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Maio Laranja: contra o silêncio imposto, a urgência de proteger

Por Viviane Vaz (*) | 19/05/2025 14:50

Maio é laranja. Um mês inteiro para lembrar que a infância precisa ser protegida. A cor que representa a luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes tem ganhado espaço nas escolas, instituições, igrejas, ONGs e, sobretudo, nos corações de quem entende que proteger é dever de todos nós.

Mas por que maio? E por que laranja?

Tudo começou com a história trágica da menina Araceli Cabrera, de apenas 8 anos, cruelmente violentada e assassinada em 1973. Sua morte aconteceu em maio, e, desde o ano 2000, o dia 18 desse mês foi instituído como o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data carrega um chamado à memória, à justiça e à prevenção.

Foi a partir dessa dor coletiva que nasceu o Maio Laranja. Em 2017, o Projeto NOVA Transforma já realizava ações pontuais alusivas ao dia 18 de maio, mas percebeu que um único dia não era suficiente diante da urgência do tema. Foi então que, a partir da sugestão sensível de um apoiador, decidiu dar cor e voz a um mês inteiro de mobilização. A campanha foi contagiante, tornou-se lei estadual, depois municípios aderiram e, em 2021, tornou-se Lei Nacional, dando cor até no Cristo Redentor.

Hoje, o Maio Laranja é uma campanha oficial no país que mobiliza a sociedade para informar, prevenir e combater uma das mais cruéis formas de violação de direitos: o abuso sexual infantil. E os resultados já são visíveis. Muitas crianças e adolescentes encontraram, através dessas ações, coragem para denunciar situações que antes pareciam confusas ou secretas demais para serem compartilhadas. Elas aprenderam que o que machuca não é carinho. Que “brincadeira” não é desculpa. Que segredo, às vezes, pode ser perigo.

No Maio Laranja, também é importante reconhecer que alguns casos de abuso acontecem em contextos onde há uma hierarquia familiar rígida e disfuncional, na qual a autoridade dos adultos — especialmente de figuras paternas — não se expressa como cuidado, mas como dominação. Não se trata de criticar a família como instituição, mas de alertar para relações onde o poder se exerce sem escuta, diálogo ou afeto. Em ambientes assim, crianças podem sentir medo de falar, achar que não serão acreditadas ou, pior, que estão traindo alguém ao contar o que aconteceu.

E, quando uma criança denuncia, muitas vezes escuta: “Mas por que só agora?”
É preciso responder com empatia e entendimento:

Porque nenhuma criança, imatura como é, consegue, por si só, elaborar o fato de ser tocada dessa forma.

Porque, muitas vezes, o agressor é alguém próximo, de confiança dela ou de sua mãe, causando muita dúvida por conta do vínculo afetivo.

Porque crianças não têm entendimento suficiente de que aquilo que aconteceu trará consequências terríveis e pode deixá-las marcadas por toda a vida.

Porque ainda vivemos numa sociedade que não as prepara para se proteger — e, por vezes, até as silencia.

Porque há adultos que insistem em minimizar o mal que causam, numa visão ainda de dominação, pátrio poder que se configura num paternalismo opressor e de subjugação do infante.

A falta de monitoramento e sensibilidade dos pais e responsáveis pela criança pode ter consequências devastadoras. A letra da música de Deyse Dittmar, com nome “De novo ninguém viu”, retrata essa dor da criança que não entende muito bem o que está acontecendo, sofre com os atos, demonstra com seu comportamento que está sendo violada. Em meio a muita dor, ela grita com seus gestos, mas ninguém vê:

“De sol em sol ela cresceu,
De vento em vento forte, se encolheu.
De chuva em chuva ela chorou,
com a tempestade misturou.... gritou, gritou, gritou... ninguém percebeu.
De frio em frio ela secou, quase morreu, mas aguentou…
e, quando a flor enfim brotou, alguém notou, mas lhe tocou...
E lhe arrancava flor por flor
E lhe causava tanta dor
Não lhe deixava ser quem é
Sem flor, uma árvore qualquer
E o tempo, tempo, não parou.
E flor por flor ele arrancou
Mais uma vez se repetiu, de novo ninguém viu!”

Além disso, os desafios se reinventam: hoje, os crimes sexuais no ambiente virtual têm deixado marcas profundas em milhares de crianças e adolescentes. O impacto psicológico e cognitivo dessas violências digitais tem se demonstrado destrutivo. São situações que ainda estamos aprendendo a identificar e combater, que exigem nossa atenção com urgência. E, neste aspecto, temos de admitir que não dá pra fingir que está tudo bem: é preciso encarar esses desafios. E uma coisa não mudou — o diálogo sincero e respeitoso entre pais e filhos ainda é muito eficaz e tem efeitos positivos.

Por isso, durante o Maio Laranja, levamos informação aonde houver infância. Capacitamos educadores e pais, orientamos comunidades, distribuímos materiais, escutamos, acolhemos e agimos. Cada palestra, cada roda de conversa, cada oficina é um passo rumo à construção de uma cultura de proteção e respeito. A campanha busca justamente fortalecer os vínculos protetores dentro da família, promovendo uma cultura onde autoridade e afeto caminhem juntos, e onde nenhuma criança seja silenciada pela culpa ou pelo medo.

Estar à frente dessa mobilização é mais do que uma responsabilidade institucional — é um compromisso humano.
Porque infância não se devolve. E toda dor que se cala, se arrasta. Mas, quando escutamos, informamos e agimos, ajudamos a transformar essa dor em caminho de cura.

Neste Maio Laranja, mais do que lembrar, precisamos agir.
E que a cor laranja continue acendendo alertas e iluminando caminhos por onde a infância passa.

(*) Viviane Vaz é Mãe, Psicanalista, Escritora, Pesquisadora e Coordenadora do Projeto NOVA

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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