ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MAIO, SEXTA  10    CAMPO GRANDE 31º

Artigos

Golpe (in)certo na memória

Por Adilson Roberto Gonçalves (*) | 18/03/2018 10:15

Uma das principais ferramentas matemáticas é a estatística, que lida basicamente com incertezas. No plano científico, utilizando-a, sabemos os limites de uma técnica e a abrangência dos resultados obtidos. Na sociedade, a incerteza não é tão facilmente traduzida pela lógica ou por equações, o que nos remete à sensação de que tudo pode acontecer. Neste ano em que supostamente teremos eleições gerais – a própria eleição já é uma incerteza – há duas outras questões principais: a) quais candidatos se apresentam ou poderão se apresentar e b) a definição e dimensão do golpe.

Em muita coisa o TSE deveria mexer para coibir propaganda enganosa, uso do poder econômico e fraude eleitoral. Agora, intervir nos princípios da estatística e das ciências sociais é reforçar o estereótipo daquilo que advém de cabeças de juízes. Como bem mostram os argumentos contrários, as correlações para entender as decisões e os movimentos do eleitor vão muito além da pergunta nua e crua sobre em quem votará. O poder não eleito vai aprontando mais uma das suas e sem precisar de pesquisa de opinião. Ao menos o TSE voltou atrás nesse quesito.

No início de março, a Folha de S. Paulo fez interessante levantamento em relação à forma, dividida, como os magistrados do STF veem a prisão antes de esgotados os recursos legais. Porém, o desempenho jurídico no Brasil está mais perto da lei de talião e muito longe dos julgamentos em seriados policiais norte-americanos.

O risco de que não haja eleições este ano vai se materializando, pois até a rampa do Planalto está com rachaduras e não poderá ser usada. Brincadeiras à parte, a consolidação de Lula como o candidato preferido pela maioria dos eleitores, independente da confirmação da condenação, revela a orquestração para seu impedimento. E, se não for possível, que se achem motivos à la 1964/1968 para que a segurança nacional fale mais alto do que a democracia. A entrevista com Lula na íntegra, não o extrato publicado no início do mês, é esclarecedora no que o ex-presidente pensa de Ciro Gomes e do rito judicial. Pena que poucos irão verificar isso, tecendo suas conclusões apenas com o filtro e, pior, com a opinião de outros, sem buscar a fonte.

Em relação a alguns outros supostos candidatos, Marina Silva mostra que atende mais a seus próprios interesses do que aos da causa ambientalista. A busca desenfreada pelo novo, com a bíblia na mão e Aécio Neves no coração, transformou-se em anedota política. Ademais, como se propor a terceira via se nem a primeira e a segunda estão claramente definidas? Considerando que também é um potencial candidato, faltou a Michel Temer deixar claro de qual país está falando em seu artigo “Ordem é progresso” de 1/3. Antecipando em um mês o Primeiro de Abril, conseguiu converter até o rebaixamento do Brasil em fato positivo, uma vez que o povo e os mercados já anestesiados mantiveram a resignação. Tudo o que tem sido criticado na condução das políticas sociais foi convertido em conquista. E o que adianta falar de combate à criminalidade se a pior quadrilha continua a comandar o país em Brasília? Falácias, apenas, a duras penas!

Quanto à revisitação história de golpes políticos passados, há destaque para os de 1964, de 1968 (o golpe dentro do golpe) e o controverso golpe de 2016, ainda em curso, segundo muitos estudiosos do mundo todo. No entanto, a Folha parece propalar o comportamento de avestruz ao não enxergar todos os sinais semelhantes ao período pré-ditatorial de 1964. Deposição de governo legítimo por motivos fúteis, proliferação do discurso militarista, religioso e racista, e, ainda a precarização dos ativos do patrimônio dos brasileiros. Reconhece ao menos que aquele período foi uma ditadura e não a versão de “ditabranda” que defendeu tempos atrás. Talvez acerte em uma coisa: já superamos o novo 1964 e vivemos 1968, o golpe dentro do golpe.

Por fim, Hélio Schwartsman tem razão em trazer à tona o relativismo de convicções em sua crônica “A novela do golpe”, de 13/3. Da mesma forma que muitos dizem que 1964 foi uma revolução e não um golpe, os defensores do impeachment de Dilma Rousseff morrerão – ainda que tardiamente – afirmando que o processo foi legal, seguindo o livrinho, mas com uma quebra constitucional no final ao não retirar os direitos políticos dela. O assopra depois do bate, claramente com o objetivo de retirá-la do poder, e não para seguir os trâmites necessários para o bem da nação. E, permitindo-me o plágio senatorial, com Supremo, com tudo!

(*) Adilson Roberto Gonçalves é pesquisador no IPBEN – Unesp de Rio Claro, membro da Academia Campineira de Letras e Artes e da Academia de Letras de Lorena.

Nos siga no Google Notícias