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Divulgação científica e imagem institucional no home office

Bruno Lara (*) | 17/08/2021 08:30

Certa vez, eu fiz uma entrevista pela internet cujo convidado queria gravar em pé na cozinha, com geladeira, copos e panos de prato ao fundo. Parece anedota, mas é verdade. E olha que a pessoa tinha afinidade com a comunicação! Por fim, consegui convencê-la de que aquele não era o melhor ambiente para gravar, que não ficaria bem para nenhum dos dois.

Esse episódio é emblemático para mim porque lança luz sobre a importância da comunicação dentro do ambiente acadêmico, ainda mais nos dias de hoje. Durante a pandemia, quase todas as nossas atividades migraram para a internet: eventos, entrevistas, reuniões, lecionar aulas, defesas de teses etc. As nossas casas passaram a ser, também, um espaço da imagem institucional da UnB, a partir do recorte cenográfico que “vendemos” através dos vídeos à audiência (estudantes, outros acadêmicos, imprensa e mesmo a sociedade em geral). É importante essa noção de representação, mesmo em casa – onde podemos usar camisa engomadinha aparecendo no vídeo e bermuda florida não aparecendo. Não que eu faça, hein!

Conheço professores e outros acadêmicos muito conscientes da importância da comunicação no processo informacional, criando praticamente um estúdio dentro de casa, com equipamentos como chroma key, ring light e programas específicos de gravação, edição e pós-edição de vídeos. Essa seria a atitude ideal, mas nem todos estão dispostos a investir e nem conhecem técnicas suficientes de manejo dessas ferramentas. Ok, sem problema algum. Afinal, não são comunicadores profissionais.

Conheço também outros acadêmicos que não têm todos esses recursos, mas se preocupam bastante com o contexto de transmissão das suas falas, observando o cenário de fundo, preocupados com a iluminação (ainda que com luminárias simples), se os óculos estão limpos, se os livros na estante atrás estão organizados, se a camisa está passada. São profissionais que têm à disposição, por exemplo, fotos adequadas (não selfies de Facebook no churrasco da família) para enviarem à organização de um evento do qual serão palestrantes ou a jornalistas aos quais darão entrevistas. Tudo isso conta. É a imagem deles e da instituição (UnB, no caso) que está circulando por aí, inclusive nas redes sociais. Enfim, sabem que tudo comunica, que comunicação não é só verbal e nem é só conteúdo. A sinergia entre forma e conteúdo é fundamental para o processo de percepção e apreensão das informações.

Já outros profissionais ainda não captaram o que é a comunicação para o mundo de hoje em dia. Possivelmente, foram formados em outros paradigmas e ainda não se atualizaram com as dinâmicas e os desafios contemporâneos. Faz parte do processo de transição. De qualquer forma, penso que estamos evoluindo de uns anos para cá.

Um artigo científico, ainda que o tema seja relevante, os dados sejam interessantes e a metodologia seja pertinente, precisa ter uma boa escrita, ou seja, precisa se fazer entendível para os pares, no caso. A forma de entrega das mensagens também comunica, dando mais clareza sobre o que se quer dizer.

Lembro de uma aula da faculdade no estilo de videoconferência. A matéria era algo como Comunicação Empresarial. O professor era fera na área dele, mas pensa num cara chato de ouvir e bom pra fazer dormir! Depois de duas ou três aulas, a direção trocou o docente por outro bem melhor de ouvir, interagir e ficar acordado (a aula era à noite).

Ninguém precisa ser um showman ou fazer da sua casa um espetáculo para atrair audiência e elogios. O que eu quero dizer é que precisamos aceitar a comunicação como uma necessidade, inclusive profissional e institucional, e uma aliada nos tempos de hoje. No contexto do home office, temos que ser mais hábeis para compensar a perda do sentido de presença física nas relações.

Currículo Lattes não é suficiente para a ciência sobreviver, vide toda a luta da comunidade acadêmica nos últimos anos. Em entrevista para a UnBTV, o novo presidente da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, disse que a ciência precisa conquistar a opinião pública. O recado foi dado: sem poder de convencimento e diálogo eficiente com a sociedade, não há pesquisa, não há bolsas, não há dinheiro nas universidades, não há periódico para publicar, não há campo científico. E essa conquista sobre a qual comentou o ex-ministro da Educação passa, necessariamente, por estratégias planejadas e eficientes de comunicação.

Um bom músico, por exemplo, até pode usar sandálias Havaianas nos ensaios, mas na hora do show de verdade veste o melhor figurino, usa os melhores recursos cenográficos disponíveis porque respeita o público e entende o que é o fenômeno da apresentação cultural, o quanto aquilo é importante para o seu trabalho e o quanto é capaz de influenciar a sociedade, ainda que não seja possível quantificar – e nem é necessariamente desejável a metrificação.

E a academia, está consciente da importância dos momentos de contato com a sociedade, da nobreza da sua participação em atividades de divulgação científica? Todos nós somos responsáveis pela construção desse processo de diálogo, ainda que não nos demos conta, ainda que não acreditemos que exista esse fluxo, ainda que queiramos ficar só nos laboratórios. É importante levar a comunicação sobre a ciência a um alto nível, de forma estratégica, eficiente, interessante, de maneira objetiva, clara e adequada aos públicos, aos meios e aos novos tempos. Na cozinha, nem o coffee break, que geralmente fica no hall.

(*) Bruno Lara é jornalista da UnBTV e pesquisador de pós-doutorado em Ciência da Informação pela UnB.

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