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Não é perda quando a ausência gera paz

Por Cristiane Lang (*) | 02/05/2025 08:32

Nem toda ausência é perda. Às vezes, é alívio. Às vezes, é finalmente respirar. Há pessoas e situações que, quando saem de nossas vidas, não deixam buracos — deixam espaço. E espaço, quando se está sufocado, é tudo o que se precisa para voltar a viver.

Vivemos em uma cultura que romantiza a permanência. Ficar é sinal de amor, de comprometimento, de coragem. Mas e quando ficar significa adoecer? E quando insistir em manter algo ou alguém por perto é justamente o que nos impede de crescer, de sorrir, de dormir tranquilos? É preciso coragem também para reconhecer que certas presenças fazem mal. Que há relações, hábitos, ambientes e vínculos que, em vez de nos nutrir, nos drenam.

A ausência que gera paz não é perda. É ganho. Ganho de si. Ganho de silêncio. Ganho de sanidade.

Relacionamentos que adoecem  

Algumas pessoas entram em nossas vidas trazendo intensidade, promessas e até momentos bons. Mas, com o tempo, mostram que o custo de mantê-las é alto demais. São amizades que nos cobram mais do que oferecem, amores que ferem mais do que acolhem, familiares que cruzam todos os limites e nos tratam como extensão de suas frustrações.

Despedir-se dessas pessoas não é fácil. Existe culpa. Existe medo. Existe a voz interna que diz: “mas e se eu estiver exagerando?”. Só que, com o tempo, o silêncio que vem depois da despedida fala mais alto do que qualquer dúvida: a paz chega. A energia volta. A leveza se instala. E aí a gente entende — não era amor, era costume. Não era laço, era prisão emocional.

Ambientes que nos limitam

Nem todo ambiente foi feito pra gente florescer. Às vezes, o que nos esgota não é uma pessoa, mas um espaço. Um trabalho que consome, um círculo social tóxico, uma rotina que sufoca. Permanecer nesses lugares por medo da mudança ou apego ao conforto pode nos manter vivos por fora, mas mortos por dentro.

A coragem de sair, de abandonar a rotina que adoece, não é irresponsabilidade. É ato de amor próprio. E quando o ambiente tóxico se vai — ou quando a gente se vai dele — a vida volta a respirar. De novo: não é perda. É libertação.

Hábitos que não servem mais

Assim como pessoas e ambientes, há também atitudes, pensamentos e padrões que precisam ir embora. Às vezes, o que nos prende não está fora, mas dentro: a autocrítica constante, o medo de desagradar, o vício em controle, a mania de carregar o mundo nas costas.

Abrir mão disso tudo pode dar uma sensação de vazio no início. Mas esse vazio é fértil. É nele que nascem novas formas de se tratar, de se enxergar, de existir. Quando deixamos de lado o que nos sabotava, a ausência desses padrões vira espaço para a construção de algo mais saudável. Mais leve. Mais verdadeiro.

O luto daquilo que não faz falta

Nem toda ausência precisa de luto. Há despedidas que merecem festa. Há finais que são, na verdade, renascimentos. Mas como fomos ensinados a ver toda separação como fracasso, muitas vezes demoramos para perceber que estamos, enfim, melhores.

O tempo ajuda. A consciência liberta. E a paz que se instala depois é a confirmação mais clara de que a ausência certa tem valor de presente. Ela nos devolve a nós mesmos.

Não é perda a ausência que gera paz. É vitória silenciosa. É reconciliação com o que há de mais essencial em nós: o direito de viver em tranquilidade. De não se sentir em alerta o tempo todo. De ser inteiro.

Algumas pessoas são melhores longe. Certos hábitos são melhores esquecidos. Algumas fases são melhores superadas. E tudo bem. A vida não é sobre manter tudo. É sobre saber o que vale continuar — e o que vale libertar.

Porque no fim das contas, a ausência que nos cura… essa sim, é a melhor forma de presença. A presença da paz.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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