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Lixões: Brasil quer liderar agenda ambiental, mas não cumpre seus compromissos

Por André Castilho e Tasso Cipriano (*) | 05/04/2024 13:33

Em 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei Federal nº 12.305, impôs o encerramento de lixões e aterros controlados no país até 2014.

Lixões são locais de disposição de resíduos sem qualquer controle ambiental, o que gera problemas como a contaminação do solo e da água subterrânea e a proliferação de vetores de doenças.

Nos aterros controlados, existe algum mínimo controle, geralmente ligado à mitigação de odores ou da proliferação de animais, como a cobertura dos resíduos com terra. Por essa razão, poderiam ser chamados de “lixões controlados”.

Lixões e aterros controlados diferem dos aterros sanitários, estes sim verdadeiras obras de engenharia com robusto controle ambiental que inclui a impermeabilização do solo e o controle de emissões atmosféricas.

A disposição final de rejeitos (resíduos sem viabilidade de aproveitamento ou tratamento) em aterros sanitários é a única forma de depósito e acumulação de resíduos legalmente admitida pela PNRS, ainda que a própria lei a considere inferior a soluções alternativas como a reutilização e a reciclagem.

Marco do saneamento - O prazo de 2014 passou sem ser cumprido e, seis anos depois de ter sido completamente ignorado, foi postergado. Em meados de julho de 2020, o chamado “novo marco do saneamento”, veiculado pela Lei Federal nº 14.026, alterou a PNRS para estipular o novo prazo de 31 de dezembro de 2020, prorrogável até 2 de agosto de 2024 a depender do tamanho populacional do município e do atendimento, até aquele momento, a dois requisitos.

O primeiro deles era a elaboração do plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos (PMGIRS), documento de diagnóstico e planejamento previsto na própria PNRS. Em 2020, o Perfil dos Municípios Brasileiros, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontava que somente 67,8% dos municípios possuíam o PMGIRS.

O segundo requisito, tão importante quanto o primeiro, era dispor de mecanismo de cobrança pela prestação do serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos, de forma a garantir a sua sustentabilidade econômico-financeira.

De acordo com o Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (Islu), elaborado pela Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), apenas 55% dos municípios possuíam tal mecanismo até 2023.

Por se tratar de requisitos cumulativos, o não atendimento a qualquer deles impedia a prorrogação do prazo de 31 de dezembro de 2020 para o encerramento dos lixões e aterros controlados.

Mesmo se cumpridos os dois requisitos, a prorrogação do prazo era escalonada. O prazo final de 2 de agosto de 2024 só diz respeito a municípios com população inferior a 50 mil habitantes.

Para capitais e municípios integrantes de regiões metropolitanas ou de região integrada de desenvolvimento de capitais, para municípios com população superior a 100 mil habitantes ou cuja mancha urbana esteja a menos de 20 quilômetros de fronteira e para municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes, o prazo acabou em 2021, 2022 e 2023, respectivamente.

Não é necessário aprofundar a análise para perceber que, de forma agregada nacionalmente, não só o prazo de 2020 e as prorrogações legalmente admitidas já passaram como também foram descumpridos, exatamente como aconteceu em 2014.

Se olhadas as capitais, Cuiabá só encerrou seu lixão em 2022; Porto Velho, em 2023; e Belém, sede da COP 30 da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, segue com a possibilidade de ter que reativar seu lixão em razão de entraves jurídicos com o aterro local.

Além disso, recentemente, reportagem do Facebook.eco, baseada em dados do Diagnóstico Temático de Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos do Ministério das Cidades, demonstrou que o Programa Lixão Zero não foi capaz de diminuir o número de lixões e aterros controlados na última gestão do governo federal: saltaram de 1.577 instalações inadequadas em 2018 para 2.170 em 2022 (sem ignorar o fato de que mais municípios participaram da prestação de informações no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento).

Em 2023, segundo o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, elaborado pela Abrema, 38,9% dos resíduos sólidos urbanos brasileiros foram dispostos em lixões ou aterros controlados, o correspondente a cerca de 28 milhões de toneladas de resíduos.

Emergência climática - Em tempos de emergência climática, dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg) do Observatório do Clima indicam que a disposição inadequada de resíduos gerou, em 2020, cerca de 15 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente.

Por outro lado, o Islu de 2023 calcula que o cumprimento de normas técnicas e a implementação da disposição final ambientalmente adequada em aterros sanitários pode reduzir as emissões de gases de efeito estufa decorrentes dessa atividade em quase 20%.

O último prazo, previsto para 2 de agosto de 2024 excepcionalmente para municípios com menos de 50 mil habitantes, tampouco será cumprido. Considerando o prazo inicial de 2014 estabelecido pela PNRS, são dez anos de permissividade com os lixões e aterros controlados, sem qualquer pudor.

Comportamento no mínimo contraditório para um país que, pelo menos na agenda internacional climática, pretende se mostrar líder na proteção ambiental.

Ademais, para uma transição justa, é necessário considerar os trabalhadores e as trabalhadoras que lamentavelmente ainda dependem dos lixões para sua subsistência, com destaque para os catadores e as catadoras de materiais recicláveis, cuja inclusão socioeconômica é exigida pela PNRS.

Um lixão não encerra da noite para o dia, e nem o problema dos resíduos encerra com a construção de aterros sanitários. Antes de tudo, estamos desperdiçando recursos naturais cada vez mais escassos mundialmente.

Prorrogar prazos não é suficiente, precisamos urgentemente levar a sério o encerramento dos lixões e aterros controlados e priorizá-lo na pauta socioambiental com a devida atenção à inclusão socioprodutiva das pessoas que trabalham nesses locais.

(*) André Castilho é advogado especialista em Direito Ambiental.

(*) Tasso Cipriano é advogado especialista em Direito Ambiental.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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