Mulheres da diáspora negra marcham em Brasília
Nesta terça-feira (25), mulheres negras brasileiras e da diáspora marchamos em Brasília por "Reparação e Bem Viver". Representantes de 37 países se unem para reposicionar as lutas históricas e reafirmar o papel dessas mulheres na sociedade global tendo em vista a conquista e salvaguarda da nossa emancipação e autonomia.
Somos um conjunto heterogêneo: meninas, adolescentes, jovens, adultas, idosas, cis e hétero, lésbicas, transexuais, transgênero, LBTIs em toda a sua diversidade, quilombolas, mulheres negras das florestas e das águas, moradoras das favelas e das periferias, das palafitas, sem-teto, em situação de rua.
Marcha das Mulheres Negras, em 2022, denunciou violências impostas à população negra pelas condições de gênero e raça ocorridas no Brasil - Bruno Santos - 25.jul.22/Folhapress
Somos trabalhadoras domésticas, profissionais liberais, prostitutas/profissionais do sexo, artistas, extrativistas do campo e da floresta, marisqueiras, pescadoras, ribeirinhas, empreendedoras, culinaristas, intelectuais, social media, artesãs, catadoras de materiais recicláveis, ialorixás, evangélicas, agentes de pastorais, estudantes, comunicadoras, parlamentares, professoras, gestoras e muitas mais.
Com essa pluralidade, marchamos em nome de Dandara, Aqualtune, Tereza de Benguela, Maria Felipa, Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Luiza Bairros e de toda a nossa ancestralidade —que nos legou um patrimônio político para reivindicamos o que é nosso por direito, mas que foi subtraído violentamente pelo colonialismo escravagista.
Ao longo do processo de construção da Marcha Global das Mulheres Negras foram produzidos documentos e manifestos temáticos (nas áreas da economia, justiça climática, educação, saúde entre outros) tendo em vista a produção de uma análise da conjuntura nacional que fosse capaz de apresentar uma radiografia da nossa posição na sociedade brasileira e do elenco de um repertório de propostas e indicações.
O patrimônio deixado pelas referências acima mencionadas nos impulsiona a expandir as conquistas obtidas, adotando a "Reparação e o Bem Viver" como categorias que embasam a concepção e execução de um projeto de mundo que seja viável para todas e todos.
Adotar "Reparação" como vértebra da Marcha Global das Mulheres Negras significa impulsionar um diálogo consistente com o Estado brasileiro que assinale que acontecimentos históricos, como a escravidão, promovem desigualdades abissais que se perpetuam até hoje. A ausência de políticas de amparo e compensação à população negra no pós-abolição favoreceu o agravamento das desigualdades.
Reparação histórica diz respeito a um conjunto de ações simbólicas, políticas e materiais que corrige as injustiças que se mantêm no presente. Por isso, a pauta da redistribuição das riquezas e das iniciativas sistêmicas para compensar injustiças que nos são tão caras.
Da mesma forma, do "Bem Viver" emerge um novo código sociopolítico em que a justiça, a equidade e o bem-estar são valores inegociáveis. Inspiradas nas concepções milenares que dão sustentação ao termo (bebemos também da fonte dos povos andinos), adotamos renovados modos de gestão do coletivo e do individual, da natureza e da cultura, orientadas por uma perspectiva utópica do significado da vida.
A combinação dos dois termos —"Reparação e Bem Viver"— quer sinalizar para a relação inseparável entre ambos, pois só alcançaremos o bem viver se houver ações concretas de reparação que restituam a nossa humanidade e o nosso papel na vida pública. Sob esse ponto de vista, sem exageros, a Marcha Global das Mulheres exala o orvalho primaveril num momento marcado por um cenário plúmbeo, invernal, que se quer permanente.
(*) Rosane Borges é jornalista, professora da PUC-SP e integrante da Comissão Organizadora da Marcha das Mulheres Negras / Artigo de opinião Folha de S. Paulo.
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