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Lampião, Rei do Cangaço, exemplo de Nordeste

Por Guido Bilharinho (*) | 31/07/2012 13:44

Sob o influxo da repercussão e do êxito de O Cangaceiro (1953), de Vítor Lima Barreto, gesta no decorrer da década de 1950 e surge no princípio dos anos 60 o então denominado nordestern, um dos subgêneros do drama, cuja produção fílmica se estende até o final dessa década para ressurgir, com um ou outro exemplar, nos anos 90. Configura espécie de faroeste nordestino, que, no entanto, mais se diferencia do que se identifica com o western, estadunidense ou não.

Se se descartar, por isolado, O Primo do Cangaceiro (1955), de Mário Brasine, sátira a O Cangaceiro, o nordestern tem início com A Morte Comanda o Cangaço (1960), de Carlos Coimbra (Campinas/SP, 1928-), que ainda realiza mais três filmes no gênero, Lampião, Rei do Cangaço (1962), Cangaceiros de Lampião (1966) e Corisco, o Diabo Louro (1969), cuja qualidade, registrada pela crítica da época, decresce de filme para filme ou, dito de outro modo, cujos defeitos crescem a cada filme.

Além deles, nessa mesma década, ainda são produzidos nada menos de outros onze nordesterns, a exemplo de Os Três Cangaceiros (1961, também sátira), de Vítor Lima, e de O Cabeleira (1963), de Milton Amaral, baseado no romance bomônimo de Franklin Távora, de 1876, até Quelé do Pajeú (1969), de Anselmo Duarte, e Meu Nome é Lampião (1969), de Mosael Silveira. Nesse mesmo ano surge nova sátira com Deu a Louca no Cangaço (1969), de Nélson Teixeira Mendes e Fauzi Mansur, título diretamente inspirado em Deu a Louca no Mundo (It’s a Mad, Mad, Mad, Mad World, EE.UU., 1963), de Stanley Kramer.

Lampião, Rei do Cangaço ainda apresenta atributos ou menos precariedades que os congêneres que se lhe seguem.

Com base nos livros Lampião, o Rei do Cangaço, de Eduardo Barbosa, e Lampião – Capitão Virgulino Ferreira (título da 5ª edição), de Nertan Macedo, o filme de Coimbra focaliza alguns dos enfrentamentos entre o bando de Lampião e as forças policiais nordestinas, antes, porém, em poucas cenas, informa o motivo principal do surgimento dessa saga mais sanguinária que aventurosa.

O cangaço é desencadeado de maneira impetuosa a partir da grande seca de 1877/1879 que assolou o Nordeste, conforme lembra Rui Facó (Cangaceiros e Fanáticos, p. 132), agravando e exacerbando condições patrimonialistas altamente concentracionárias e excludentes da estrutura econômico-social da região, preexistindo, pois, de muito, a Lampião (Virgulino Ferreira da Silva, Serra Talhada/PE, 1898 – 1938). Foi justamente seus contatos fortuitos com um cangaceiro antes do assassínio de seu pai, que lhe teria indicado o caminho que depois seguiria, de 1917 a 1938, transformando-se no mais famoso e ousado dos cangaceiros que infestaram o Nordeste nas primeiras décadas do século XX, período em que essa prática sobremaneira se intensificou paralelamente ao fenômeno do messianismo, ambos expostos e sintetizados, já com toques de genialidade, por Gláuber Rocha em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), que, todavia, por sua amplitude, abrangência, enfoque e significado não se enquadra na categoria, extrapolando-a de muito.

Já o nordestem propriamente dito não teve preocupação outra que não fosse comercial, cingindo-se nos estreitos limites da narrativa e do espetáculo cinematográfico.

Lampião, Rei do Cangaço, por isso, não ultrapassa esse nível, não portando nenhuma qualidade cultural e artística.

Contudo, expõe, com seriedade, a temática elegida, convocando para esse feito os principais atores que se destacaram no gênero, a exemplo de Leonardo Vilar (Lampião), Vanja Orico (Maria Bonita), Milton Ribeiro (um dos imediatos de Lampião, celebrizado anteriormente como ator principal de O Cangaceiro, de Lima Barreto), Glória Meneses (muito travada nesse filme de Coimbra, não repetindo a excelente interpretação de O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte), Antônio Pitanga (desenvolto como sempre), Dionísio Azevedo (de destacado papel como padre no filme de Anselmo Duarte), e Geraldo del Rei.

O filme caracteriza-se, pois, dada sua finalidade congênita, pela ênfase na estória e pela narrativa linear e convencional, destituída de preocupação e elaboração artística e recriação autoral da realidade enfocada e de qualquer tentativa interpretativa do contexto, por mais tênue e longínqua que seja.

Alguns dos principais lances da saga de Lampião são nele expostos, inclusive seu comissionamento, em 1926, como capitão da Reserva do Exército para combater a Coluna Prestes, contra a qual, no entanto, não lutou, segundo Nertan Macedo porque “informado de que os oficiais pernambucanos não reconheceriam a sua patente, deixou a Coluna Prestes movimentar-se livremente” (op.cit., 5ª ed., p.144).

Já a respeito da atuação, posição e papel de Lampião, afirma Neil Macaulay:

“Lampião não era um jagunço comum – um pistoleiro de aluguel, com vida organizada e pacífica, exceto quando chamado às armas por seu patrão – mas um cangaceiro fora de série, um bandido errante, de tempo integral. Frio e cruel, Lampião, em 1926, tinha admiradores declarados; bravo, brilhante, sempre bem vestido, era também um perfeito sanfoneiro cuja toada Mulher Rendeira transformou-se num sucesso permanente no Brasil, figurando até nas paradas de sucesso nos Estados Unidos sob o título de The Bandit. Lampião tinha todos os requisitos de um herói popular e como tal seria festejado após a sua morte. Na década de 1920, no entanto, parecia ser a verdadeira encarnação da maldade”. (A Coluna Prestes. 2ª ed. Rio de Janeiro−São Paulo, Difel-Difusão Editorial, s.d., tradução de Flora Machman, p. 186/187).

A propósito da Coluna Prestes, esse mesmo atilado brasilianist revela sua natureza e finalidade, responsáveis maiores de seu êxito, além da “coragem e a habilidade de alguns oficiais dedicados – Luís Carlos Prestes acima de todos”:

“Assim como a caminhada de Siqueira Campos ao longo da praia de Copacabana, a marcha da Coluna Prestes foi empreendida com o propósito de inspirar. A operação não era militar; não fora estabelecida para apreender ou tomar terreno, para destruir o inimigo ou sua vontade de lutar [...] só tinha por objetivo a própria sobrevivência” (op.cit., p. 229).

(do livro O Cinema Brasileiro Nos Anos 50 e 60, editado pelo Instituto Triangulino de Cultura em 2009 www.institutotriangulino.wordpress.com)

(*)Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba e editor da revista internacional de poesia Dimensão de 1980 a 2000, sendo ainda autor de livros de literatura, cinema, história do Brasil e regional.

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