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Em nome do índio

Por Semy Alves Ferraz (*) | 03/06/2013 13:28

Escrevo este artigo em memória de Darcy Ribeiro, o antropólogo que amou o seu semelhante: o índio brasileiro. Darcy Ribeiro esteve em Mato Grosso do Sul em 1983. Já se vão 30 anos. Fundador e primeiro reitor da UnB (Universidade de Brasília), Ribeiro era vice-governador do Rio quando esteve por aqui. Ele veio para a missa de sétimo-dia de Marçal de Souza Tupã-I, o guarani que falou, em 1980, ao Papa e pediu à Sua Santidade que ajudasse o índio do Brasil. Marçal foi, três anos após esse encontro, covardemente assassinado. O crime continua impune até hoje.

O partido que governava o estado em 1983 era o mesmo que nos governa agora em 2013, ano em que outro índio, Oziel Gabriel, é, também, brutalmente assassinado. Não vi, por esses dias, nenhuma autoridade que, na mídia, vive a defender os índios, falar o que Darcy Ribeiro falou há três décadas: “Esse estado está manchado de sangue com a morte de Marçal de Souza.” Por isso, em respeito à memória de Darcy Ribeiro, venho hoje falar em nome do índio.

O terena Oziel Gabriel, assassinado em Sidrolândia, tinha 32 anos de idade e era uma das promessas de sua comunidade. Ele morreu pelo mesmo motivo de Marçal de Souza, ou seja, na luta pela demarcação das terras indígenas, como estabelece a Constituição Federal de 1988. Acredito que a demarcação e a entrega das terras indígenas já deveriam ser questões superadas, resolvidas duas décadas atrás. Aliás, não cumprindo os preceitos constitucionais, a sociedade brasileira dá um passo atrás, retorna ao século XIX, como no tempo em que se discutia a abolição da escravatura. Autoridades e lideranças devem se submeter aos preceitos constitucionais, e não estimular conflitos com o único afã de procrastinar direitos adquiridos.

Os prejuízos decorrentes da incerteza fomentada pela protelação da entrega das terras são maiores que qualquer alegado prejuízo financeiro ao agronegócio, que não pode nem deve estar acima da lei. Conheço importantes empresários do setor que têm clareza disso. É deles a maior preocupação de ver sua atividade empresarial e seus investimentos serem confundidos com a prática bizarra dos senhores de engenho de um passado que não deixou saudades.

E o mais lamentável é que nesse período – quando passaram pelo menos sete governadores e igual número de presidentes da República –, mais de uma dezena de lideranças indígenas foram mortas, sempre em circunstâncias não explicadas, fazendo com que nós, agentes políticos, assumamos um ônus de dimensões gigantescas, ainda que não concordemos com a forma como nossas autoridades tratem a temática, que tem um viés social indiscutível. E infelizmente, em nosso estado, temos governante que incentiva o ódio contra os indígenas.

Quando as questões sociais passam para a competência das instituições policiais, é hora de todos os poderes constituídos serem chamados à reflexão, sob pena de pôr a perder as tão caras conquistas democráticas. Particularmente a Assembleia Legislativa, da qual tive a honra de integrar anos atrás, esteve presente, por meio de algum de seus membros, no local do conflito, com seu relevante serviço de interlocução conferido pelo mandato popular?

Agora, com a morte desse índio, mais uma vez, Mato Grosso do Sul ganha triste destaque no cenário nacional e internacional. Se Darcy Ribeiro vivo estivesse, em nome do índio, ele, com certeza, teria afirmado que todos nós morremos um pouco com Oziel Gabriel naquela quinta-feira, dia de Corpus Christi, 30 de maio do ano da graça de 2013.

(*) Semy Ferraz é engenheiro civil e secretário de Infraestrutura, Transporte e Habitação de Campo Grande.

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