Até que ponto essa longevidade é real, se está sustentada por corpos adoecidos, mantidos por remédios que tratam, mas também provocam novas enfermidades?
Diante desse cenário, é importante refletir sobre o real sentido da saúde, considerando-a como um direito humano e um bem coletivo, indissociável do cuidado com o planeta. A perspectiva da saúde ecossistêmica, por exemplo, propõe olhar para as interações entre seres humanos e o ambiente, promovendo ações integradas e sustentáveis que respeitem os ciclos naturais e os saberes locais. Isso inclui valorizar práticas agroecológicas, a ampliação de áreas verdes nas cidades – sobretudo parques urbanos, verdadeiros espaços promotores de saúde –, incentivar a prática de exercícios ao ar livre, como caminhadas, ciclismo, corridas, investir em educação ambiental emancipatória e promover o autocuidado.
Celebrar o Dia Nacional da Saúde é, portanto, um convite à reflexão: que modelo de saúde estamos de fato promovendo? Que escolhas temos feito, enquanto indivíduos, coletivos e sociedade, que moldam nossa qualidade de vida e impactam diretamente a sustentabilidade do planeta? Reduzir a saúde a intervenções clínicas e hospitalares é negligenciar o potencial transformador das práticas preventivas, da convivência comunitária e do vínculo com a natureza. Consultórios, clínicas, laboratórios e hospitais têm seu lugar, mas não garantem, sozinhos, uma vida saudável. É nas comunidades, nos vínculos sociais e nos ambientes que habitamos que a saúde se constrói cotidianamente.
Ecossistemas saudáveis, acesso a áreas verdes, ar puro e o contato regular com a natureza são, comprovadamente, elementos fundamentais para o bem-estar físico, mental e emocional. Além de representarem alternativas reais à medicalização excessiva, que, ao tratar sintomas, muitas vezes ignora causas estruturais e impõe novos agravos por meio de efeitos colaterais. Cuidar da saúde é, portanto, um ato ecológico consciente, que exige repensar nossos estilos de vida e nossas formas de nos relacionar com o ambiente onde estamos inseridos.
(*) Aldira Guimarães Duarte Domínguez, professora do curso de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências e Tecnologias em Saúde da Universidade de Brasília (FCTS/UnB)
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